domingo, 31 de janeiro de 2021

Os 5 sinais da vocação à vida religiosa

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo do Professor Felipe Aquino


‘Jesus chamou para apóstolos ‘aqueles que Ele quis’, depois de passar a noite em oração. A Igreja viu nisso o chamado ao sacerdócio e também às outras formas de vida religiosa. É Jesus quem chama o jovem à vida sacerdotal, o que não é fácil. A vida religiosa exige muitas renúncias para ser ‘todo de Deus’, estar a serviço do Seu Reino para a edificação da Igreja e a salvação das almas.

A palavra ‘vocação’ vem do latim vocare, que quer dizer ‘chamar’. Deus põe no coração do jovem esse desejo de servi-lo radicalmente, indiviso, full time, em tempo integral, sem divisão.

Para discernir esse chamado divino, o jovem precisa, sem dúvida, de um bom orientador espiritual, um padre ou um leigo experiente para ajudá-lo. Penso que alguns sinais indicativos da vocação de um jovem ao sacerdócio ou à vida religiosa sejam esses :

1 – Ter vontade de entregar a vida totalmente a Deus sem guardar nada para si; ser como Jesus, totalmente disponível ao Reino de Deus.

Ser um outro Cristo – alter Christus. Abraçar o celibato com gosto, oferecendo a Deus a renúncia de não ter esposa, filhos, netos, vontade própria etc. É um casamento com Jesus. Ele disse que receberá o cêntuplo nesta vida e a vida eterna depois quem deixar tudo por causa d’Ele e do Seu Reino.

Jesus disse que as raposas têm seus ninhos, mas que Ele não tinha nem mesmo onde reclinar a cabeça. Isso é sinal de uma vida despojada de tudo. Nada era d’Ele, nem a gruta onde nasceu, nem o burrinho que O levou a Jerusalém. O barco de onde pregava e viajava, o manto que os soldados sortearam também não eram d’Ele. Nem a casa onde vivia em Cafarnaum pertencia ao Senhor. Tudo Lhe foi emprestado. Cristo era despojado de tudo; a Ele só pertencia a cruz.

Dom Bosco disse que não pode haver graça maior para uma família do que ter um filho sacerdote. É verdade. O padre faz o que os anjos não podem fazer : perdoar os pecados, realizar o milagre da Eucaristia, tornar presente o Calvário em cada Missa para a salvação do mundo.

2 – A vocação religiosa exige que o candidato tenha o desejo de trabalhar como Jesus pela salvação das almas, sem pensar em um projeto para a sua vida.

Exige entrega total nas mãos de Deus, desejo de viver mergulhado no Senhor. Tem de gostar de rezar, de estar com Deus, de meditar Sua Palavra e participar da liturgia, pois sem isso não se sustenta uma vocação sacerdotal.

O demônio tem muitas razões para tentar um sacerdote ou um religioso, pois este lhe arrebata as almas. Então, o religioso consagrado tem de viver uma vida de extrema vigilância, muita oração e mortificação, como disse Jesus.

3 – Amar a Igreja de todo o coração, tê-la como Mãe e Mestra, ser submisso aos ensinamentos do seu Magistério.

Ser fiel à Igreja e a seus pastores, nunca ensinando algo que não esteja de acordo com o Sagrado Magistério da Igreja. Viver o que diziam o Santos Padres : sentire cum Ecclesia.

Amar o Papa, os bispos, Nossa Senhora, os anjos e santos, os sacramentos, a liturgia e tudo o que faz parte da nossa fé católica. Amar a Bíblia e gostar de meditá-la todos os dias. Desejar estudar Teologia, Filosofia e tudo o mais que o Magistério Sagrado da Igreja nos recomenda e ensina. Gostar de fazer meditações, retiros espirituais e uma busca permanente de santidade. Almejar, como disse São Paulo, atingir a estatura adulta de Cristo; ser um bom pastor para as ovelhas.

4 – Desejar viver uma vida de penitência, na simplicidade, na pobreza evangélica, na obediência irrestrita aos superiores, aberto a todos por um diálogo franco.

Ser tudo para todos. Estar disposto a obedecer sempre o seu bispo ou seu superior a vida toda, qualquer que seja a decisão dele sobre você.

5 – Estar disposto a dar até a vida pela Igreja, pelas almas e por Jesus Cristo.

Talvez eu tenha sido um pouco exigente, mas para aquele que deseja ser um ‘sacerdote do Deus Altíssimo’, creio que não se pode pedir menos do que isso. Quem opta pela vida sacerdotal deve se entregar de corpo e alma a ela; não pode ser mais ou menos sacerdote ou religioso. Seria uma frustração para a pessoa e para Deus. É melhor ser um bom leigo do que um mal religioso.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2021/01/29/os-5-sinais-da-vocacao-a-vida-religiosa/

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Os cristãos e a peste

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Papa Francisco durante Urbi et Orbi extraordinária pelo fim da pandemia em março de 2020


*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé

 

‘O papa Francisco, em março do ano passado, rezou pelo fim da pandemia, evocando uma antiga devoção da diocese de Roma : o crucifixo milagroso da Igreja de São Marcelo. O objeto sacro, que já sobreviveu a um incêndio que destruiu completamente o templo que o abrigava, foi responsável, de acordo com a tradição católica, pelo fim da peste do século 16 que devastou a capital. Essa imagem também protagonizou o ‘Dia do Perdão’, quando João Paulo II, no jubileu dos anos 2000, se retratou, em nome da Igreja, por todos os crimes e omissões cometidos pela instituição ao longo dos séculos.

