terça-feira, 29 de outubro de 2019

Arrependimento: por que só a desculpa não basta


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

croix cassée 
*Artigo do Padre Robert McTeigue, SJ


‘E se você considerasse o arrependimento como um imposto?

As pessoas veem os impostos assim : ‘eu realmente prefiro não pagar impostos; eu gostaria de manter toda a riqueza que adquiri. Mas eu sei que haverá uma auditoria e não quero ser pego trapaceando – o que implicará num processo mais doloroso do que pagar impostos -, então vou pagar; mas consultarei especialistas, discutirei e pechincharei, para poder reter o valor máximo da minha riqueza adquirida.

Uma visão bastante razoável dos impostos; mas uma má visão do arrependimento.

Usando a analogia : ‘eu realmente prefiro não me arrepender; eu gostaria de manter todo o pecado que adquiri. Mas sei que haverá uma auditoria e não quero ser pego trapaceando – o que implicará num processo mais doloroso do que o arrependimento -, por isso me arrependo; mas consultarei especialistas, discutirei e pechincharei, para poder reter a quantia máxima do meu pecado adquirido.’

Não cresceremos em santidade dessa maneira, e Deus não será enganado. Eu discuti a necessidade do arrependimento como uma conversão de toda a vida (ver aqui). Agora considerarei o ‘antes’ e o ‘depois’ de uma confissão sacramental : ‘compunção’ e ‘reparação’.

Lembro-me da ‘Imitação de Cristo’ : ‘preferiria sentir compaixão a conhecer sua definição’.

Teologicamente, compunção é mais do que apenas uma tristeza pelo pecado (e certamente mais do que lamentar ser pego e punido!). É uma tristeza pelo pecado que leva a uma aversão de todo pecado, uma tristeza tão profunda que leva alguém a resolver não pecar mais. Alguém que acorda de ressaca pode dizer : ‘Basta de bebida alcoólica para mim!’. Alguém com compunção dirá : ‘desejo nunca mais ofender a Deus!

É bom que lamentemos por ter feito uma bagunça em nossas vidas, desculpar-se por ter ofendido a Deus – tão arrependidos que resolvemos colocar nossas vidas em ordem de uma vez por todas. Também temos que limpar a bagunça que fizemos, na medida em que estiver ao nosso alcance. Em outras palavras, temos que cuidar da reparação ou fazer as pazes.

O Papa Pio XI, em sua encíclica Miserentissimus Redemptor (Reparação ao Sagrado Coração), escreve :

Se o primeiro e principal da consagração é que ao amor do Criador responda o amor da criatura, segue-se espontaneamente outro dever : o de compensar as injúrias de algum modo inferidas ao Amor incriado, se foi desdenhado com o esquecimento ou ultrajado com a ofensa. A este dever chamamos pelo nome de reparação.

Em um nível prático, podemos ver a reparação como uma maneira de fazer uma restituição. Quando eu era garoto, um descuido meu resultou na quebra de uma janela. Fui ao proprietário e assumi a responsabilidade pelo ato e pedi desculpas por isso.

A restituição exigia que eu pagasse para substituir a janela que tinha quebrado. De fato, o preço da janela estava além da minha capacidade de pagar. O dono da janela então me ensinou uma lição valiosa sobre justiça e misericórdia. Ele me mostrou a conta, para ver quanto custara meu descuido, e depois me pediu para pagar pelo reparo.

Como fazemos reparação quando ofendemos a Deus? O que podemos fazer quando vemos que nosso pecado é uma ofensa ao Amor Infinito? Devemos, em termos de justiça e amor, fazer o que pudermos. O Papa Pio XI nos deixa com esta bela oração ou reparação :

E agora, como reparação à violação da honra divina, oferecemos a Ti, acompanhando-a com as expiações de Tua Virgem Mãe, de todos os santos e dos fieis piedosos, aquela satisfação que Tu mesmo ofereceste um dia na cruz ao Pai, e que Tu renovas todos os dias nos altares. Prometemos de nosso coração que tudo faremos, com a ajuda de Tua graça, para reparar os pecados cometidos por nós e pelos outros : a indiferença a tão grande amor com a firmeza da fé, a inocência da vida, a observância perfeita da lei evangélica, especialmente da caridade, e impedir também, com todas as nossas forças, as injúrias contra Ti, e atrair para o Teu seguimento a quantos possamos.


Fonte :

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Falta-nos ser leves!


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


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*Artigo de Marta Arrais,
cronista


‘Parece-me que a leveza está, como tantas outras coisas, em vias de extinção. Falta-nos a capacidade de deixar cair o que nos pesa. O que nos deixa de sobrolho franzido e o que nos faz engelhar a testa. Temos a tendência para ir procurar a pior versão de cada um, de cada acontecimento, de cada dia.

