domingo, 30 de junho de 2019

A história do médico seminarista e surfista que morreu há dez anos e pode se tornar o primeiro santo 'carioca'

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Imagem relacionada
*Artigo de Jardel Sebba,
jornalista


‘Guido Schäffer era tecnicamente volta-redondense, mas foi muito cedo para Copacabana, bairro carioca onde foi criado. Morto há dez anos, a ele são atribuídos milagres e curas, o que fez com que uma legião de fiéis passasse a pedir sua canonização. Seus defensores inclusive acreditam que a imagem de um santo carioca, jovem e esportista, pode ajudar a Igreja a se reconectar com o público mais jovem.

Seu processo de canonização, aberto em 2015 no Vaticano, embora não tenha prazo para ser concluído, caminha a passos animadores.

Se vier a se tornar santo, Schäffer será provavelmente um dos mais mundanos. Criado em Copacabana, em uma família de classe média, pai médico e mãe dona de casa, ele foi o irmão do meio, entre Angela e Maurício.

Nossa infância foi muito feliz em Copacabana. Guido sempre gostou da praia, de brincar com bola, de super-heróis como o Hulk e tinha bastante amigos do colégio e da praia’, lembra a irmã mais velha.

Entre os amigos do tradicional colégio católico Sagrado Coração de Maria, também em Copacabana, uma amizade surgiu depois de uma confusão.

Um grupo de alunos costumava voltar a pé para casa depois das aulas, entre eles Guido e Samir. Um terceiro colega costumava ser alvo recorrente das brincadeiras dos demais, e um dia Samir achou que Guido estava pegando pesado demais no bullying. Os dois começaram a discutir e a diferença foi resolvida ali mesmo, no braço e em uma movimentada esquina de Copacabana.

A gente saiu na porrada na frente de todo mundo, na esquina das ruas Siqueira Campos e Tonelero’, lembra o hoje comerciante Samir Jure Aros. No dia seguinte, a notícia da briga correu o colégio e todos esperavam que ela fosse continuar na hora da saída da aula. Mas se frustraram.

Estava aquela tensão, todo mundo esperando a gente se encontrar, quando o Guido olhou para mim, disse que não fazia o menor sentido aquela briga e, daquele dia em diante, viramos os melhores amigos’, lembra. Os alunos do colégio católico seguiram inseparáveis na fé católica durante a adolescência, no grupo de oração da Comunidade Bom Pastor, em Copacabana. E se uniram ainda mais no surfe. ‘A gente fez várias viagens de surfe juntos, e conversava muito dentro da água, coisa de melhores amigos mesmo’, lembra Samir.

Desejo de ser santo

Parece uma ideia precoce, mas quando começou a frequentar esse grupo de oração, a ideia de santidade não era algo estranho para Guido Schäffer. ‘Lembro bem de inúmeras vezes ele desejar ser santo. Uma vez ele contou de um sonho que teve, acho que quando tinha seis anos de idade, no qual aparecia uma multidão de jovens que o seguia, e ele os levava para Jesus’, lembra Sabrina Aleixo, que o conheceu na adolescência.

A mãe dela coordenava o grupo de oração e quebrou a perna numa trilha que os integrantes fizeram na Pedra da Gávea. Como passou por cirurgia e ficou muitos dias em repouso, Guido ia visitá-la com frequência, fase em que ele e Sabrina ficaram amigos.

A gente passava horas falando ao telefone e ele sempre falava do tesouro que era a Igreja Católica. Ele me mostrou algo desconhecido’, lembra.

A irmã Angela se recorda que Guido mostrou desde cedo a vocação não só para a fé mas também o carisma para mobilizar as pessoas ao redor em torno dela.

Ele tinha jeito para chamar os amigos para a fé. Quando era adolescente, chamou a turma que pegava onda com ele para se preparar para a Crisma e também para rezar o terço, numa reunião que minha mãe fazia uma vez por mês’, lembra.

O ano de 1998 foi fundamental na trajetória dele. Foi quando se formou em Medicina e decidiu fundar um novo grupo de oração, o Fogo do Espírito Santo, na paróquia Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, sob os auspícios de padre Jorjão, pároco local e conhecido pelo trabalho com jovens.

Segundo sua irmã, a partir dali ‘ele se desenvolveu rápido na pregação da palavra de Deus’.

Mas até então era oficialmente apenas surfista e médico - tinha inclusive uma namorada e planos de casar. A vocação religiosa só seria externada com clareza dois anos mais tarde.

Guido e Sabrina sorriem para foto 

Andar com fé

Eu conheci o Guido no grupo de oração em 2000, quando tinha 26 anos, e me chamou a atenção de imediato aquele grupo de pessoas jovens. E com um cara bonito, com cara de surfista, atlético, explicando trechos da Bíblia’, lembra a psicóloga Georgia Guimarães, que diz ter se sentido em casa assim que chegou à igreja em Ipanema.

Ela havia ido à missa do padre Jorjão e acabou ficando no grupo de oração. Não saiu mais.