Enquanto os católicos se digladiam em busca de uma resposta ‘teológica’ para a crise, o papa dá a receita mais simples de todas : é hora retirar da gaveta as práticas de devoção popular e praticar a solidariedade. Era justamente o que os cristãos de outras épocas faziam.

Quando Francisco convoca o ‘ano de São José’, pensa não só na pandemia, mas nesse retorno à essência da espiritualidade, propondo uma devoção acessível e simples. Foi também no século 16 que orações e rosários em honra ao pai adotivo de Jesus começaram a aparecer com mais frequência. Lembrando que, nesse período, a Europa vivia uma série de convulsões sociais.

E no tempo dos primeiros cristãos...

A gravidade da peste do século 3 chegou ao conhecimento dos historiadores graças a um texto do bispo Cipriano. Ainda não se sabe, exatamente, que tipo de doença era essa, mas é possível explorar, através dessas poucas fontes disponíveis, como os cristãos se comportaram perante essa situação dramática.

Dionísio de Alexandria diz que os pagãos, nessa época, abandonavam seus parentes à própria sorte, para evitar o contágio. Já os cristãos acabaram morrendo em decorrência da doença, porque trabalhavam, dia e noite, na assistência daqueles que tinham sido abandonados por essas famílias.

Nunca o mundo antigo havia visto uma rede de solidariedade tão significativa, o que teria, na opinião de alguns historiadores, atraído a atenção de algumas pessoas para a religião nascente.

Por mais que os textos sejam dotados de recursos propagandísticos – ou apologéticos – é certo que a caridade e a fé a toda prova eram as características que mais distinguiam os cristãos dos demais cidadãos do império.

Olhando hoje, para a nossa realidade, parece que estamos longe de assumir esse tipo de postura. Os livros de novena seguem empoeirados, enquanto muitas línguas estão afiadas para perseguir quem tem feito algo pelo próximo. Cobram a abertura das igrejas enquanto o coração se fecha, ainda mais, para quem mais precisa. O luto pelos mortos tem dado lugar às justificativas estratosféricas perante ideologias assassinas.

Algumas pessoas, de fora da Igreja, odeiam alguns cristãos não mais por causa da doutrina que defendem, mas por causa da distorção e instrumentalização da fé que praticam. Muitos membros da Igreja perderam, nesta pandemia, a oportunidade única de atrair as pessoas para um cristianismo professado e vivido, cujo amor é a palavra de ordem, não as agendas políticas de líderes pseudocristãos.

E é justamente essa chamada de atenção que Francisco nos faz. O papa atual está muito preocupado em resgatar a essência do cristianismo, enquanto muitos trabalham para negligenciá-lo através de um falso zelo religioso.

 Como o cristianismo sairá dessa pandemia? – pergunto. Se depender de Francisco, mais fortalecido. Se depender de outros, será uma religião que não tem credibilidade nem para falar de Jesus Cristo mais.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1496463/2021/01/os-cristaos-e-a-peste/

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Vida religiosa e consagrada: dom para a Igreja e para o mundo

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
Missa pelos consagrados com o papa Francisco em 2 de fevereiro de 2020

*Artigo do Padre Carlos Cesar, SJ

 

‘Às vésperas do 25º Dia Mundial da Vida Religiosa e Consagrada a ser celebrado no dia 2 de fevereiro, coincidentemente ou não, numa conversa amistosa fui questionado sobre o sentido da vida religiosa e o que levava ainda um ou uma jovem nos dias de hoje a se consagrar através dos votos de pobreza, castidade e obediência.

Na visão desse meu interlocutor, ‘não fazia mais tanto sentido não se casar, (castidade), não desfrutar dos bens (pobreza) e nem fazer o que se quer (obediência)’. Certamente, essa é uma visão limitada e reduzida do que significa cada um desses conselhos evangélicos. Em todo caso, nada melhor do que uma boa conversa para procurar explicar, contextualizar e testemunhar aquilo que cada um acredita e vive. A honestidade com o chamado de Deus tem que se dar em todos os contextos e ela passa por ser capaz de se questionar e de permitir ser questionado.

É comum encontrar pessoas que nos etiquetam por não entenderem a nossa consagração ou até pessoas que desconfiam e desqualificam a nossa opção de vida enxergando os votos mais como uma condenação do que como um valor. Muitos não fazem por mal. No contexto de nossa cultura atual a crise das instituições traz à tona mecanismos de desconfianças e suspeitas que são transferidos a quem faz parte de uma instituição como a Igreja, mais especificamente parte de uma ordem religiosa. Essa constatação é apenas um alerta de que temos que encontrar novas linguagens e novos modos de ser e estar e de comunicar a nossa fé e os nossos carismas. Se não fizermos isso correremos o risco de ficarmos presos a um saudosismo de outras épocas em que tudo isso estava dado por suposto, mas que já não nos corresponde mais.  O grande desafio é continuar buscando um caminho onde nós religiosos e religiosas possamos seguir tendo uma missão credível, uma palavra oportuna e profética a ser dita e um lugar a ocupar sem constrangimentos, não obstante as nossas muitas limitações e pecados. O fato é que continuaremos a caminhar na linha sempre tênue dos novos caminhos e da fidelidade inspiradora dos nossos institutos religiosos. O segredo é não ter medo e nem calar o Espírito.