Falta-nos a leveza de não querer saber para onde vamos a seguir. Falta-nos a humildade do sorriso que não tem medo do que pode estar guardado atrás desta ou daquela porta. Falta-nos a coragem para não estar à defesa e para não estar, permanentemente, em estado de guerra eminente.

Parece-me que a leveza está magra de não se usar. Estamos todos gordos de pessimismo, de corrupção, de maledicência e de notícias tenebrosas. Deixamos a leveza de lado e esquecemo-nos de lhe dar de comer e de beber. Fomos, e somos, cada vez mais ingratos. Pedimos que os dias sejam mais leves, mas damos-lhes o peso da última vez. Pedimos que as pessoas sejam brandas, mas não abrandamos na forma como teimamos em passar por cima seja de quem for. Pedimos que seja Verão, mas há lama de chuvas antigas a fazer-nos envelhecer por dentro.

Falta-nos ser leves. Leves como quem quer ser feito de voos e não de aterragens.
Leves como quem é feito de nuvens brancas que nunca ficam.
Leves como quem se deixa atravessar pela brisa que o mar quer trazer.
Leves como a espuma que fica depois das ondas.
Leves como quem não tem medo do que já passou, do que há e do que há-de vir.’


Fonte :

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Quatro rodas, um motor e uma escola

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Crianças ciganas aprendem a ler e escrever em uma sala de aula móvel da Rede Lassalista
Crianças ciganas aprendem a ler e escrever em 
uma sala de aula móvel da Rede Lassalista 

*Artigo de Jean Charles Putzolu,
jornalista

‘Frei Camille Véger foi o pioneiro destas salas de aulas diversas. Em 1979 leu uma carta enviada pelo então capelão nacional para os ciganos, padre André Barthélémy, aos Superior dos Padres Lassalistas na França, na qual pedia voluntários para ‘educar os jovens ciganos da periferia parisiense, mal preparados para enfrentar a rápida evolução do mundo de hoje’. Esta carta levou Frei Camille a se comprometer com os nômades, para ajudar ‘os jovens ciganos que ficam afastados, desprezados ou ignorados pelos outros jovens, mas também tentados por tudo o que a sociedade urbana pode lhes oferecer’. Frei Camille respondeu ao apelo e se ofereceu como voluntário para enfrentar um novo desafio pedagógico, em resposta à sua preocupação de dar prioridade aos jovens marginalizados excluídos do acesso ao conhecimento.

Era o mesmo objetivo do padre Barthélemy que sempre repetia que queria transformar estas crianças em ‘cidadãos’. O desafio era óbvio para Frei Camille : ‘Se estas crianças não podem ir à escola, então a escola deve ir a eles’. Portanto era preciso se organizar.

Um ano de preparação

Por um ano, Frei Camille se dedicou à preparação deste novo desafio. Aprendeu a língua Romani dos ciganos, fez cursos de cestaria, cerâmica e pintura. Todas estas atividades lhe pareciam úteis para se aproximar dos jovens nômades. Visitou várias regiões da França para conhecer as experiências pedagógicas realizadas nas escolas localizadas em lugares de acolhida comum. E deu-se conta que os professores estavam em sintonia com os pais e crianças, principalmente porque não eram as crianças que deviam ir à escola, mas a escola que se estabelecia em suas casas, sob uma atenta e interessada supervisão das famílias.

A primeira sala de aula móvel
 A primeira sala de aula móvel

A compra dos trailers

Para preparar a abertura de uma sala de aula móvel, a compra de um veículo é essencial como meio para permitir o deslocamento de um grupo a outro, quer se trate da periferia da cidade, de áreas industriais ou proximidade de aterros sanitários ou um cemitério e até mesmo no campo, fora das cidades.

O financiamento para o primeiro motorhome chegou da Província parisiense dos Padres que acolheu de modo positivo esta nova ideia pensada para a escolarização dos marginalizados. Era necessário encontrar um veículo grande para poder receber de seis a oito crianças em cada sessão durante o ano escolar. ‘O primeiro que utilizei’, explica Frei Camille ‘era um caminhãozinho usado, com poucos equipamentos, que pertencia a um casal de aposentados que os usava como motorhome. Para poder utilizá-lo logo, tirei tudo o que tinha dentro e coloquei algumas mesinhas dobráveis fixadas nas paredes graças à colaboração de um funileiro especializado. O mesmo que nos ajudou a equipar, mais tarde, os outros trailers, nos quais foram abertas janelas laterais ao lado da pequena porta para a entrada das crianças’.