A gente se reunia às terças-feiras e, quando acabava, ninguém tinha vontade de ir embora. A gente sempre esticava, ficava conversando até mais tarde, ia comer uma pizza, e conversava muito sobre o que havia lido e discutido com o grupo’, lembra a psicóloga, que já era casada quando se juntou ao grupo e lembra de Guido ter celebrado o fato como uma possível profecia de que novos casais poderiam se formar no grupo (o que, segundo relatos, de fato aconteceu).

Lembro da nossa família se assustar, achar que a gente estava ficando muito carola, porque só saia com o pessoal da igreja, mas era de fato muito bom conviver com eles, as conversas eram desafiadoras e as amizades duraram até hoje’, diz Georgia, que, a convite de Guido, trabalhou como voluntária nas Missionárias da Caridade, ordem fundada por Madre Teresa de Calcutá na qual ele também atendia a população de rua.

Esse trabalho também marcou uma mudança que foi notada na casa de Guido.

Quando ele se engajou na Pastoral da Saúde da Santa Casa da Misericórdia, em 2002, notei que havia algo de diferente nele. Este grupo ia todos os domingos à Santa Casa visitar os doentes e passava a manhã lá, e eu achava interessante ver que, apesar de amar o surfe, ele abriu mão deste esporte aos domingos’, registra a irmã.

Naquele ano, ele ainda ajudaria um fiel com dúvidas sobre a fé cristã na fila do confessionário, em Copacabana, e, durante a conversa, encontraria outro jovem com grande conhecimento no assunto. E faria mais um grande amigo, o engenheiro Fernando Motta Simões.

Ele dava carona a Guido todos os domingos de manhã, a caminho da Pastoral da Saúde, e passaram repetir a parceria em outras missões. ‘Em 2002, eu tinha 28 anos e todos os meus amigos de igreja eram mais velhos. Eu então pedi a Deus um amigo da minha idade, e eu e o Guido tínhamos meses de diferença’, relembra Fernando. ‘O Guido foi o grande amigo de caminhada que Deus me deu.

A morte não é o fim

No dia 1º de maio de 2009, Guido saiu para surfar no seu trecho preferido da praia, no Recreio dos Bandeirantes. Na água, uma prancha solta atingiu sua nuca, o que causou uma contusão que o fez desmaiar e morrer afogado. Faltavam alguns meses para ele concluir os estudos de teologia no Seminário Arquidiocesano de São José. Em princípio, ninguém acreditou que alguém tão íntimo do mar poderia ter morrido dessa forma.

Quando recebi a notícia por telefone, achei que fosse uma brincadeira sem graça, não entendi como era possível’, lembra Sabrina. ‘A gente fica em choque, só depois que vai caindo na real.’

Samir lembra da última conversa que teve com o amigo de colégio. ‘Ele me falou que, quando se tornasse padre, eu precisaria ajudá-lo a organizar um campeonato de surfe entre os seminaristas.’

Guido sorri em meio a amigos

A morte de um irmão ainda jovem e cheio de sonhos não é fácil para ninguém. É difícil de aceitar e sempre vai existir a saudade, principalmente em momentos como o aniversário dele, o Natal’, diz Angela.

Mas isso nunca abalou a minha fé, nem a de meus pais. Da forma como eu entendo, a fé não é um sentimento. A fé, para mim, é uma decisão. Eu creio em Jesus Cristo, creio na vida eterna por Ele prometida, creio que um dia todos nós ressuscitaremos. Nunca deixei de acreditar no imenso amor de Deus por todos nós, por meu irmão, por meus pais.’

Em busca de dois milagres

Hoje, Guido Schäffer é considerado pela Igreja um Servo de Deus, primeiro título que se recebe num processo de canonização. O próximo título que deve vir em breve é o de Venerável, quando o processo conclui que a pessoa viveu as virtudes cristãs de forma heroica, ou que sofreu realmente o martírio; o terceiro título é o de Beato, quando se comprova a existência de um milagre obtido pela sua intercessão; e o último e mais importante é o de Santo, quando um segundo milagre é identificado.

Quando é chamado de Venerável, a causa já ganha dimensão pública. Com a realização de um milagre, a pessoa já pode ser venerada publicamente em sua base ou Igreja local e, com mais um milagre e a canonização, ela pode ser venerada em qualquer parte do mundo católico’, explica o padre Valeriano dos Santos Costa, professor da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Mas o processo é lento - e difícil. A comprovação dos milagres passa por uma junta médica, que precisa atestar cientificamente que determinada cura não poderia ter se dado de outra forma senão pelos mistérios da fé.

Nessa caminhada, os fiéis contam com a ajuda de Dom Roberto Lopes, oficialmente vigário episcopal para os Institutos de Vida Consagrada, Sociedades de Vida Apostólica, Movimentos Eclesiais e Novas Comunidades e, desde 2012, delegado arquiepiscopal para as Causas dos Santos. Ou seja, o responsável pelo processo de beatificação e canonização no Vaticano.

