*Artigo
de Margarida Santos Lopes,
jornalista
‘No léxico dos
Palestinos há duas palavras que resumem as suas derrotas. Uma é nakba (catástrofe), a guerra de 1948 que os forçou ao exílio do que é hoje
o Estado de Israel. A outra é naksa
(revés), a guerra de 1967 que os
obrigou a novo êxodo ou deixou sob ocupação.
E tudo começou há
cem anos, a 2 de Novembro de 1917, com ‘um
simples parágrafo’ numa carta que Arthur James Balfour, então ministro dos
Negócios Estrangeiros de Londres, enviou à Federação Sionista da Grã-Bretanha e
Irlanda. «O Governo de Sua Majestade vê favoravelmente
a criação na Palestina de um lar nacional para o povo judeu, e fará o possível
para facilitar esse objetivo.»
A Declaração
Balfour e o Mandato Britânico da Palestina iniciado em 1920, após o
desmoronamento do Império Otomano, abalaram a região como um sismo. Os árabes
esperavam autodeterminação por terem lutado ao lado dos Ingleses contra os Turcos da Sublime Porta, mas os horrores
do Holocausto conduziram a uma imigração em massa que aumentou a população
judaica de 50 mil, em 1917, para mais de 600 mil, em 1947. A 29 de Novembro, a
ONU votou a criação de dois Estados.
Os árabes,
denunciando ‘traição’, recusaram a ‘partilha’. Os judeus proclamaram a ‘independência de Israel’, em 2 de Maio
de 1948. Apagaram do mapa mais de 500
aldeias. Mais de 700 mil palestinos tornaram-se refugiados.
Em 5 de Junho de
1967, numa guerra que em apenas seis dias derrotou vários exércitos árabes
hostis, Israel expandiu território para incorporar áreas reservadas ao Estado
palestino. Em 1968, com um governo trabalhista, iniciou a colonização dos
territórios ocupados.
Os Palestinos
tentaram libertar-se em 1987, com uma primeira Intifada. Esta revolta, que
misturou pedras e protestos pacíficos, levou Israel a negociar os Acordos de
Oslo (1993) com uma OLP enfraquecida após o apoio à invasão iraquiana do Kuwait
(1989).
Oslo confinou os
Palestinos a enclaves em 40% do território ocupado, administrado por uma
Autoridade Palestina (AP), cuja missão tem sido a de guardião de Israel. Nos
restantes 60%, estão agora mais de 200 colonatos e os recursos de água.
Em 2000, os
Palestinos lançaram outra Intifada, uma série de atentados suicidas visando
sobretudo civis. Israel construiu um ‘muro
de separação’ na Cisjordânia. Em 2005, retirou unilateralmente colonos e
soldados de Gaza, mas tem voltado com bombas sempre que o Hamas lança foguetes.
Foi assim em 2008-2009, em 2012 e em 2014. Em Telaviv, a extrema-direita
consolidou o poder.
Nivine, Rami e Larry
«Ainda hoje os Palestinos vivem as
consequências da Declaração Balfour», afirma Nivine S., residente em
Jerusalém Leste, setor árabe anexado em 1967. «Se a promessa [britânica] não tivesse sido feita, talvez vivêssemos
hoje numa Palestina independente. Por outro lado, quando vejo o que se passa
nesta região, pergunto-me se a Palestina estaria ou não em paz. Talvez se
dividisse em diferentes grupos, porque enfrentamos os nossos próprios conflitos
internos.»
Nascida em 1982, o
ano das chacinas de Sabra e Shatila, em Beirute, Nivine concluiu um mestrado em
Democracia e Direitos Humanos na Universidade de Bir Zeit (Cisjordânia). É
co-directora de uma organização não governamental que junta judeus e árabes
pela coexistência : Israel Palestine Regional Creative Initiatives (IPCRI). É
especialista em programas de construção da paz e igualdade de gênero. Trabalha
com outras associações, locais e internacionais, de mulheres e da sociedade
civil.
Depois de Balfour,
outro acontecimento ainda hoje traumático é a Naksa. «Sem a guerra de 1967,
não haveria a ocupação que diariamente afeta as nossas vidas», observa
Nivine. «Talvez fôssemos vizinhos de
Israel, duas nações em paz e em segurança.»