As primeiras saídas

Todas as quartas-feiras Frei Camille se dedica ao ensinamento da leitura para os jovens ciganos nômades. Uma abordagem simples com um jogo feito com 10 cartas que possibilitou o aprendizado das consoantes e dos 10 sons de base da língua francesa. Desde as primeiras semanas o sucesso foi grande, filas de crianças de todas as idades querendo aprender a ler. Embora temessem a escola tradicional, aqui nas salas de aulas móveis vinham de boa vontade aprender a ler com rapidez e bem. Mesmo porque a sala de aula móvel tem semelhanças com o seu ambiente. As famílias nômades consideraram uma dádiva dos céus a chegada da sala de aula móvel, onde as crianças podiam aprender a ler e assim reconhecer os sinais de trânsito, o nome dos remédios ou qualquer outra coisa que pudesse ser útil na vida de todos os dias.

O início do ano escolar 1982

Esta experiência revelou-se um sucesso. Foi feito um pedido formal para a abertura de uma sala de aula móvel e em seguida receberam a autorização para uma experiência de 3 anos. A primeira de sala móvel ‘oficial’ nasceu em setembro de 1982.

O primeiro campo cigano a receber o caminhão escola era formado por mais de 150 trailers. Apresentou-se o Pastor Pentecostal que tinha autoridade sobre todo o grupo. A acolhida da escola móvel foi calorosa. Frei Camille recorda todos os detalhes deste primeiro contato : ‘As crianças saltavam de alegria gritando : Escola, escola! Vamos aprender a ler’. ‘Também criamos uma espécie de certificado de leitura’, recorda ainda o Frei. ‘Era um documento entregue a todas as crianças nômades que fizeram as primeiras fases da leitura. Eles tinham que cuidar muito bem deste documento, com muito carinho. Deve-se observar que esta mínima cota de educação geralmente satisfaz a grande maioria dos jovens ciganos para toda a vida. ‘Para nós este resultado representava muito pouco. Para eles, era muito’, diz Frei Camille.

Professora e alunos em uma das salas de aula móvel
Professora e alunos em uma das salas de aula móvel

Surpresa dos supervisors

Os supervisores escolares que regularmente controlam os professores nas escolas móveis geralmente desconhecem tais realidades e concedem notas inesperadas. ‘No meu caso’, recorda Frei Camille, ‘no final da minha aula ininterrupta de noventa minutos, a supervisora chamou-me para dizer o quanto estava agradecida por ter-lhe apresentado uma realidade escolar que ela absolutamente desconhecia e ficara surpresa pela fome de conhecimento mostrada pelos jovens ciganos’. Quando Frei Camille se aposentou em 2003, obteve uma pontuação de 19 sobre 20, que chamou a atenção do Ministério da Educação por este novo tipo de instrução para uma população até então ignorada.

No início de cada ano escolar, os novos veículos

Diante do sucesso da iniciativa, os Irmãos das Escolas Cristãs, organizaram-se para encontrar todos os anos novos financiamentos. Quase todas as comunidades lassalistas tinham participado nos primeiros oito anos. Como a fama da iniciativa tinha sido reconhecida pelas autoridades acadêmicas, as comunidades territoriais foram solicitadas e contribuíram economicamente. Desse modo os Lassalistas receberam vários subsídios. Em dez anos o número de salas de aula móveis aumentou até chegar a 35 escolas móveis nas principais cidades como Paris, Lille, Bordeaux, Perpignan, Lyon, Grenoble, Tolouse e Tours. A maior parte das salas de aulas móveis estão admistrativamente ligadas às escolas lassalistas. As outras trabalham em colaboração com a Federação das Associações para a educação das crianças e dos jovens ciganos em dificuldade. Na França, as salas de aula móveis escolarizam cerca de 3 mil crianças nômades.

Do trailer à escola

Nos últimos anos, o número de escolas móveis teve uma leve diminuição, mas isso não é necessariamente uma má notícia. No decorrer dos anos foram construídas pontes cada vez mais próximas entre as escolas e as filiais móveis. Em particular em Tolouse, onde as crianças compartilham a creche entre a escola móvel e a escola ‘verdadeira’. Um ônibus escolar dirigido pela professora, possibilita as crianças mais velhas de frequentar as escolas médias. Não é mais a escola que vai às crianças, mas o contrário. Uma inversão de tendência, como frutos sobre um arbusto frágil que os irmãos das Escolas Cristãs cultivaram com paciência e esperança.’


Fonte :

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

A vida continua?