Quanto à pergunta feita se a vida religiosa ainda tem sentido, um vigoroso sim precisa ser dado, amparado, sobretudo, a partir do testemunho de muitos homens e mulheres que seguem fazendo de suas vidas uma verdadeira oferenda a Deus e ao próximo. Doam a vida porque têm fé, porque se sentem chamados, porque acreditam e porque creem que o 'nós' tem mais força que o 'eu'.  Felizmente ainda há muita gente que acredita, espera, necessita, acolhe, incentiva e sustenta, dos mais diversos modos, a nossa consagração.

Pessoalmente, ao longo de minha caminhada vocacional tenho podido compartilhar com muitos amigos de dentro da ordem a qual eu faço parte, mas também com os de fora dela, as incertezas e preocupações que sempre aparecem. De igual modo, sinto-me livre em partilhar também o perene entusiasmo, a renovada paixão e a humilde consciência de que a vida religiosa tem sentido e tem muito a oferecer à Igreja e à sociedade e que, por isso, o meu futuro e a minha vida estão empenhados aí, pois para além dos desejos e esforços meramente pessoais, existe o amparo de Deus que chama, confirma e sustenta.

Há quem diga também que a vida religiosa e as vocações de um modo geral vivem um estado de crise. Isso é verdade e não é nenhuma novidade. Etimologicamente, a palavra crise não tem em si um significado negativo. Em sua origem grega ela indica um momento decisivo, difícil, de mudança súbita e remete à ação de distinguir, separar, eleger, julgar. A crise é, nesse sentido, uma oportunidade de discernimento, de escolha e decisão. Portanto, é compreensível e em certa medida até desejável, que a vida religiosa e as vocações em geral estejam em crise, pois a partir daí se abre uma grande oportunidade de mudança e de acolhida às novidades de Deus. Mais cedo ou mais tarde, através do Espirito e dos profetas de hoje, a vida religiosa será lançada a caminhar sem medo e sempre em frente pelos caminhos complicados do mundo de hoje, discernindo e escolhendo o melhor diante de Deus e dos filhos e filhas por ele amados.

Mas e sobre os motivos que levam um jovem a considerar a vida religiosa como uma opção plausível para seu futuro? As respostas podem ser muitas, a partir da experiência de cada um que opta por esse caminho. Mas o fato é que consagrar-se a Deus supõe uma escolha radical, já que é a vida de cada um que está em jogo e, consequentemente, há renúncias sérias e conscientes a serem feitas; é uma escolha possível, já que Deus não nos pede aquilo que não somos capazes de dar ou fazer, e, sobretudo, é uma escolha definitiva, que prova a cada um e ao mundo de que o para sempre segue sendo possível, mesmo num mundo de liquidez, instabilidade e de projetos fugazes.

Mas e os votos? Bom, ao mesmo tempo em que eles, se mal compreendidos, podem assustar ou afastar, são também esses mesmos votos que continuam sendo um importante diferencial para que alguém considere a vida religiosa como um caminho possível entre tantos outros caminhos, também bons. Seja como for, para os religiosos ou para quem se dispuser a vivê-los, os conselhos evangélicos são, antes de tudo, sinais de liberdade num mundo cada vez mais carente de raízes e de empatia. Sinal de liberdade diante das coisas (pobreza), diante das relações (castidade) e diante do próprio ego (obediência).

A vida religiosa e consagrada merece ser celebrada por tudo aquilo que ela representa na Igreja e no mundo. Ela ainda tem sentido? Sim. E continuará tendo! Ser fiel à vocação é atrever-se a ser feliz.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1496273/2021/02/vida-religiosa-e-consagrada-dom-para-a-igreja-e-para-o-mundo/


quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

As religiões como fomentadoras de negacionismos

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
A gravura Flammarion (1888), representando um viajante que chegou ao limite de uma Terra plana e espreita através do firmamento

*Artigo de Fabrício Veliq,

teólogo protestante

 

‘Se procurarmos com atenção, é possível encontrar quase diariamente alguma notícia que envolva algum movimento negacionista. Negação de que o ser humano tenha pisado na lua, negação de que o planeta teria forma ovalada, negação do aquecimento global ou ainda, mais destacado recentemente, os movimentos antivacinas. Esses são alguns exemplos, mas indicam um aumento considerável desse tipo de teorias conspiratórias, fomentadas por diversos canais no YouTube e fake news compartilhadas pelo Whatsapp.

Que esse tipo de movimento esteja se mostrando como grande ameaçador da sociedade parece evidente. Afinal, quando determinado grupo afirma que não tomará uma vacina por acreditar em alguma teoria conspiratória, ele coloca em risco o restante da população da região em que se encontra, uma vez que é sabido que vacinas só se tornam eficazes se uma quantidade significativa de pessoas a tomam, fazendo com que o vírus perca seu poder de circulação.

Da mesma forma, quando grupos que afirmam ser o aquecimento global uma mentira ocupam as cadeiras decisórias de seus países, isso pode levar ao agravamento da crise ambiental e, consequentemente, causar a morte de grandes populações devido a tsunamis, furacões e outras consequências naturais.