Em entrevista ao portal da arquidiocese do Rio de Janeiro, em maio deste ano, Dom Roberto informou os detalhes do processo de Guido : ‘Encerrada a fase diocesana há dois anos, o processo encontra-se em Roma. No momento, estamos coletando os possíveis milagres e aprofundando o material coletado. Quando se configurar realmente como milagre, vem a beatificação.

O processo de canonização, como a Igreja, mudou ao longo dos anos.

 Guido posa para foto

Tudo começou na Igreja primitiva, com o culto aos mártires. Bastava alguém ser considerado mártir, ou seja, ter morrido pela fé, que já tinha seu nome associado ao livro dos mártires e seu culto se espalhava espontaneamente. Depois, candidatos não-mártires também passaram a ser venerados espontaneamente. Porém, no século 17, a Igreja resolveu criar um sistema rígido para impedir abusos ou políticas locais’, explica o padre Valeriano dos Santos Costa.

Foi então que ficou difícil o acesso ao cânone dos santos, daí a palavra canonização, com condições rígidas para se entrar. Uma das exigências era a prática reconhecida oficialmente pela Igreja de três milagres. Foi o papa João Paulo 2º, hoje santo, que diminuiu para dois milagres.’

O teólogo ressalta a importância do então papa na busca por uma dimensão mais humana da santidade.

A partir de João Paulo 2º, a canonização começou a ser considerada mais humana, mais próxima, de tal forma que o santo não parecia mais um 'super-homem', mas alguém com fragilidades como nós, que buscou na graça de Deus a força para chegar a atitudes heroicas no cotidiano da vida. Assim, ele se torna um estímulo para os outros’, conclui.

O milagre muitas vezes é colocado como o centro do processo de beatificação e canonização, mas ele é menos essencial do que parece. Em 2017, por exemplo, o papa Francisco canonizou 30 brasileiros de uma vez só, sem milagres. Eram mártires que foram assassinados por tropas calvinistas holandesas no ano de 1645, na região do Rio Grande do Norte. Foram duas chacinas em um intervalo de três meses, a primeira no Engenho de Cunhaú, a seguinte na comunidade de Uruaçu.

Até então, eram apenas seis os santos brasileiros, sendo que apenas um nascido de fato no país : frei Galvão - mês passado, a baiana Irmã Dulce foi anunciada pela Santa Sé como a 37ª santa brasileira.

Em resumo, milagre é importante, mas não é tudo.

Não são os milagres que definem se alguém foi santo ou não, mas a vivência do Evangelho, que pode ser sintetizado na vivência da caridade de Cristo’, explica o padre Boris Augustín Nef Ulloa, diretor da Faculdade de Teologia da PUC-SP.

Os relatos de milagres atribuídos a Guido têm aumentado nos últimos anos. Um deles envolve o cardiologista Bernardo Amorim, que teve o corpo paralisado por uma doença nervosa e se recuperou muito antes do previsto pelos médicos - a mãe dele atribui a cura às orações que fez a Guido.

Outros casos atribuídos ao seminarista envolvem, por exemplo, uma freira que se livrou de diabetes, uma criança que sobreviveu a uma hipotermia e uma dona de casa, cujo filho foi amigo de Guido, que relata que as orações dirigidas ao finado jovem fizeram com que seu marido superasse uma grave crise de diverticulite sem cirurgia.

Mais vivo do que nunca

Partes da memória de Guido Schäffer estão espalhadas pelo Rio de Janeiro. O trecho de cerca de 140 metros de praia onde ele costumava surfar, no Recreio dos Bandeirantes, e onde sofreu o acidente fatal, passou oficialmente a se chamar Praia do Guido ano passado.

Desde 2016, o trecho da praia também abriga todo dia 1 de maio uma missa em memória de seu aniversário de morte. Missa promovida pela Associação Guido Schäffer, presidida pelo padre Jorjão e sediada na igreja Nossa Senhora da Paz, para onde seus restos mortais foram em 2015 e onde, desde então, recebem velas, flores, devotos e depoimentos surpreendentes.

Itens pertencentes ao carioca em Memorial Guido Schäffer

Um memorial com seu nome, mantido pela família, foi inaugurado em março deste ano na Santa Casa da Misericórdia, no centro, onde Guido foi estagiário, residente e médico-assistente. O grupo de orações que ele fundou na igreja de Ipanema, o Fogo do Espírito Santo, voltou a se reunir há quatro anos, agora no colégio São Paulo, no mesmo bairro.

O reconhecimento da santidade de Guido Schäffer tem um simbolismo para a Igreja Católica que vai muito além da orla carioca.

Reconhecer que um jovem cristão foi santo significa dizer, de modo particular, a toda a juventude que o Evangelho de Cristo pode ser vivido pelos jovens. Equivale a dizer que um jovem que vive em nossas cidades os grandes conflitos do mundo contemporâneo pode viver o Evangelho de Cristo, encontrar nele uma resposta para os desafios do tempo presente’, conclui o padre Boris Ulloa.

Há neste processo a importância da representação, para a Igreja, e da permanência do legado, para a família e os amigos. Mas Angela Schäffer lembra que o exemplo do irmão segue independente de qualquer processo em curso no Vaticano.