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Marta Arrais,
cronista

‘A vida oferece-nos momentos de travagem a fundo, de vez em quando. Mergulhados nos afazeres de todos os dias, somos dotados de uma fé em que o único deus somos nós. Podemos tudo, sabemos tudo, controlamos tudo. Enquanto navegamos nestas certezas ridículas, nem nos apercebemos dos sinais de alerta que a vida nos levanta. Das bandeiras enormes e de mil cores.

Mas tu nunca paras?! Diz a vida enquanto segura sinais luminosos, semáforos gigantes e luzes fluorescentes. Ignoramos tudo. Contornamos todos os obstáculos. Somos os mestres da gincana. Não olhamos. Não queremos olhar. Não podemos olhar.

E, de vez em quando, quase sem percebermos de onde apareceu o sutil alarme, acordamos.

Eu acordei, ontem. Estava atordoada pela mesmice da minha vida quando acordei. Ouvi a história de uma bailarina que, agora, já não podia dançar como antes. Ainda assim, dançavam luzes dentro dos seus olhos. Luzes boas. Dessas que água para quem tem sede. A vida interrompeu-lhe a dança com uma doença que a quer terminar. Com uma doença que dizem que vai pôr fim a tudo. A bailarina não acreditou nisso. Diz, com a voz dos olhos, que não vai parar de viver só porque a vida quer. Diz, com a voz dos olhos, que a vida não acaba quando se acaba. A vida só acaba para quem não quis viver. Diz, com a voz dos olhos, que é feliz. Que a vida é boa, apesar de estar, agora, a dançar num fiozinho estreito.

Eu acordei, ontem. Percebi que a vida não acaba quando já não estamos cá. A marca que podemos deixar é a vida que fica, mesmo depois de nós. Mesmo depois da nossa vida.

Eu acordei, ontem. Percebi que a vida acaba todos os dias um bocadinho mais quando não esperamos nada dela. Ou de quem anda por cá a viver também.

Eu acordei, ontem. Percebi que a vida continua sempre, apesar do que somos e apesar do que nos acontece.

Eu acordei, ontem. E repito, para os meus olhos, o que ouvi dos olhos da bailarina :

A vida só acaba para quem não quis viver. Diz, com a voz dos olhos, que é feliz. Que a vida é boa, apesar de estar, agora, a dançar num fiozinho estreito.’


Fonte :

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Medicina e espiritualidade - uma nova visão


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor


‘No século passado houve um distanciamento significativo entre a medicina e a espiritualidade, especialmente pela influência de Freud, que atribuía às religiões uma das causas de adoecimento. Também contribuiu para isso o avanço das tecnologias que deram ao humano uma sensação ilusória de poder. Contudo, neste século, o melhor entendimento da espiritualidade e a observação de um estreito relacionamento entre ela e o adoecimento, tem despertado enorme interesse de pesquisadores para essa interação. Especialmente no que diz respeito ao câncer, que atinge mais aos homens do que às mulheres. 

Entre as muitas variáveis que proporcionam essa diferença, está a espiritualidade. Estudos recentes sugerem que sua falta, mais comum entre os homens, pode ser uma das causas da maior incidência do câncer em pessoas do sexo masculino. Mesmo com as mulheres conquistando um nível semelhante de competitividade com os homens nas áreas de trabalho, trazendo-lhes aumento do estresse, associado aos vícios como o álcool e o tabagismo, contribuindo significativamente para a convergência desses números. Mas não se pode negar que a ‘espiritualidade’ influi nesse diferencial.

E qual é a sua contribuição para a ocorrência ou para a prevenção do câncer? Shekelle e col., em trabalho publicado na revista Psychosomatic Medicine de abril de 1981, afirmam que a depressão e o sentimento de desesperança estão relacionados com o aparecimento do câncer, por interferirem no sistema imunitário. James Paget, que descreveu uma importante forma de câncer da mama, já afirmava a mesma coisa em 1870. Shekelle demonstrou também que em animais-cobaias submetidos a sucessivos e inevitáveis choques elétricos, teve o aparecimento de tumores, em decorrência do estresse provocado pelos estímulos dolorosos.

Erich Fromm dizia :  ‘A mente é a benção e a maldição do humano’, por isso a possibilidade do aparecimento de tumores em consequência do estresse se torna muito mais provável no humano, do que em animais.  Afinal, só ele se questiona ‘Por que sofro?’, o que amplia significativamente os efeitos deletérios do estresse.

Everson, em 1996, reforça as pesquisas de Shekelle afirmando que a desesperança é mais forte do que a depressão, na ocorrência de suicídio. Ora, o câncer pode ser considerado, em diversos casos, como uma forma de suicídio. Uma forma a que damos o nome de ‘suicídio endógeno’, uma vez que a pessoa, incapaz por qualquer razão, física, moral, psicológica ou religiosa, de se matar diretamente, cria, através do seu consciente profundo (inconsciente), forte bloqueio de seus mecanismos de defesa, ou se expõe a situações onde doenças ou acidentes fatais possam lhe acontecer, tirando a sua vida. São formas indiretas de autoextermínio.