Os movimentos negacionistas são perigosos justamente por irem contra os fatos e dados empiricamente estabelecidos pela comunidade científica, ancorando-se somente em suas opiniões e crenças. Mas, talvez, o leitor e a leitora desse texto possam se perguntar : o que tem a ver a religião ou a teologia com isso?

É justamente esse o ponto fulcral. As religiões e algumas de suas teologias desempenham papel fundamental nesse caldo que engrossa e começa a transbordar em diversos países. No caso especificamente do cristianismo, as leituras fundamentalistas e literalistas do texto bíblico servem de base para alguns negacionismos.

Dentre eles, talvez, a ideia da terra plana seja a que mais salta aos olhos. Ao se ler o texto bíblico de forma literal é fácil afirmar que a Terra é plana, afinal, são diversas as passagens que falam a respeito dos quatro cantos da Terra, aos quais Deus enviou seus anjos e em momento nenhum se afirma que eles deram uma volta pelo globo terrestre. Até mesmo se tomarmos o texto de Jó 1,7, ao afirmar que Satanás chegou de uma ‘volta na terra’, tal tradução não se mostra a melhor dado o contexto do texto, sendo preferível a ideia de ‘ir e vir’ pela Terra. Em outras palavras, a cosmologia bíblica pressupunha um mundo que era plano e, portanto, pregar sua literalidade implica em dizer isso.

Concomitantemente, também a ideia de não se medicar é presente em diversos discursos fundamentalistas cristãos. A ideia de que se Deus cura não é preciso tomar remédio ainda se faz presente em diversas pregações de pastores e pastoras espalhadas pelo mundo. Ancorando-se numa leitura literal de Mc 16,8 pregam que basta orar e toda enfermidade ou doença será extirpada, sendo, portanto, tarefa do crente expulsá-las de determinado corpo ou, em casos mais empolgados, também de um país inteiro ou do próprio mundo, como é possível perceber em diversas pregações e orações que ocorreram nos Estados Unidos e também no Brasil, sem contar os movimentos estelionatários que ofereciam feijões, óleos etc. para, por exemplo, ‘curar’ alguém da Covid-19.

Esses exemplos podem servir para mostrar a influência que os movimentos religiosos, e no caso, cristãos possuem no fortalecimento de movimentos negacionistas. Nesse sentido, é tarefa teológica e cristã promover um ensino coerente e correto do texto bíblico, sempre mostrando-o e o ensinando dentro do seu contexto específico. Fazer isso, juntamente com a denúncia do mau uso do texto por parte de charlatões da fé é imprescindível para que o texto bíblico possa se tornar Palavra de Deus para a sociedade contemporânea.

Com isso em mente, não é difícil dizer que a teologia tem um papel importante a desenvolver na sociedade contemporânea e que, enquanto teólogos e teólogas, devemos assumir esse compromisso diante da sociedade.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1495903/2021/01/as-religioes-como-fomentadoras-de-negacionismos/

domingo, 24 de janeiro de 2021

Sábios e loucos

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil


‘A sabedoria proverbial popular traz referência muito adequada para reflexões sobre o momento atual quando diz que ‘de sábio e de louco todo mundo tem um pouco’. De fato, a humanidade parece estar diante da bifurcação de um caminho que pode levá-la à loucura ou à sabedoria. A civilização está, pois, em momento decisivo de sua história. Vive esgotamentos sacrificantes que acentuam processos de loucura e, ao mesmo tempo, constituem interpelação para uma virada civilizatória. Para a mudança esperada, há necessidade de uma conquista sapiencial capaz de reerguer sociedades em queda e ajudar o ser humano a se recompor. A realidade exigente e pesada, vivida desde o ano passado, faz sombras à esperança do ano novo recentemente iniciado. Indica que é preciso recuperar, promover e defender a vida, em todas as suas etapas e circunstâncias. Diante dos muitos problemas vividos em todo o planeta, precisamos de respostas que requerem o tempero da sabedoria.

Na bifurcação entre a loucura e a sabedoria, a humanidade carece de sábios para conduzi-la nos processos de mudança, a partir de narrativas que possam desencadear ciclos diferentes na história. Levar a humanidade a novos caminhos é tarefa especialmente difícil quando se considera que tantas pessoas não conseguem desempenhar minimamente o próprio papel e corresponder às suas responsabilidades. Certamente, entre os veios da loucura contemporânea está a ambição por assumir um ofício, um papel, ocupar uma cadeira confiada a autoridades, julgando-se capaz, mas sem reunir as mínimas condições exigidas para a posição social almejada. Também é sinal de insanidade querer defender princípios inegociáveis, mas cair em contradições comprometedoras, provando não ter qualificação para cumprir o que se propõe a fazer. Essas loucuras acabam por afetar as instituições, enfraquecendo-as, desgastando-as. Atrasam processos de reconstrução na sociedade, geram desgastes e desperdício de energia.