A propagação do legado de Guido rende frutos concretos do exercício das virtudes cristãs, como a caridade. Para isso, apoiamos um trabalho feito por médicos voluntários que dedicam um pouco de seu tempo a atender de forma gratuita a população em situação de rua. Esta obra se chama Ambulatório da Providência, funciona em São Cristóvão.’ A assistência aos mais necessitados, ela ressalta, é o legado mais relevante.’


Fonte :

sábado, 29 de junho de 2019

Sugestões para o Clero chinês respeitando a liberdade de consciência

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Andrea Tornielli,
jornalista e escritor
  


‘Absoluto respeito pela liberdade de consciência de cada um, proximidade e compreensão pela situação que vivem atualmente as comunidades católicas, sugestões para escolhas de opções concretas que permitam ao clero chinês de se registrar sem deixar de lado o que a Igreja Católica sempre acreditou sobre a comunhão com o Sucessor de Pedro. Este é conteúdo da Nota da Santa Sé sobre as Orientações Pastorais para os Bispos e os sacerdotes da República Popular da China.

O documento foi criado a partir das muitas perguntas que chegaram ao Vaticano por parte do Clero da China. Qual o comportamento adequado diante do pedido urgente de se inscrever segundo o que é estabelecido por lei pelas autoridades políticas? O que fazer com o dilema de consciência representado por alguns textos problemáticos aos quais com frequência é solicitada a assinatura?

Diante destes quesitos a Santa Sé responde sobretudo reafirmando um princípio geral fundamental : deve ser respeitada a liberdade de consciência e, portanto, ninguém pode ser obrigado a dar um passo que não tem intenção de realizá-lo.

A assinatura do Acordo Provisório entre a Santa Sé e a República Popular da China sobre a nomeação dos Bispos de setembro de 2018, deu início a um novo caminho nas relações sino-vaticanas e levou ao primeiro importante resultado da plena comunhão de todos os bispos chineses com o Papa. Mas nem todas as dificuldades foram resolvidas : o Acordo representa, com efeito, apenas o início de um percurso. Uma das dificuldades atuais refere-se ao pedido dirigido aos sacerdotes e bispos de se registrarem oficialmente junto às autoridades, como prescrito pela lei chinesa. Apesar do compromisso de querer encontrar uma solução aceitável e compartilhada, em várias regiões da República Popular da China são propostos aos sacerdotes textos a serem assinados não conformes à doutrina católica, que criam compreensíveis dificuldades de consciência, nos casos em que pedem para aceitar o princípio de independência, autonomia, e autogestão da Igreja na China.

A situação atual é bem diferente à dos anos Cinquenta, quando houve uma tentativa de criar uma Igreja nacional chinesa separada de Roma. Hoje, graças ao Acordo Provisório, as autoridades de Pequim reconhecem o papel peculiar do Bispo de Roma na escolha dos candidatos ao episcopado e portanto a sua autoridade de Pastor da Igreja Universal. A Santa Sé continua trabalhando, para que todas as declarações, solicitadas durante o registro, sejam de acordo não apenas com as leis chinesas, mas também com a doutrina católica e, portanto, aceitáveis para Bispos e sacerdotes.

Considerando a situação particular que vivem as comunidades cristãs do país, na espera de superar definitivamente o problema, a Santa Sé sugere, portanto, uma possível modalidade concreta para permitir à pessoa que se encontra em dúvida, mas intencionada a se registrar, de resolver as suas reservas.

Trata-se de uma sugestão introduzida no sulco inaugurado pela Carta aos Católicos da China publicada em maio de 2007 por Bento XVI. Naquele texto Papa Ratzinger reconhecia que ‘em numerosos casos concretos, aliás quase sempre, no procedimento de reconhecimento intervêm organismos que obrigam as pessoas envolvidas a assumir posições, a realizar gestos e a assumir compromissos que são contrários aos ditames da sua consciência de católicos’. E acrescentava : ‘Por isso, compreendo como nestas diversas condições e circunstâncias seja difícil determinar a escolha correta a ser feita. Por este motivo a Santa Sé, depois de ter reafirmado os princípios, deixa a decisão a cada Bispo que, ouvido o seu presbitério, tem melhores condições de conhecer a situação local, de medir as concretas possibilidades de escolha e de avaliar eventuais consequências dentro da comunidade diocesana’. Portanto, já doze anos atrás o Papa mostrava compreensão e, de fato, autorizava cada um dos Bispos a decidir pensando em primeiro lugar ao bem das suas respectivas comunidades.

