Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
d0 Padre Adroaldo Palaoro, SJ
‘Depois
do longo e intenso percurso pascal, retomamos o tempo litúrgico conhecimento
como ‘Tempo Comum’, seguindo o evangelista Lucas (Ano C).
A
cena do evangelho deste domingo é muito conhecida, pois ela é relatada nos três
evangelhos sinóticos, embora com grandes diferenças. Os discípulos já levam um
bom tempo acompanhando Jesus. Por que o seguem? Jesus quer saber qual é a
motivação presente no interior de cada um deles. Por isso, dirige uma pergunta
ao grupo : ‘E vós, quem dizeis que eu sou?’
Esta
é a pergunta que também deve ter ressonância em nosso interior; afinal, dizemos
ser seguidores(as) de Jesus. Seguimos, de fato, uma pessoa ou seguimos uma
doutrina, uma religião, uma moral...? Não é suficiente repetir fórmulas
aprendidas na catequese. Aqui trata-se de expressar uma identificação profunda
com a vida e com o modo de ser do Profeta da Galiléia. Por que o seguimos? Não
basta afirmar que Ele é o ‘Messias de Deus’; é preciso dar passos no
caminho aberto por Ele, acender também hoje o fogo que Ele quis espalhar no
mundo. Como podemos falar tanto dele sem sentir sua sede de justiça, seu desejo
de solidariedade, sua vontade de paz?
Na
experiência humana ressoa, desde sempre, a marca ou o chamado a transcender-se,
a ir além de si mesmo. O seguimento de Jesus pressupõe a pessoa capaz de sair
de si mesma, de descentrar-se. Deixar ressoar a voz do chamado no próprio
interior implica um investimento de toda a pessoa. O ouvido se abre, o olhar se
aclara, a mente se expande, o coração compreende, o corpo se ergue e a vida se
reinicia.
Vida
aberta e sempre em movimento, pronta para acolher e viver as surpresas.
Estamos
inseridos numa cultura onde as entregas são vividas pela metade, as opções são
de fôlego curto e os projetos não tem consistência.
Vivemos a chamada ‘cultura líquida’ onde tudo
parece que nos escapa das mãos. Não há solidez nas decisões pois elas são
apressadas e superficiais, porque o horizonte está obscuro.
Jesus
não impõe nenhuma condição, não quer gente que busque carreiras ilustres,
riquezas, prestígio.... Quer pessoas que sejam capazes de descentrar-se, de
renunciar ao próprio ego, de desapegar-se daquilo que as atrofia e as limita,
para investir numa proposta de vida que dê direção e sentido à própria
existência. Este é o lema de Jesus : ‘renunciar a si mesmo, tomar a
cruz cada dia e segui-Lo’
O
que significa ‘renunciar a si mesmo’. Significa sair da visão
egocentrada, nascida da crença errônea de que somos o ego. Talvez pudesse ser
expresso desta forma : ‘Deixa de crer que és o eu separado e descobrirás
a riqueza de tua verdadeira identidade; nem sequer vê a tua vida a partir do
ego, porque sofrerás e farás sofrer; contempla-a a partir de tua verdadeira
identidade, onde há uma unidade profunda, mas sem apego nem comparações’.
Não
é a renúncia o que nos salva, mas o desenvolvimento e a expansão da vida em
direção à plenitude.
A
renúncia é sempre lícita e aconselhável quando fazemos por algo melhor. O apego
a nós mesmo, às coisas ou às pessoas, impede-nos de mover com facilidade.
Perdemos o fluxo da vida e o impulso do movimento, a suavidade do ‘deslizar
pela existência’.
Na
vida cristã, o seguimento é questão de sedução, de paixão, de atração, de
coração...; isso significa que Jesus Cristo é de fato o ‘amor primeiro’,
aquele que antecede a qualquer outro, de maneira especial o amor a si mesmo.
Daí nasce a harmonia interior. Quando o seguimento torna-se o
eixo central, todos os elementos da vida, todas as afeições, todas as
potencialidades do espírito, encontram-se em ‘seus lugares’, estabelecendo
uma deliciosa experiência de paz. Os afetos ‘orientados’ e ‘ordenados’
à pessoa de Jesus, cria um novo referencial, um novo centro afetivo.