Carl e Stephanie Simonton, em seu livro Com a vida de novo dizem : ‘Cada um de nós tem a sua participação na saúde e na doença, a todo momento, através de nossas convicções, nossos sentimentos e nossas atitudes em relação à nossa vida.’

Pela Teoria da Vigilância Imunológica, o câncer é um conjunto de células fracas e confusas que se multiplicam quando os sistemas naturais de defesa do organismo ficam inativos. Por tudo isso, há que se repensar a relação médico-paciente – hoje bastante distante e fria em função da sofisticada tecnologia – e a própria concepção do que é um humano. O casal Simonton o considera, mais que corpo, emoções e mente, corpo (soma), mente (psiquê) e espírito (pneuma). Partido dessa conceituação, salta-se da medicina psico-somática para a medicina pneumo-psico-somática, para encontrar o caminho pleno da cura e da prevenção das doenças, especialmente o câncer.  

A essa visão integral do ser humano, dá-se também o nome de visão holística. E à medicina que a utiliza, o nome de medicina Holística. Como tem havido muita deturpação do sentido de ‘holismo’, associando-o a visões fechadas e sectárias, propusemos a adoção do nome Medicina Pneumo-Psico-Somática. Simplificando, Medicina Integral. Como exponho mais detalhadamente no meu livro Sobre o Viver e o Morrer. Que não é mais uma ‘especialidade’, porém uma filosofia permeando todas as práticas de atenção à saúde. Nessa visão integral do humano, acrescentou-se a espiritualidade, na abordagem do enfermo.  

Gamino e Easterling, num trabalho publicado em The Forum, jornal oficial da Association for Death Education and Counceling (Adec), de março-abril de 2000, mostraram, num estudo metodologicamente rigoroso de 85 pessoas vivenciando a condição de luto, que a espiritualidade intrínseca atenuava sensivelmente o sofrimento da perda. Já a exclusiva frequência a uma Igreja, a mera religiosidade, seja ela qual fosse, era inócua. Falaremos sobre isso em outro artigo.

Em 1967, com os trabalhos da doutora Cicely Saunders, na Inglaterra, muitas mudanças ocorreram na cultura médica, especialmente no que diz respeito ao tratamento dos pacientes terminais : alivio da dor, relacionamento com a família do enfermo, autonomia do enfermo, maior preocupação com problemas éticos. Inclusive a autanásia (ou orthotanásia).
No que diz respeito a dor, salientamos a ‘dor espiritual’, que geralmente é a grande geradora de ‘desesperança’. Quem não crê, não espera, e quem não espera, sofre, morre!


Fonte :

sábado, 19 de outubro de 2019

Procura e crescimento rumo a um caminho

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Susana Vilas Boas, LMC


‘Por estes dias estive a rever o filme À procura de Nemo. Uma história apaixonante de um peixe que perde a sua amada juntamente com as dezenas dos seus filhos. No meio de tanta perda, ele descobre um bebê que sobreviveu : Nemo! Esta história desenvolve-se apresentando os medos do pai em perder o seu único filho, e o desejo do filho de partir para longe ‘das amarras’ do pai. Ao desejo jovem de se arriscar em novos caminhos, contrapõe-se a preocupação do pai que não consegue circunscrever a vida do filho aos lugares ‘seguros’ que estão sob a sua proteção. Nemo ousa partir para longe apesar de todos os intentos do pai em impedi-lo de o fazer. Nemo tem de encontrar o seu caminho – a sua vocação – mesmo que o pai não entenda ou se recuse a aceitar que a vida, para ser vivida, implica sempre arriscar. Nemo vai para longe, perde-se, encontra dificuldades. A sua procura por um caminho de realização pessoal leva-o a viver perigos imensos. Por seu lado, também o pai, apesar da idade, empreende um caminho de descoberta vocacional. Ao fim de tanto tempo, finalmente, o pai de Nemo vai percorrendo um caminho de realização pessoal enquanto pai! No final da história, pai e filho reencontram-se. A felicidade é imensa, não porque um se submete ao modo de vida do outro, mas porque o amor vence sempre e ambos percebem que cada um, para ser feliz, tem de viver o seu caminho. Desta vez, sem ruptura de relação, o Nemo e o pai percorrem um caminho juntos, um caminho de regresso, mas cheio de descoberta e de novidade. Nada será como antes, não porque um deles assim decidiu, mas porque ambos assim o desejam para uma vida realizada, plena e feliz.