Hoje a Santa Sé realiza uma ulterior etapa de caráter pastoral no caminho empreendido em um contexto objetivamente diferente do passado. Com as Orientações Pastorais agora publicadas, sugere-se a possibilidade de que os Bispos e os sacerdotes peçam, no momento da inscrição, o acréscimo de uma frase escrita, onde se afirma que independência, autonomia e autogestão da Igreja sejam entendidos sem deixar de lado a doutrina católica. Isto é, como independência política, autonomia administrativa e autogestão pastoral, as mesmas que vivem todas as Igrejas locais do mundo. Caso não seja permitido acrescentar a frase escrita, ao Bispo ou sacerdote que pretende se registrar sugere-se a oportunidade de fazer este esclarecimento ao menos verbalmente, possivelmente na presença de uma testemunha. E também pede-se para que informe imediatamente o próprio Bispo sobre sua inscrição e as circunstâncias com que foi realizada. Ao contrário, quem não quer se registrar nestas condições, não deve ser submetido a indevidas pressões.

É evidente a origem do documento : um olhar realista sobre a situação existente e sobre as dificuldades ainda presentes, a intenção de ajudar os que se encontram na dúvida respeitando sempre a consciência de cada um na consciência dos sofrimentos vividos, a vontade de contribuir à unidade dos católicos chineses e de favorecer o exercício público do ministério episcopal e sacerdotal para o bem dos fiéis : de fato, a clandestinidade, como escrevia Bento XVI na sua Carta, ‘não pertence à normalidade da vida da Igreja’ também nas linhas desta última Nota da Santa Sé percebe-se a lei suprema da ‘salus animarum’, a salvação das almas, e a intenção de cooperar pela unidade das comunidades católicas chinesas, segundo um olhar evangélico que manifesta proximidade e compreensão pelo que viveram e estão vivendo os fiéis na China. Na sua mensagem de 26 de setembro de 2018 aos católicos chineses Papa Francisco tinha expressado ‘sentimentos de gratidão ao Senhor e de sincera admiração – que é a admiração de toda a Igreja Católica – pelo dom da vossa fidelidade, da constância na provação, da arraigada confiança na Providência de Deus, mesmo quando certos acontecimentos se revelaram particularmente adversos e difíceis’.

Por fim, deve-se dizer com clareza : não há ingenuidade nas Orientações pastorais. A Santa Sé, segundo a Nota, é consciente dos limites e das ‘pressões intimidatórias’ que sofrem muitos católicos chineses, mas quer demonstrar que se pode olhar adiante e caminhar sem se desviar dos princípios fundamentais da comunhão eclesial. É a solicitude do Papa que permite ancorar estas Orientações na esperança cristã seguindo o Espírito que leva a Igreja a escrever uma página nova.’

Fonte :

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Deus sempre vai atrás de sua alma, mesmo que você se afaste dele


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 JESUS,HANDS,HEAVEN
*Artigo de Cláudio de Castro,
escritor


‘Quando eu era criança, minha mãe me levou para conhecer uma de suas grandes amigas, a Beata Maria Romero Meneses. 

Eram tantos os milagres ao redor desta religiosa salesiana que milhares de pessoas a procuravam na Costa Rica para obter conselhos e pedir uma ajuda do céu.  

Ela enviava todos os devotos ao sacrário, aos pés de Jesus Sacramentado e os pedia confiança plena em Maria Auxiliadora. 

Lembro que, naquela tarde, havia centenas de pessoas esperando para falar com ela. Eu era uma criança e já tinham me contado que a irmã Maria não caminhava, flutuava. Coisas do povo… Eu, em minha inocência, ao vê-la passar me joguei ao chão para olhar debaixo de seu hábito e tentar constatar se ela estava mesmo flutuando. 

Enfim, os escritos de irmã Maria comovem a alma e nos levam ao Amor dos Amores. Ajudam-nos a encontrar um Deus misericordioso e justo, apaixonado pela humanidade. Veja o que ela nos deixou : 

‘Quando Jesus ama uma alma, quando coloca nela seus olhos e seu coração, não há nada nem ninguém, no céu ou na terra, nem nos infernos, que seja capaz de arrebatá-la.’

‘Toda vez que alguém tenta fechar a porta do amor para a alma escolhida por Deus, não faz outra coisa que motivar o Altíssimo para que Ele leve a cabo sua obra admirável e gloriosa… Se nos dissipamos, Ele sabe ir atrás de nossas almas e sabe fazer chegar até o mais profundo dela a sua voz dulcíssima, que nos faz voltar a seus braços.’

‘De tal maneira é o amor de Deus, de tal maneira é firme, que ninguém pode arrebatar a obra em que ele colocou seu selo próprio’. 

Confesso que a frase : ‘Ele sabe ir atrás de nossas almas’ me deixa emocionado. Já aconteceu tantas vezes comigo… Tenho certeza que também aconteceu com você. Eu me afasto de Deus através dos meus pecados e logo Ele me lembra de sua presença amorosa : ‘Estou te esperando, Claudio’.

Aí eu faço uma boa confissão sacramental e volto para seu lado, caminho em sua presença.

Encanta-me saber que Deus é meu Pai, nosso Pai. 

Deus te abençoe!