Falas desconexas dos que integram ou representam instituições não raramente são apreciadas por muitos, vistas por milhares, sinalizando o atual estado de loucura. Essas falas contribuem para acirrar posturas que são fruto de polarizações, alimentam extremismos, prejudicando a abertura de novos ciclos civilizatórios. Há, pois, lições a se aprender, para que cada vez mais cidadãos conquistem sabedoria e a humanidade seja curada, preservada dos horrores da loucura. Esse aprendizado é urgente, pois a insanidade chegou a tal nível que negacionismos, interpretações equivocadas ou tendenciosas, levam a humanidade a um percurso sem saída. Na história, não é novidade a coexistência de desvarios em contraponto com incontestáveis possibilidades para constituir uma realidade melhor. Trata-se da situação enfrentada pela sociedade brasileira, com seus cenários graves que precisam ser vencidos a partir de reconfigurações culturais e sociopolíticas.

Há de se buscar os diagnósticos das muitas loucuras que ameaçam o tecido social para que seja escolhida a estrada da sabedoria. Esse investimento é indispensável, semelhante a uma vacina, em um processo de imunização para garantir rumos novos a este tempo, com o aproveitamento inteligente de oportunidades e conquistas já garantidas pela civilização contemporânea. Para isso, são necessários os sábios, e não os loucos.

Sinaliza sabedoria a capacidade de gerar a união, articulando diferenças, delas fazendo riquezas. A sociedade precisa de cidadãos habilidosos na gestão de perspectivas divergentes, humanisticamente preparados para promover, continuamente, diálogos construtivos. Cidadãos comprovadamente preparados para amar seu semelhante, sustentados por uma referência espiritual que ilumine suas visões e fecundem a capacidade para poder ouvir cada pessoa, particularmente os clamores dos deserdados e injustiçados deste mundo. Muitos campos existenciais, a exemplo da política do bem, da economia solidária – na contramão daquela que mata –, podem contribuir para cultivar a sabedoria no ser humano. De modo especial, a espiritualidade tem importante papel para gestar a condição de sábio, e não de louco.

A genuína espiritualidade cristã tem propriedades para garantir equilíbrios e saúde mental, sentido social alicerçado em solidariedades, reverência e respeito à história, compromisso de se promover a vida de todos. Oportuno é retomar o que a espiritualidade cristã indica como experiência sapiencial : adotar estilo de vida profético e contemplativo que é fonte de duradoura alegria – livre de sensações efêmeras motivadas pelo consumismo; suplicar ao Criador – fonte única e inesgotável da sabedoria – que derrame bênçãos, copiosamente, em cada coração, tornando-o sábio, jamais louco.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/artigo/9244/2021/01/sabios-e-loucos/

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

O absoluto em Charles de Foucauld

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Fotografia do padre Charles de Foucauld (1858-1916) com seu sobrinho e afilhado Charles de Blic (1887-1965), no Château de Barbirey em 1900

*Artigo do Padre Geovane Saraiva,

jornalista, colunista e pároco

de Santo Afonso de Fortaleza, CE 


‘Neste início de 2021, procurei dar um mergulho em Deus, por ocasião do nosso retiro, o qual poderia ter sido bem melhor, se não fossem minhas limitações, a partir do bem-aventurado Charles de Foucauld. Fomos desafiados a beber, nos dias 5, 6 e 7, da inesgotável fonte de água da Galileia, precisamente aquela imprescindível água cristalina de Nazaré, onde encontra-se a vida oculta do Filho de Deus, envolvendo-nos todos nós no ministério. Com a consciência de que a espiritualidade de Nazaré é a do silêncio, do abandono e do mergulho em Deus. É a espiritualidade da transfiguração de quem quer descer, de verdade, do Monte Tabor, depois do batismo nas águas santificadas do Jordão, sendo conduzido, em seguida, ao deserto. É o ser humano que se encontra consigo mesmo, num passeio profundo pela montanha do seu próprio coração. Ele jamais pode perder de vista o mistério de Nazaré.

O livro Francisco de Assis e Charles de Foucauld, do bispo franciscano dom Beto Breis, muito tem me ajudado neste início de ano. A despeito da figura humana de Charles de Foucauld, na sua condição limitada e pecadora, dominado pelas paixões transitórias do mundo, ao mesmo tempo acolhendo a graça de Deus em seu interior, o autor se apoia no primeiro biógrafo, René Basin, colocando-nos o seu milagre da alma como esplendor dos olhos, interiorizando-o como absoluto, soberano e irrefutável, aproximando-se de Francisco de Assis. Também para se compreender o místico Charles de Foucauld, ele encontra o auxílio de François Six, deixando claro em padre de Foucauld ‘um Francisco de Assis para os nossos tempos’, sem esquecer o homem radicalmente humilde e pobre, numa vida a encantar milhares de irmãos, intimamente próximo do poverello di Assisi, bem de acordo com o Evangelho, em Camillo Deleaux.

Grande é a graça, enorme, sem igual para o mundo, com Charles de Foucauld, canonizado pelo papa Francisco, na Liturgia de Pentecostes de 2021, tudo a partir de Jesus de Nazaré, ao fazer-se em tudo semelhante aos irmãos, para se tornar um sumo sacerdote misericordioso e digno de confiança nas coisas referentes a Deus, a fim de expiar os pecados do povo (cf. Hb 2, 17). Encanta-nos o fascínio das referidas criaturas humanas, vendo nelas a face terna e afável de Deus, tornando-as inexorável e radicalmente humanas, como nas palavras do escritor : ‘Dois homens de tempos tão distantes entre si, mas que se aproximam, de modo extraordinário, de um encanto comum : o fascínio pelo mistério da encarnação e o modo apaixonado e terno a seguir os passos daquele que, sendo Deus, assumiu nossa humana fragilidade’.