Quando revejo esta história, penso nas dificuldades dos primeiros passos para a descoberta do caminho vocacional. Tudo parece tão difícil! Tudo parece tão impossível! E, como Nemo, na ânsia de fazer valer os nossos desejos e sonhos, cometemos tantos erros! Contudo, todo este percurso já faz parte da nossa procura interior pelo ‘caminho certo’ da nossa vocação.

À procura!

A procura que empreendemos, fruto do nosso desejo de viver a plenitude da vocação, implica sempre (pelo menos para evitar as asneiras de Nemo) um tempo de discernimento. Este discernimento, ao contrário do que muitas vezes desejaríamos, não pode ser feito sozinho. Não é por acaso que a nossa vida se pauta por uma pluralidade de relações. Não existem super-heróis quando se fala de ‘vida real’! A humildade de perceber que não se é auto-suficiente é o primeiro sinal de maturidade e o primeiro passo para um discernimento que se quer que seja revelador do ‘mais’ que queremos viver, para a nossa plena realização pessoal.

O primeiro discernimento é o de perceber quem poderá melhor acompanhar-nos. Sobre esta procura e sobre o discernimento vocacional, alerta o Papa Francisco que «nesta busca, deve-se privilegiar a linguagem da proximidade, a linguagem do amor desinteressado, relacional e existencial que toca o coração, atinge a vida, desperta esperança e anseios. É necessário aproximar-se da gramática do amor» (exortação apostólica Cristo Vive, n.º 211). Convém que seja alguém que conheça e ame o caminho que pensamos ser o nosso e que, simultaneamente, seja capaz de caminhar conosco para ver se o que desejamos não faz parte apenas de caprichos ou ilusões que criamos (por vezes inconscientemente). Se assim for, permanecer neste caminho trará apenas o vazio à nossa vida, nunca a plenitude. O discernimento vocacional, porque é um caminho acompanhado, permite-nos ter a confiança de que quem nos ajuda estará à altura de nos fazer ver outros caminhos que devemos conhecer e discernir para que a nossa vida seja verdadeira vida e não um mar de ilusões ocas e sem sentido.

Crescer para dar fruto

Hoje, podemos perguntar-nos de que é que estamos à procura e quais os passos que estamos a dar para um discernimento vocacional sério, capaz de vencer os desafios do ‘mar de dificuldades’ que temos diante de nós e nos fazer viver, em plenitude, uma vida realizada e feliz. Se, a este questionamento, nos deparamos com um vazio de respostas, então, a nossa vida está estagnada, às voltas numa rotunda imparável da qual nos recusamos (temos medo!) a sair. Engana-se quem atribuiu o estado de estagnação a outros. Pensemos no pequeno Nemo : não podia viver mais vigiado pelo pai, não podia estar mais acorrentado às vontades de outros. Porém, ele não desiste e procura o seu caminho. Da nossa parte, temos uma cabeça maior do que a do Nemo e sabemos que a radicalidade desesperante do pequeno peixe em nada o ajuda. O crescimento na vida e discernimento vocacional implica libertar-se das amarras, mas também, fazê-lo com maturidade e com a segurança de não se lançar no ‘mar’ sozinho. Crescer implica, portanto, algo mais do que ‘ter altura’ ou ‘ter a maioridade’. Crescer significa viver um desabrochar capaz de frutificar. Um crescimento que não venha a dar fruto, isto é, que não atinja uma realização capaz de ser dom para todos, é um crescimento estéril. É uma vida de zombies em que não se vive verdadeiramente, antes vagueia-se sem destino, sem possibilidade de ser vida para os outros, sem a possibilidade de percorrer um caminho maduro e feliz com aqueles que mais amamos. Para aqueles que nos amam, a nossa felicidade é tudo e esta só pode ser abraçada vencendo as barreiras do medo e lançando-se nos desafios da vocação.

Para trilhar um caminho vocacional autêntico, há que «crescer na fraternidade, viver como irmãos, auxiliar-se mutuamente, criar comunidade, servir os outros, aproximar-se dos pobres» (exortação apostólica Cristo Vive, n.º 215). Não é fácil este crescimento vocacional. Na sociedade cada um puxa-nos para um determinado lado, na família a mesma coisa. Vemo-nos arrastados, ora para a direita ora para a esquerda, e ficamos perdidos, tontos e incapazes de ver/escolher/decidir um caminho a percorrer. O crescimento vocacional implica procurar um determinado ambiente em que seja possível crescer e fazer a nossa procura vocacional frutificar.