Fonte :

terça-feira, 25 de junho de 2019

Paz verdadeira e pacifismo covarde


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

LA CAMBE: GERMAN MILITARY CEMETERY; NORMANDY
Cemitério militar alemão na Normandia (França)

*Artigo de Vanderlei de Lima, 
eremita na Diocese de Amparo


‘Há quem diga – por ignorância ou má-fé (Deus julgue!) – que paz é entreguismo ao mal. Este artigo, à luz da Sagrada Tradição, rebate essa ideia distorcida.

Lê-se em Mt 5,9 : ‘Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus’. Comenta Santo Agostinho de Hipona († 430), gênio da Filosofia e da Teologia latina, que ‘a paz é a tranquilidade da ordem e a ordem é a disposição por meio da qual se concede a cada um o seu lugar, conforme sejam iguais ou desiguais. Assim como não há ninguém que não queira ser feliz, tampouco há alguém que não anseie ter paz, como ocorre quando aqueles que buscam a guerra não procuram outra coisa senão encontrar, batalhando, a gloriosa paz’ (De Civitate Dei, 19,13). 

Foi, aliás, Santo Agostinho quem, junto com Santo Ambrósio de Milão († 397), defendeu a participação dos católicos na guerra, desde que ela fosse justa. Coube, todavia, a São Tomás de Aquino († 1274) elaborar os princípios da guerra justa que passou para a doutrina católica e são plenamente válidos até hoje (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 2309). Daí também o apreço da Mãe Igreja para com os militares : ‘Aqueles que se dedicam ao serviço da pátria no exército, considerem-se servidores da segurança e da liberdade dos povos; na medida em que exercem como convém essa tarefa, contribuem verdadeiramente para o estabelecimento da paz’ (Gaudium et Spes, n. 79).

Já em Mt 5,20-22, Nosso Senhor recorda e amplia a extensão do 5º Mandamento da Lei de Deus que preceitua o ‘Não matarás’ (cf. Êx 20,13). Perguntam alguns, no entanto, como ficaria a doutrina da legítima defesa (cf. Catecismo da Igreja Católica n. 2263-2266)? – Quem nos auxilia, uma vez mais, é Santo Agostinho de Hipona ao ensinar o seguinte : ‘aqueles que, por ordem de Deus, fazem guerra, de modo algum agem contra este mandamento. Nem aqueles que, exercendo legítima autoridade, punem os criminosos por razões justas cometem crimes’ (De Civitate Dei, 1, 21). Se não cometem crimes quem é, então, culpado pela morte de um delinquente atingido em confronto com a polícia ou pela reação de outro cidadão? – A resposta é dada por um santo de nossos dias : São João Paulo II († 2005). Fiel à Tradição da Igreja, diz ele : ‘Acontece, infelizmente, que a necessidade de colocar o agressor em condições de não molestar implique, às vezes, na sua eliminação. Nesta hipótese, o desfecho mortal há de ser atribuído ao próprio agressor que a tal se expôs com a sua ação, inclusive no caso em que ele não fosse moralmente responsável por falta do uso da razão’ (Evangelium vitae, 1995, n. 55).

Vê-se, pois, que o mal deve ser combatido com santo zelo. Uma moleza pacifista e uma abstenção covarde, aliás própria de quem não tem amor pela causa do Evangelho, só favorece o erro. Isso o disse, por exemplo, o chamado Pseudo-Crisóstomo ao definir cólera injusta e justa : ‘Aquele que se encoleriza sem causa, será culpado. Pois se não existisse a cólera, nem a doutrina se aproveitaria, nem os tribunais seriam constituídos, nem os crimes seriam punidos. Assim, aquele que não fica encolerizado quando há motivo para isso, peca. A paciência imprudente fomenta os vícios, aumenta a negligência e convida o mal a agir, e não apenas os maus, mas também os bons’ (Opus imperfectum in Matthaeum, Hom. 11). A ira injusta é má e deve ser punida; a ira justa, por amor de Deus e ao que lhe diz respeito, é louvável, dentro do equilíbrio cristão, e deve ser usada para frear os maus e evitar que os bons também caiam nas suas armadilhas.

Em conclusão : Paz real não é pacifismo covarde. Em 1º de janeiro de 1968, em memorável Discurso, o Papa São Paulo VI afirmava : ‘é de desejar que a exaltação do ideal da Paz não seja entendida como um favorecer a ignávia daqueles que têm medo de dedicar a vida ao serviço da própria pátria e dos próprios irmãos, quando se acham empenhados na defesa da justiça e da liberdade; mas, antes, procuram somente a fuga das responsabilidades e dos riscos necessários para o cumprimento dos grandes deveres impostos pelas empresas generosas. Não, paz não é pacifismo, não esconde uma concepção vil e preguiçosa da vida; mas, proclama sim os valores mais altos e universais da vida : a verdade, a justiça, a liberdade e o amor’. 

Com a Igreja, abraçamos a paz, mas rejeitamos o pacifismo!’