«A ocupação controla a nossa liberdade, as
nossas escolhas – com quem vivemos, com quem nos casamos, quem são os nossos
amigos. A ocupação dividiu os Palestinos – os da Cisjordânia, os de Jerusalém,
os de Gaza, os Palestinos de Israel. Cada um destes grupos está submetido a
diferentes leis. Fazem-nos sentir que uns são melhores do que outros. Os meus
amigos em Gaza queixam-se de que pagam o preço mais elevado : acham que nós, em
Jerusalém, vivemos no céu por não termos tantas restrições de movimento; pensam
que os palestinos em Israel são traidores.»
«Perdemos a esperança», afirma Nivine. «Já nem sequer nos importa que Israel comece
outra guerra. Damos o melhor de nós, avançando com iniciativas, mas sentimo-nos
atraiçoados pelos nossos dirigentes e pelo mundo. A ocupação tem sido usada
pela Autoridade Palestina para ignorar apelos a eleições e reformas. A
corrupção aumenta, e aumenta também a fúria dos jovens.»
«A Autoridade Palestina tem de ser
desmantelada, para permitir que Israel assuma as suas responsabilidades como
potência ocupante», sublinha Nivine. «A
luta deve ser um homem, um voto, uma voz, um Estado.»
Não é muito
diferente, embora mais otimista, a posição de Rami Younis, 32 anos, palestino
de cidadania israelita, residente em Haifa, biólogo, ativista, escritor,
produtor artístico.
«É importante distinguirmos o modo como a
velha e a nova geração de palestinos olha para Balfour e outras efemérides»,
diz-nos Rami. «Há cada vez mais jovens abandonando
a mentalidade de vítima. A nossa resistência à ocupação liga-se cada vez mais
ao exterior e cada vez menos às lágrimas das memórias dolorosas do passado.»
«Não me interpretem mal. Essas memórias e
aniversários são importantes para que os jovens aprendam o que aconteceu ao seu
povo e às suas famílias, mas nós, terceira geração da nakba, não abraçamos
apenas essas memórias. Nós agimos de forma criativa e independente.»
«Os melhores exemplos estão na cena cultural»,
explica Rami. «Em Haifa, realizamos [em
Março] o segundo festival de cinema independente – sem qualquer apoio de Israel
ou da Autoridade Palestina – e a Expo Música da Palestina [em Abril]. O objetivo
é ligarmo-nos ao mundo apesar de a ocupação nos tentar isolar. É uma
resistência ativa que não depende dos líderes. A Autoridade Palestina,
corrupta, perdeu toda a nossa confiança.»
Rami Younis, como
Nivine, também advoga a solução de um só Estado : «É a única maneira de eliminar o apartheid, porque qualquer tipo de
separação só mantém o statu quo.»
«Sim», admite Larry Derfner, filho de
sobreviventes do Holocausto, «o modo como
Israel olha para os Palestinos é idêntico à forma como os brancos na África do
Sul olhavam para os negros durante o apartheid [1967-1991], pelo menos, num
aspecto importante : eles são invisíveis.»
«As pessoas que invocam uma ‘ameaça
demográfica’ se Israel mantiver a ocupação estão erradas», acrescenta
Derfner, judeu americano que em 1985 se mudou de Los Angeles para Telaviv,
apenas para ser jornalista e acabou por ficar. «Israel não se preocupa com os árabes que vivem sob o seu domínio
enquanto eles não tiverem direito de voto ou qualquer poder – tal como os
não-brancos durante o regime de segregação racial na África do Sul.»
Autor de No Country For Jewish Liberals, as suas
memórias recém-publicadas, Derfner lamenta que a esquerda seja fraca, «provavelmente, doente terminal». No seu
percurso de vida, ele sempre fez a si próprio duas perguntas : «Porque é que os judeus têm de ter mais direitos
do que os árabes entre nós? Se fôssemos maltratados, como Israel faz com os
Palestinos, como reagiríamos nós?» A realidade amargura-o.