Procura e crescimento rumo a um caminho

Se permanecemos à deriva no mar, à mercê das redes sociais ou das vozes ‘lá de casa’ ou dos amigos que não o são verdadeiramente, que caminho poderemos trilhar? Que frutos poderemos produzir? Que realização pessoal poderemos alcançar?

Como uma planta que precisa de determinado ambiente para crescer e dar fruto, também nós precisamos de procurar os ambientes que nos ajudem a este crescimento pessoal. Não haverá dano maior se nos enganarmos. De fato, se formos por ambientes que nos atrofiem, certamente teremos noção disso e, claro está, teremos ajuda para partir rumo a paragens que nos tornem possível um crescimento sólido, responsável e maduro.

Crescer é sempre um desafio. Nunca é fácil! A procura de um caminho implica ousar enfrentar as dores do crescimento e vencer as barreiras de proteção que, de um ou de outro modo, são colocadas à nossa volta. Discernir, com responsabilidade, os caminhos da vocação é ousar optar por um crescimento saudável, duradouro e feliz. Sem esta ousadia, a vida sem rumo torna-se sem sentido, sem sabor e sem esperança de futuro.’

Fonte :

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

O que é o sucesso na vida religiosa?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Irmãs do Quênia cuidam de galinhas enquanto aprendem sobre as oportunidades de empreendimentos sociais em uma fazenda de aves. 
Irmãs do Quênia cuidam de galinhas enquanto aprendem sobre as oportunidades de empreendimentos sociais em uma fazenda de aves.
(Santa Clara University)

*Artigo de Margaret Susan Thompson,
professora e pesquisadora da história da vida religiosa de mulheres


‘Em várias ocasiões, ao falar com grupos de irmãs religiosas, cheguei ao final de minhas observações fazendo duas perguntas : Qual você considera o momento de maior sucesso na história da sua comunidade? E, qual você considera o momento mais inspirador?

As respostas à pergunta sobre o sucesso na vida religiosa são tipicamente algo assim : ‘Tivemos muitas pessoas entrando’; ‘Abrimos duas ou três novas missões a cada ano.’; ou ‘Construímos uma nova ala na casa mãe (ou no hospital ou na faculdade) – tão bonita!’. O segundo tipo de respostas, por outro lado, gera outro tipo de comentários : ‘Oh, havia apenas um punhado de irmãs – pobres, e em uma habitação sem aquecimento (ou sótão ou porão). Elas tiveram que quebrar uma camada de gelo para conseguir começar os trabalhos pela manhã, e muitas vezes careciam de comida ou lenha suficientes. Mas elas tinham fé – muita fé – e alegria, esperança e otimismo quanto à missão e seus empreendimentos’.

O que é aparente é que os comentários sobre o ‘sucesso’ são quase sempre quantitativos, enquanto os outros são invariavelmente qualitativos. Isso é interessante, costumo comentar. Por que a diferença? E por que a era inspiradora – geralmente a época da fundação – também não é vista como bem – sucedida?

Parece-me que esse contraste suscita algumas coisas importantes a serem consideradas, pois o número das pessoas que entram na vida religiosa é considerável e inegavelmente menor do que no tempo chamado de a ‘era de ouro’, que foi um quarto de século antes do Vaticano II. Enquanto as congregações planejam o futuro, algumas entram intencionalmente em processos de conclusão e encerramento. Outras se preocupam com o envelhecimento de associações e com as propriedades grandes demais para as necessidades e que são difíceis de gerenciar ou muito isoladas para a venda. Algumas tiveram poucas ou nenhuma vocação por mais de uma década e decidiram não receber os potenciais membros.

Enquanto isso, até as comunidades que estão ansiosas celebram as mulheres que entram por si mesmas e que geralmente são jovens na vocação, mas não necessariamente em anos. Enquanto isso, poucas comunidades se orgulham de atrair um número incomum de candidatos nos dias de hoje – elas e seus apoiadores costumam dizer ou declarar abertamente que o ‘sucesso’ desses representantes da vida religiosa ‘autêntica’ demonstra as falhas de uma compreensão mais renovada do compromisso vocacional.

Mas algo parece estar faltando nessa visão. Apenas algumas semanas atrás, participei da assembleia de verão da comunidade à qual pertenço como associada. Dois painéis foram destaques da semana para mim. Um era o diálogo entre uma ‘freira’ e uma ‘leiga’ : mulheres que demonstravam afeto e admiração uma pela outra, apesar das diferenças de idade, fundamentadas na espiritualidade e na esperança de seu futuro. Mas elas compartilhavam uma paixão cheia de fé pela justiça social, e a ‘leiga’ repetidamente (durante a sessão e ao longo dos dias que se seguiram) expressou quanto se sentia inspirada – essa palavra novamente! – pelo voto religioso que conhecia na freira e pela amizade.