Fonte :

segunda-feira, 24 de junho de 2019

O último monge de Tibhirine: 'Deus dirigiu essa história'


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 O padre Jean-Pierre é o único sobrevivente do mosteiro de Tibhirine.
*Artigo de Margot Patterson,
escritora e editora
Tradução : Ramón Lara


‘Não há fantasmas no Mosteiro de Notre Dame de L'Atlas, em Midelt, no Marrocos, mas há muitas lembranças. É nesta cidade, no pé das montanhas do Atlas, onde os dois monges trapistas que sobreviveram ao massacre de sua comunidade em Tibhirine, na Argélia, restabeleceram sua comunidade.

As lembranças do passado estão por perto. Uma pintura na capela da abadia representa os monges mortos de Tibhirine em oração; os quartos da abadia levam seus nomes; um memorial para os monges através de seus retratos. Esses irmãos que deram suas vidas pela paz e amizade se foram, mas não ficaram esquecidos nessa abadia no Marrocos.

Junto a outros 12 cristãos mortos durante a guerra civil argelina nos anos 1990, os sete monges de Tibhirine foram beatificados em dezembro de 2018. Eles são considerados mártires, suas mortes fazem parte das feridas de uma guerra marcada pelos brutais massacres de civis.

No início da manhã de 27 de março de 1996, membros do Grupo Islâmico Armado (GIA, do Groupe Islamique Armé) chegaram à abadia em Tibhirine e sequestraram os sete monges que estavam no local. O GIA e os governos argelino e francês trocaram correspondências, quando o GIA tentou negociar a troca os monges por um líder do GIA preso três anos antes. Os monges foram mantidos em cativeiro por dois meses. Suas cabeças decapitadas foram encontradas no final de maio de 1996, e enterradas no cemitério de Tibhirine em 4 de junho. Os eventos que levaram ao rapto dos monges no monastério de Notre Dame de L'Atlas em Tibhirine são o tema que inspira o filme premiado de 2010, De deuses e homens.

O padre Jean-Pierre Schumacher e o padre Amédée Noto devem suas vidas ao fato de estarem em uma parte diferente do mosteiro quando os guerrilheiros chegaram. ‘Não havia barulho. Não havia nada de extraordinário’, disse Schumacher sobre aquela noite que marcaria a vida dele e de outros monges para sempre.

Com a morte do padre Amédée em 2008, o padre Jean-Pierre é o único sobrevivente do mosteiro de Tibhirine. O papa Francisco prestou homenagem a ele durante sua visita ao Marrocos no final de março, beijando sua mão em gesto de respeito e reverência.

Agora com 95 anos, Schumacher continua sendo uma testemunha de eventos que ainda hoje estão envoltos em mistério. As mortes dos monges foram atribuídas aos jihadistas islâmicos, mas há suspeitas de que o governo argelino e, possivelmente, o governo francês também possam estar envolvidos. Uma reportagem da revista Time, de 2009, informou que o depoimento de um general francês aposentado indica que as mortes podem ter sido resultado de uma operação militar argelina que deu errado. Os corpos dos monges nunca foram encontrados. ‘Não se sabe’, disse Schumacher. ‘É um mistério que não foi esclarecido’.

Pequeno e frágil, o monge fala com voz clara sobre os dias sombrios da guerra civil argelina. ‘Vivíamos em um clima de total insegurança no dia a dia’, lembrou ele. Os monges de Tibhirine foram avisados para deixar a Argélia. Eles discutiram seriamente sobre a possibilidade de partir, mas decidiram permanecer, apesar de sentir o perigo se aproximando a cada momento. Os monges foram para a Argélia não para converter muçulmanos, mas para viver em amizade com eles. Desde 1938, quando o mosteiro foi fundado, eles e seus vizinhos muçulmanos conviveram em harmonia. Os religiosos chamaram o Exército argelino de ‘nossos irmãos da planície’ e os rebeldes ‘nossos irmãos das montanhas’ na esperança de que um dia os dois se tornassem verdadeiramente irmãos. Pressionados a tomar partido entre os guerrilheiros islâmicos e o governo argelino, eles se recusaram.

Schumacher era o porteiro da noite na abadia. Como tal, todos esperavam que ele fosse o primeiro a ser afetado pelo perigo para a comunidade. Mas os guerrilheiros que chegaram depois da meia-noite não entraram pela porta principal, mas pelo porão. Schumacher nunca ouviu nada. Somente horas depois ele e Noto descobriram o que tinha ocorrido.

Apesar de os cineastas terem visitado Notre Dame de L'Atlas em Midelt, De deuses e homens foi rodado em um mosteiro beneditino abandonado a cerca de 25 quilômetros de lá.

Em parte por causa da popularidade do filme, a coragem e a fidelidade dos monges ao seu chamado tornaram-se bem conhecidas. Mas os monges em Tibhirine não eram os únicos nesse propósito, disse Schumacher. ‘Todas as comunidades cristãs optaram por permanecer na Argélia para ajudar as pessoas que sofriam’, disse ele. ‘Toda a Igreja teve essa atitude.’

E não foram apenas os cristãos que resistiram à onda de violência que assolava a Argélia, após governo perder uma eleição em 1991 e se recusar a ceder o poder. Schumacher observou que 114 imãs perderam suas vidas porque se opuseram à violência no país.