A cada um de nós foi dada a graça na medida do dom de Cristo’ (cf. Ef 4, 7). Em Cristo, segundo sua vontade, no seu projeto de amor, se concede o presente da graça para cada batizado, realizando, de um modo progressivo e passo a passo, nele uma mudança, transformando-o em ‘nova criatura’. Que Francisco de Assis e Charles de Foucauld nos façam compreender melhor a loucura do mundo, como na compreensão profética de dom Helder Câmara : ‘Quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se tornam apaixonantes’. Assim seja!’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1494797/2021/01/o-absoluto-em-charles-de-foucauld/

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Empresária bem-sucedida de Silicon Valley deixa tudo para ser “Serva de Deus”

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


 

*Artigo publicado originalmente em ACI Prensa 

Tradução : Nathália Queiroz


‘Montserrat Medina é uma jovem espanhola de Valência (Espanha) que aos 34 anos e no auge de sua carreira como executiva da Deloitte e fundadora de uma startup de sucesso no Vale do Silício, deixou tudo para continuar seu caminho como ‘Serva de Deus’ em um convento de clausura.

Montse é considerada uma profissional bem-sucedida : ela tem dois mestrados e recebeu uma bolsa para um doutorado em engenharia matemática e computacional na Universidade de Stanford. Além disso, fundou uma startup de marketing digital de sucesso chamada ‘Jetlore’ no Vale do Silício, e era sócia e diretora da Área de Análise Avançada e Inteligência Artificial na Deloitte.

Agora, em poucos meses completará o período de ‘aspirantado’ para ingressar na comunidade de vida consagrada da Ordem das Agostinianas Contemplativas no Mosteiro de Santa Ana, localizado no povoado de Sant Mateu, Castellón.

O Mosteiro de Santa Ana dedica-se à vida contemplativa, atividade que só foi interrompida na Guerra Civil Espanhola de 1936, quando a comunidade foi expulsa do convento pelas milícias da CNT, do lado republicano.

As religiosas levam um estilo de vida modesto de oração e trabalho. Além das orações diárias e da vida comunitária, as religiosas se sustentam preparando massas artesanais, salgados, folhados e outros alimentos que são vendidos em sua loja online O Forno das Freiras’.

Durante um ano, Montse esteve visitando este convento para fazer exercícios espirituais e, eventualmente, ficar com a comunidade de 13 religiosas por períodos de 8 a 10 dias, explicou a Irmã Asunción ao jornal El Español. Em abril deste ano, a jovem concluirá o período de Aspirante ‘e depois terá que decidir se quer entrar, porque este é um convento de clausura total’, acrescentou.

A notícia de sua renúncia à Deloitte veio de forma inesperada ‘antes do Natal’. A prestigiosa consultora a contratou em 2018 pelo seu enorme potencial e lhe concedeu cargos de responsabilidade que Montse assumiu com excelência até dezembro de 2020, ao mesmo tempo em que se preparava no mosteiro.

Para a Irmã Asunción, ‘Montse recebeu um forte chamado do Senhor e quer deixar tudo para trás’. ‘Não a conhecíamos, parece que Montse estava olhando os conventos pela internet, analisando as regras de convivência e o carisma da congregação e escolheu o Mosteiro de San Mateo : foi uma coisa de Deus’, disse a religiosa.

Segundo recorda a religiosa, Montse chegou ao convento pela primeira vez em abril de 2020 para um retiro espiritual. Contou que entrar em Castellón foi complicado para ela, já que a polícia a deteve devido ‘às restrições de mobilidade da pandemia do coronavírus’.

No meio de tudo isso, Montse conseguiu ir para a cidade e ficar no convento por uma semana. ‘Todos os dias rezava através da grade e depois participava de uma experiência com toda a nossa comunidade’, disse a Irmã Asunción. A partir desse momento, entrou no aspirantado.

Para Irmã Asunción, esse tipo de caso não é estranho, porque em outras partes do país há outras mulheres com uma carreira profissional consolidada que decidiram deixar tudo para entrar em seu convento. ‘Há uma professora de Educação Especial que deixou o emprego em Valência e uma bióloga’, disse.

Porém, o caso de Montse chama a atenção das pessoas, pois questiona radicalmente o conceito de sucesso contemporâneo. Além de suas várias realizações acadêmicas, Montse fundou a Jetlore em San Mateo, Califórnia, em 2011, e a partir daí, junto com seu sócio Eldar Sadikov, criaram conteúdos personalizados para clientes exclusivos como eBay, Inditex ou LG.

Sua startup foi tão bem-sucedida que até a PayPal, gigante norte-americano de pagamentos pela internet, se ofereceu para comprá-la. Em meio a esse contexto de sucesso, Montse conseguiu ser um ‘modelo no mundo dos negócios’, por isso participou de conferências, mesas redondas e entrevistas para falar sobre inteligência artificial, marketing eletrônico, big data etc.

Em uma entrevista de 2016, em um canal do YouTube, o mexicano Alex Cormani perguntou onde se via em cinco anos. Naquela ocasião, disse que talvez entraria em uma empresa onde pudesse contribuir, mas também afirmou com muita sinceridade que ‘nunca se sabe onde vai estar em cinco anos. É um período de tempo muito longo’.