O outro painel memorável envolveu membros ‘mais novos’ da congregação : alguns jovens em anos, alguns na vida religiosa e outras pessoas, todos os quais falaram poderosamente sobre sua esperança pelo futuro e como acolheram o caminho à frente, mesmo que não fosse totalmente claro sobre aonde pode nos levar. Estas não eram pessoas ingênuas, mas mulheres que esperavam com fé tanto em Deus quanto naqueles com quem haviam decidido arriscar suas vidas. Ao olhar para o rosto delas e ouvir a sabedoria de suas palavras, não pude deixar de me lembrar da ‘história profunda’ da fundação da congregação. Além disso, vi claramente que esse legado não só foi incorporado nos primeiros tempos da congregação, mas também continuou a se aprofundar ao longo do tempo.

Meu feed de mídia social nas últimas semanas ficou repleto de anúncios de profissões religiosas (tanto de primeiros votos, como de últimos votos), além de novas postulantes e noviças. As fotos daqueles que tomam medidas tão importantes estavam cheias de alegria, risos e otimismo. Eu assisti a profissão de votos, ‘gostei’ de expressões intercongregacionais de boas-vindas e orei junto com mulheres atraídas mais pela esperança e pelo desejo espiritual do que pela segurança e certeza.

Assim, quando olharmos adiante para onde a vida religiosa está indo, podemos superar uma obsessão infeliz e talvez até inconsciente com o tamanho e o número e, em vez disso, focar na inspiração que deve ser central para a nossa compreensão do ‘sucesso’, mesmo – ou especialmente – na vida religiosa. Podemos pensar em termos mais qualitativos do que quantitativos quando avaliarmos o quanto é inspiradora e o quanto é importante a vida religiosa no mundo?’

Fonte :

terça-feira, 15 de outubro de 2019

Click to Pray eRosary, para rezar pela Paz no Mundo


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Emanuela Campanile,
jornalista


‘Há uma pulseira que é ativada fazendo o sinal da cruz. É um dispositivo inteligente e interativo, que funciona através de um aplicativo para download gratuito, e que foi apresentado na manhã desta terça-feira na Sala de Imprensa da Santa Spe pela Rede Mundial de Oração do Papa.

O App se chama Click To Pray, e a pulseira ClickTo Pray eRosary. Entrar no mundo digital, especialmente dos jovens, para rezar ou aprender a rezar o Rosário, é portanto possível.

Com o novo dispositivo, é possível acessar um guia de áudio com imagens e conteúdos personalizados, com base na antiga oração definida por Santa Teresa de Ávila como um ‘arco-íris da paz’.

O Rosário e a tecnologia

A iniciativa, que se insere no Mês Missionário Extraordinário, é um ‘convite aos jovens para rezar pela paz no mundo’, como explica padre Frédéric Fornos, diretor internacional da Rede Mundial de Oração do Papa.

Durante a Jornada Mundial da Juventude no Panamá – prossegue padre Fornos - o Pontífice havia pedido para ajudar de forma particular os jovens a rezar o Rosário pela Paz Mundial’.

De fato, são numerosas as iniciativas propostas para este mês de outubro, ‘e portanto - acrescenta o diretor da Rede - neste mês, que é o mês do Rosário, queríamos preparar outra modalidade que pudesse ajudar os jovens do mundo digital a rezar o Rosário, com a melhor tecnologia disponível hoje’.

Entre as opções oferecidas pelo dispositivo, também a de escolher entre o rosário tradicional e os temáticos, que serão atualizados a cada novo ano.

De fato, existe uma pedagogia - conclui padre Fornos - que nos ajuda a rezar pelos grandes desafios da humanidade e pela missão da Igreja e este mês é um caminho que indica que no centro, no coração da Igreja, está a oração’.

Jovens e oração

Não é verdade que os jovens não são abertos à oração’, disse por sua vez padre Tadeusz J. Nowak, secretário geral da Pontifícia Obra da Propagação da Fé. ‘Claro, hoje existe secularização, os jovens têm outros interesses, mas o coração deles é um coração sensível’.

Da sua experiência como pároco no Canadá, padre Nowak fala do desejo de oração de muitos jovens : ‘Quando a Boa Nova é apresentada de forma atual como faz nosso querido Papa Francisco, os jovens estão abertos. Quando se reúnem em torno a ele nas Jornadas Mundiais da Juventude, são muitos e rezam com o Papa. Portanto, é importante encorajar os jovens a rezar - conclui o secretário - porque eles têm que enfrentar tantas dificuldades na vida cotidiana. E onde encontram ajuda? Na oração!’’


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