Após a morte dos monges em sua comunidade, Schumacher ficou atormentado e se questionou por que ele não havia sido levado também. ‘Meu coração não estava pronto?’ ele se perguntou. ‘A lâmpada não estava acesa?

A carta de uma abadessa de um mosteiro cisterciense na Suíça lhe ofereceu consolo. Ela perguntou sobre sua vida interior e lhe disse para não se incomodar pela ansiedade ou apreensões – que Deus tinha levado sete homens para testemunhar o Evangelho através de suas mortes e deixou outros dois para testemunharem por suas vidas.

Schumacher não tem dúvidas disso. ‘Foi Deus quem dirigiu essa história’, disse ele sobre os eventos de 1996. ‘O que aconteceu naquele mosteiro se tornou uma imagem para o mundo inteiro. Uma imagem de reconciliação. É um chamado para todos hoje.

A comunidade em Midelt é pequena, apenas meia dúzia de monges de diferentes países. Ainda assim, é um lugar ativo. O padre Benoît, o monge que me recebeu na entrada do mosteiro, disse que pessoas de fora do Marrocos frequentemente viajam ao mosteiro para visitar o padre Jean-Pierre Schumacher. Um grupo de estudantes franceses fazendo estágio em Marrocos estava hospedado no mosteiro quando o visitei. Era realizado também um encontro das Pequenas Irmãs de Jesus, reunindo religiosas de meia dúzia de lugares na Argélia e do Marrocos.

As irmãs, como os monges, inspiram-se no exemplo de Charles de Foucauld, um oficial da cavalaria francesa, explorador e geógrafo que se tornou padre e viveu no Saara entre o povo tuaregue da Argélia antes de sua morte, em 1916. Uma pequena capela no mosteiro é dedicada a ele. Próximo a essa capela, outra é dedicada ao padre Albert Peyriguère, um francês tão movido pelo exemplo de seu compatriota que partiu para imitá-lo no Marrocos, estabelecendo-se na pequena cidade de El Kbab e oferecendo ajuda médica, comida e roupas para a população indígena berbere das redondezas. Como Charles de Foucauld, ele coletou histórias, canções e poemas da população local, tornando-se um etnólogo e especialista no povo berbere.

Ele se tornou mais berbere do que os berberes’, disse o padre Benoît, que descreveu Peyriguère, cujo túmulo está na capela, como um indivíduo extraordinário, um pai espiritual dos monges e um homem muito amado pelas pessoas locais a quem ele ajudou. Nascido em 1883, Peyriguère morreu em 1959. ‘Os xiitas são os muçulmanos mais próximos de nós cristãos’, disse o padre Benoît. ‘Porque Trump segue essa política com o Irã?

Quando, há quase 20 anos, Notre Dame de L'Atlas se mudou para Midelt, perto de Medea, na Argélia, os monges ocuparam aposentos anteriormente das religiosas pertencentes às Missionárias Franciscanas de Maria. ‘Elas eram muito amadas’, disse o padre Benoît. Um policial na entrada do mosteiro me deixou imaginando se os monges se sentiam ameaçados, mas o padre disse que as relações entre o mosteiro e a comunidade são excelentes. Ele achava que a polícia havia sido colocada no portão depois de ataques terroristas na França. ‘As pessoas estão felizes por estarmos aqui para mostrar que cristãos e muçulmanos podem viver juntos’, disse.

Ele me apresentou a uma irmã que atravessava o pátio do mosteiro, integrante das Pequenas Irmãs de Jesus, uma ordem religiosa fundada na Argélia em 1939. Seguindo o caminho do padre Charles de Foucauld, as Pequenas Irmãs de Jesus são contemplativas e compartilham a vida cotidiana com trabalhadores, minorias e outras pessoas que são materialmente pobres ou são ignoradas e desconsideradas.

Originalmente, as Pequenas Irmãs de Jesus viviam entre os muçulmanos. Sua fundadora se estabeleceu entre os nômades no deserto do Saara. Desde a sua criação, a ordem cresceu. As integrantes das Pequenas Irmãs de Jesus estão agora presentes em 63 países, onde tentam ser uma ponte entre todas as raças, classes e religiões. A irmã Anne Yvette disse que ela e as outras irmãs buscam ‘uma vida de amizade, oração e presença, um testemunho de uma fraternidade maior’.

Hoje, mais do que nunca, a fraternidade parece ilusória no mundo, mas a missão dos monges em Midelt não parece menos importante. Em nossa conversa, o padre Jean-Pierre Schumacher falou da necessidade de diálogo, da necessidade de um novo equilíbrio no mundo. Ele tem esperança de que a morte de seus irmãos monges em Tibhirine, há 23 anos, gerem um novo espírito de reconciliação.

Em um mundo polarizado, a menção ao ‘diálogo’ pode parecer quase singular, mas não abalou o desejo do homem que sobreviveu a uma guerra civil e ao assassinato de seus irmãos. Quando o deixei, ele perguntou se a publicação para a qual eu escrevo provoca diálogo de fato. Essa era sua principal vontade.


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