Em 2017, sua empresa ficou em 12º lugar por ser uma das startups de crescimento mais rápido no Vale do Silício. Além disso, Montse alcançou fama mundial ao receber a Medalha de Bronze dos Stevie Awards for Women in Business, prêmio internacional para empreendedoras e executivas.

Em 2018, juntou-se à empresa internacional Deloitte como sócia e, em 2019, a conceituada Revista Business Insider incluiu o seu nome na lista de 21 jovens espanhóis com menos de 35 anos que revolucionavam o mundo das 'startups'.

Apesar de triunfar e alcançar o ‘sucesso’ do mundo, Montserrat sentia um profundo vazio que não conseguia preencher nem nas comunidades católicas nem no serviço voluntário aos necessitados. Ela encontrou a paz no coração quando decidiu oferecer sua vida inteira a Deus como religiosa contemplativa, como disse em sua carta de despedida.

Irmã Asunción sabe que será difícil para Montserrat se adaptar à vida monástica, mas tem certeza de que isso é possível. ‘Compreendo que vai custar muito para ela pois entre a sua vida e isso há muitas mudanças. Ela pôde se permitir todos os caprichos, estudou na universidade e viajou muito. Vai lhe custar mais, mas por amor a Deus se faz tudo’,disse.

Hoje Montse está com sua família em Valência, porque ‘queria passar um tempo com eles antes de vir ao convento’, disse. Explicou que como ‘já viajou muito pelo Japão e pelos Estados Unidos e esteve morando em Madri’, esteve longe de sua família e agora quer ‘cuidar da mãe e se despedir dos seus irmãos. Ela é uma menina muito simpática e quer se dedicar ao Senhor’, acrescentou.

Em uma breve entrevista que Montserrat concedeu ao El Español, disse que por enquanto ‘é importante que eu desapareça para que Deus trabalhe diretamente nos corações. O testemunho que escrevi contém tudo o que o Senhor deseja que eu compartilhe até o momento. Todos vocês estão em minhas orações para que Deus continue trabalhando em vocês. Que Deus te abençoe’.

Antes de deixar a vida pública, a jovem mudou sua descrição no LinkedIn para ‘Serva de Deus’ e deixou uma carta na qual explica o motivo de sua decisão e se despede de seus amigos.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra http://www.acidigital.com/noticias/empresaria-bem-sucedida-de-silicon-valley-deixa-tudo-para-ser-serva-de-deus-77584


domingo, 17 de janeiro de 2021

Freira cria casa de acolhida para crianças acusadas de bruxaria na Nigéria

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Charles de Pechpeyrou,

jornalista


‘Na Nigéria, na localidade de Uyo, uma religiosa dedica-se ao cuidado das crianças abandonadas porque foram acusadas de bruxaria. Embora existam leis contra acusação e ameaça de acusação de bruxaria o fenômeno ainda existe.

Um abrigo para dar alívio às muitas crianças abandonadas nas ruas – por suas famílias ou seus tutores – porque são consideradas ‘culpadas’ de bruxaria : com este objetivo, em 2007, foi aberto o lar das crianças Madre Charles Walker no convento dos Servos do Santo Menino Jesus em Uyo, no sul da Nigéria. Sob a direção da irmã Matilde, o centro ainda acolhe dezenas de crianças desnutridas e desabrigadas, muitas das quais são consideradas ‘feiticeiras’ por seus pais. Segundo o Unicef e a Human Rights Watch, as vítimas destas acusações são frequentemente maltratadas, abandonadas, traficadas ou mesmo assassinadas.

Objetivo : reintegrá-las na família

Além de preparar o seu futuro, enviando-os à escola com bolsas de estudo, irmã Matilde se esforça em fazer contatos com suas famílias e empreender um trabalho de reconciliação para reintegrá-las na sociedade. Para isso trabalha com o Ministério de Assuntos da Mulher e Bem-Estar Social do estado de Akwa Ibom, do qual Uyo é a capital. O processo envolve líderes comunitários, anciãos e líderes religiosos tradicionais. Esta é a única maneira de garantir que as crianças possam ser reintegradas e aceitas na sociedade a longo prazo. Se isso não funcionar, a criança é colocada em adoção sob supervisão do governo. Desde a abertura do lar Madre Charles Walker, irmã Matilde e seus colaboradores atenderam 120 crianças, 74 das quais foram reintegradas em suas famílias. Ainda permanecem 46, e espera-se que possam voltar às suas famílias ou serem adotadas.

Aos acusados torturas e morte

Em grande parte da África, a figura do bruxo ou feiticeiro é considerada a imagem do mal e muitas vezes a causa de infelicidades, doenças e mortes. Por isso, é uma pessoa odiada e sujeita a represálias que podem se estender à tortura e ao assassinato. Houve relatos de crianças rotuladas como bruxas, tendo pregos enfiados em suas cabeças e sendo forçadas a beber cimento, ou queimadas, marcadas com ácido, envenenadas e até mesmo enterradas vivas.

