Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de José Brissos-Lino
‘Ainda
há poucos dias uma discussão entre dois pastores em Timbaúba (Pernambuco,
Brasil), sobre questões teológicas e interpretações bíblicas terminou com a
morte de um deles. O indivíduo que assassinou o colega à facada foi preso em
flagrante e levado para a delegacia local. A discussão teria acontecido nos
fundos da igreja onde ambos serviam. O homicida ainda tentou se esconder numa
residência mas foi capturado e confessou o crime. A vítima depois de ser
esfaqueada tentou fugir mas o agressor o atingiu com uma pedra.
Também
em setembro de 2016, um debate teológico informal entre dois pastores
americanos terminou com o homicídio de um deles, depois de a discussão
descambar para a intolerância e a violência. Discutiam no pátio de um lar de
idosos nos subúrbios de Chicago, Illinois (EUA), a respeito de questões ligadas
à Bíblia e à espiritualidade, como era hábito, quando um deles puxou a arma e
deu dois tiros na cabeça do outro, que teve morte imediata, ato que foi
registado por uma câmara de vigilância. O assassino prestava assistência
espiritual naquele centro de solidariedade.
Sim,
matam-se pessoas devido a disputas religiosas e teológicas, tal como se matam
pessoas em disputas desportivas, políticas, familiares ou sociais. E ninguém em
seu perfeito juízo propõe acabar com as famílias, a vida pública, a cidadania
ou o esporte por causa disso. A questão não está nas diferenças
político-partidárias, clubísticas, familiares ou religiosas, que sempre
existiram, existirão e é saudável que existam, mas sim na atitude de respeito
pelo outro e aceitação da diferença de opiniões e sensibilidade de cada um.
É
claro que há contextos nos quais se torna mais chocante tal manifestação de
intolerância e violência, como a religião ou a família. É suposto que o âmbito
familiar constitua um espaço de paz e proteção mútua, mas é onde surgem
frequentemente índices de violência relevantes – a chamada violência doméstica
– e a maior taxa de abuso sexual infantil, como os estudos sobre pedofilia
demonstram.
Assim
como é suposto que o território relacional de uma mesma comunidade religiosa,
enquanto família espiritual, se revista de segurança, crescimento pessoal, paz
e edificação mútua. Mas também é aí que pode surgir o abuso religioso de
carácter espiritual, psicológico e por vezes até físico. Os cínicos dirão que a
religião faz mal às pessoas. Mas dirão o mesmo da família? Ou da vida
associativa? Ou da participação política? A solução será acabar com tudo quanto
sejam comunidades religiosas, famílias, clubes, associações, coletividades e
partidos políticos? E resta o quê?
É
importante salientar que existem e existirão sempre problemas onde coexistirem
pessoas. São as pessoas que criam os problemas e não as organizações. Estas
podem, no limite, não os prevenir ou até potenciar, mas não os criam. Um
pedófilo não o é por causa da sua família, mas apesar dela. Um corrupto não o é
por causa da instituição onde trabalha, mas apesar dela. Os criminosos são
sempre as pessoas e não as organizações. Culpar as organizações é uma forma de
diluir e mascarar as responsabilidades individuais.
Fala-se
muito de violência inter-religiosa (entre diferentes expressões religiosas) mas
pouco de violência intrarreligiosa (dentro da mesma religião), que não é menos
evidente e preocupante. Sim, a Teologia pode matar, como qualquer outra coisa.
Basta lembrarmo-nos dos horrores perpetrados pelos talibãs (estudantes de
teologia islâmica) do Afeganistão. Como sempre, é a pulsão do poder que está
por detrás da violência em qualquer destes âmbitos sociais, nem que seja o
poder de ter razão.
Os
casos acima citados revelam pelo menos duas coisas : fanatismo religioso, com a
correspondente incapacidade de tentar escutar, compreender e respeitar o ponto
de vista alheio; falta de preparação pastoral ou deslealdade para com a vocação
de ministro do Evangelho; e sobretudo a pulsão de Caim que o levou a assassinar
o irmão : ‘E disse Deus : Que fizeste? A voz do sangue do teu irmão clama a
mim desde a terra’ (Gênesis 4:10).
Ludwig
Feuerbach dizia que ‘Quando a moral se baseia na teologia, quando o direito
depende da autoridade divina, as coisas mais imorais e injustas podem ser
justificadas e impostas’. Os triunfalismos religiosos, tal como os modelos
absolutistas de governo, devem ser arrumados na prateleira da História. A
Modernidade veio trazer capacitação aos indivíduos, libertando-os de soberanias
abusivas ou ilegítimas. Mas agora os indivíduos não podem, por sua vez,
comportar-se socialmente como se fossem soberanos dos outros, que são mais
fracos ou que pensam e sentem diferente, pois sempre que assim fizerem
revelam-se indignos da sua própria liberdade.’
Fonte
:
Nenhum comentário:
Postar um comentário