Se
queremos fazer caminho com Jesus temos de acolher suas condições e entendê-las
como Ele as entende. ‘Renunciar a si mesmo’ é descentrar-se,
não ser já o centro de seu próprio projeto. É pôr a vida inteira a serviço do
outro, neste caso o projeto de Jesus. A isto Jesus chama ‘perder a vida
por sua casa’. E quem assim fizer, ‘ganhará’, salvará sua vida.
A condição que Jesus propõe para segui-lo não pretende negar nossa autonomia,
mas orientar nossas energias e valores para a construção do Reino que Ele
iniciou, renunciando, também Ele, a si mesmo, para cumprir em tudo a vontade do
Pai.
Na
medida em que nos desprendemos de todo apego, incluído o apego à vida, a favor
dos outros, estaremos amando de verdade e, portanto, crescendo como ser humano.
Nossa Vida com maiúscula se potenciará, e a vida com minúscula, adquirirá,
então, todo seu sentido.
A
resposta à pergunta de Jesus (‘e vós, quem dizeis que eu sou?’) implica
adesão à pessoa d’Ele e ao seu projeto, o Reino; significa fazer o caminho com
Ele, colocar-se onde sempre se colocou, na margem, na periferia... Isso
acarreta oposição, perseguição, cruz.
Em
quê consiste ‘carregar a Cruz?’ É acaso suportar tudo sem
reclamar como se toda contrariedade nos é mandada pelo Deus mesmo? É
submeter-se à dor pela dor, como se a dor fosse um valor em si mesmo?
Algo
ou muito disto temos entendido assim e não tem nada a ver com a condição que
Jesus propõe para que sigamos seus passos. Ele quer dizer que todos devem estar
dispostos a viver da mesma maneira que Ele viveu, embora sabendo que este
estilo de vida pode acarretar a perseguição e talvez a morte. Tomar a
Cruz significa prontidão, estar preparado, mobilizado...
Essa
é a cruz de Jesus e também deve ser a nossa. Não inventemos
cruzes sob medida, não coloquemos cruzes sobre nós ou sobre os outros. Sigamos os passos de Jesus, assumindo
seu estilo de vida!
Nesse
sentido, a cruz de Jesus não é um ‘peso morto’; ela tem sentido porque é
consequência de uma opção radical em favor do Reino. A Cruz não significa
passividade e resignação; ela nasce de sua vida plena e transbordante; ela
resume, concentra, radicaliza, condensa o significado de uma vida vivida na
fidelidade ao Pai, que quer que todos vivam intensamente.
‘Jesus morreu de vida’ : de bondade e de esperança lúcida, de solidariedade alegre, de
compaixão ousada, de liberdade arriscada, de proximidade curadora.
Aquele
que acompanha Jesus vai também tomando consciência que a opção pela vida pode
conduzi-lo à Cruz.
Mas
não basta carregar a Cruz; a novidade cristã é carregá-la como Jesus. Essa é a
nova maneira de carregar a Cruz que Jesus nos ensina : transformá-la em sinal e
fonte de amor e de entrega.
A
palavra ‘cruz’ – em grego ‘staurós’ – vem do verbo ‘ficar
em pé’. ‘Tomar sua Cruz’ não é, portanto, suportar passivamente sua
vida, tornar-se escravo de um destino tirânico; significa prontidão, estado de
vigilância... para passar de uma vida suportada para uma vida
escolhida.
Texto bíblico : Lc 9,18-24
Na
oração : ‘Quem é Jesus para mim?’ Pergunta instigante que nos ajuda
a captar a originalidade de Sua vida, a escutar a novidade de Seu chamado, a
deixar-nos atrair pelo Seu projeto, contagiar-nos por Sua liberdade,
empenharmos por viver seu caminho.
-
Cada um de nós deve se colocar diante de Jesus, deixar-se olhar diretamente por
Ele e escutar, a partir do mais profundo de si mesmo, Sua pergunta : ‘Quem
sou Eu realmente para você?’
- A
esta pergunta responde-se mais com a vida que com palavras sublimes.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1365261/2019/06/pesos-mortos-que-travam-o-seguimento/
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