Campanha do governo contra as violências

Na Nigéria, alguns cristãos integram as crenças africanas sobre bruxaria em suas práticas. Esta fusão explosiva levou a campanhas de violência contra os jovens em algumas partes do país. No estado de Akwa Ibom, uma grande parte da população acredita na existência de espíritos e bruxas : ‘Quando se pergunta às crianças por que estão na rua, muitos dizem que foram expulsas de casa por causa disso’, diz a freira, apontando que há outros fatores (pobreza extrema, gravidez na adolescência) que podem levar as crianças a viverem como desabrigadas.

Ajuda dos sacerdotes

Para Dominic Akpankpa, diretor executivo do Instituto Católico de Justiça e Paz da Diocese de Uyo, a bruxaria é um fenômeno sobrenatural apenas para os que nada sabem sobre teologia. ‘Se você afirma que alguém é bruxo, tem que provar isso’, observa o sacerdote, acrescentando que a maioria das pessoas estigmatizadas como feiticeiros ou bruxas pode sofrer consequências psicológicas. ‘E é nosso dever ajudá-los, através de amparo e conselhos, a sair desta situação’, conclui.

Lei contra acusação de bruxaria

Desde 2003, o Código Penal nigeriano sancionou a acusação de bruxaria e até mesmo a ameaça de acusação de feitiçaria. A nova Lei dos Direitos da Criança torna crime submeter uma criança à tortura física e emocional ou a tratamentos desumanos ou degradantes. O estado de Akwa Ibom também aprovou uma lei em 2008 tornando a designação de uma pessoa como bruxa ou feiticeiro punível com até dez anos de prisão. Segundo Akpankpa, esta condenação das injustiças cometidas contra crianças é um passo na direção certa.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1493481/2021/01/freira-cria-casa-de-acolhida-para-criancas-acusadas-de-bruxaria-na-nigeria/

sábado, 16 de janeiro de 2021

Analfabetismo emocional

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG

Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil


‘É uma expressão forte, carregada de interpelação, um alerta no horizonte da campanha anual vivida neste mês – o Janeiro Branco –, indicando a importância do cuidado com a saúde mental. Hoje, torna-se particularmente importante cuidar das emoções, pois a Covid-19 escancara, de modo singular, a condição frágil de toda a humanidade.  A pandemia amplia descompassos em diferentes países, desafiando instituições, famílias e cidadãos. O distanciamento social deste tempo, as mudanças de hábitos, com o espectro atemorizante do adoecimento, agravado pelo luto imposto a muitas famílias, acentuam a fragilidade emocional da humanidade. Mas é preciso ter presente que o agravamento das doenças psíquicas é fenômeno que antecede a pandemia. Em uma civilização que convive com acelerados processos de mudança, referências são perdidas, com comprometimento de narrativas que geram equilíbrio para o ser humano. Consequentemente, ocorre progressiva e cada vez mais generalizada deterioração da saúde emocional, que é indispensável.

A saúde psíquica é importante para se conquistar bem-estar, felicidade, alegria de viver, alicerces primordiais do sentido da vida. Quando a saúde emocional é perdida, reflexos são percebidos em diferentes campos existenciais, com incidências terríveis e demolidoras nas relações, na política, na cultura, na religião e na economia. Por isso mesmo, é preciso recuperar a dimensão psíquica da humanidade. Com a urgência e a indispensabilidade da vacinação contra a Covid-19 está a também emergencial necessidade de se promover a saúde mental e emocional.  Essa urgência e necessidade tornam-se evidentes quando são percebidos os desvarios de muitas pessoas. Desvarios em pronunciamentos inconsequentes que, de modo lamentável, ecoam fortemente. O nível de adoecimento da mente, em toda a sociedade, é tão expressivo que discursos e narrativas equivocados têm mais repercussão e adesão que as perspectivas construtivas, educativas, capazes de desencadear qualificada configuração social, política e emocional.

A fragilização emocional constatável em toda sociedade hospeda discursos obscurantistas, sem contribuições para a solução de problemas da civilização contemporânea, mas que contraditoriamente seduzem, atraindo a atenção de muitos. Por isso, a humanidade, ainda mais dolorida pela Covid-19, é convocada a pensar sobre si, avaliar seus erros e acertos, motivando-se a contribuir com novas luzes para dissipar as sombras que a impedem de encontrar novo rumo. Particularmente, é preciso qualificar e promover o humanismo, superando tudo que gera o adoecimento mental e emocional das pessoas. É a falta de humanismo que faz com que o desenvolvimento civilizacional esteja em descompasso com o ritmo dos progressos tecnológicos. E a falta de solidariedade, o crescimento de racismos, discriminações e desigualdades sociais comprovam a incompetência emocional de sociedades na administração de seus recursos, que seriam capazes de sustentar uma realidade mais justa e igualitária.

A dor lancinante sofrida pela humanidade, por suas muitas feridas, por não se saber bem o que fazer para superar as muitas crises, pela adoção de ‘bandeiras’ sustentadas por discursos sem credibilidade, necessita do remédio-bálsamo da espiritualidade. A humanidade está em confronto com o mistério de um amor maior. Sejam, pois, superados discursos viciados e muito propagados, ilusoriamente exitosos, com uma experiência espiritual que gere reunificação, articulando diferenças. Com espiritualidade e humanismo integral, a civilização contemporânea poderá se libertar de fundamentalismos e lideranças caricatas, vencendo o preocupante e pesado analfabetismo emocional.’

 

Fonte : *Artigo na íntegra https://domtotal.com/artigo/9234/2021/01/analfabetismo-emocional/