«A maioria dos israelitas pensa que já foram
tentadas todas as soluções de esquerda, desde negociar Oslo à retirada
unilateral de Gaza, e que a retribuição tem sido violência. A maioria pensa que
ofereceu aos Palestinos ‘um bom acordo’ [em Camp David, em 2000] e que, como
recompensa, recebeu terrorismo. O que eles não entendem é que ofereceram aos
Palestinos um acordo muito mau. Nunca lhes prometeram independência, soberania
e liberdade. Pelo contrário, prosseguiram os abusos da ocupação e, por isso, o
terrorismo não cessou.»
Na conjuntura atual,
onde se situa Larry Derfner, colunista do diário Ha’aretz e um dos 85 mil
residentes da cidade de Modi’in, nenhum deles árabe, «como é hoje a norma»? «Sou
pós-sionista porque acredito que o Estado sionista já está garantido e chegou a
hora de o tornar democrático. Continuo, porém, a ser sionista porque quero que
Israel se mantenha um Estado judaico. Um Estado binacional é receita para uma
guerra civil.»
Cronologia do conflito
Palestino-Israelita
Acordo de Sykes-Picot
e Declaração Balfour
Um compromisso
secreto firmado, em 1916, entre Sir Mark Sykes e François George-Picot, com luz
verde da Rússia, visou desmembrar o moribundo Império Otomano. O chamado ‘Acordo da Ásia Menor’ não chegou a ser
aplicado, mas, anos depois, lançaria as bases para dividir o território
governado pelos Turcos em áreas administradas por Britânicos (Iraque e
Palestina) e Franceses (Síria e Líbano). Em 1917, com a ‘Declaração Balfour’, a Grã-Bretanha apoia a criação de um ‘lar nacional para o povo judeu’ na
Palestina.
Mandato britânico da
Palestina
Um território que,
após o colapso do Império Otomano, incluía o que é hoje Israel, a Cisjordânia
(incluindo Jerusalém), a Faixa de Gaza e a Jordânia, a Palestina ficou sob
mandato britânico por decisão da Liga das Nações (que precedeu a ONU). Esta
administração durou de 1920 a 1948. Em 1923, os Ingleses concederam uma
autonomia limitada ao que era então a Transjordânia e é hoje a Jordânia.
Partilha da Palestina
Em 1947, com os
Britânicos a enfrentarem sublevações dos árabes, que se sentiam ‘traídos’, e a luta armada de grupos
judaicos revoltados contra as restrições à imigração dos que fugiam do
Holocausto, a ONU dividiu a Palestina em dois Estados. Um para os judeus; outro
para os árabes. Jerusalém seria uma cidade com estatuto internacional. O plano
foi rejeitado pela população árabe e nunca aplicado.
Em 1948, os judeus
proclamaram o Estado de Israel e países árabes vizinhos declararam guerra. Após
oito meses de batalhas foi acordada uma linha de armistício, em 1949, que permitiu
a Israel controlar mais território do que o previsto no Plano de Partilha de
1947, incluindo Jerusalém Ocidental. A Cisjordânia e a Faixa de Gaza como ‘unidades geográficas distintas’ : a
primeira anexada pela Jordânia; a segunda ocupada pelo Egito.
A guerra que os
Palestinos chamam Nakba (Catástrofe) forçou ao exílio 750 mil de
1,2 milhões de árabes – uns fugiram e outros foram expulsos em campanhas de
limpeza étnica. De 1948 até 1967, a Cisjordânia foi governada pela Jordânia e a
Faixa de Gaza esteve sob administração militar egípcia. De 1949 até aos anos
1960, foram viver para Israel mais de 250 mil sobreviventes do Holocausto e
ainda mais de um milhão de imigrantes e refugiados judeus de países de maioria
muçulmana.
A Guerra dos Seis Dias
Em 1956, tropas
israelitas conquistaram a península do Sinai ao Egito, depois de o presidente
Nasser ter nacionalizado o Canal do Suez. Em 1967, o Egito expulsou as tropas
da ONU, que tinham substituído as israelitas, forçadas a retirar-se. Nasser
bloqueou o acesso de Israel às rotas de navegação e subiu a tensão regional.
Num ‘ataque preventivo’, a 6 de Junho de
1967, que destruiu toda a aviação egípcia, no solo, e atraiu a Síria e a
Jordânia para um conflito regional, Israel ganhou a guerra em seis dias. Os
Jordanianos perderam a Cisjordânia e Jerusalém Leste; os Egípcios a Faixa de
Gaza e a Península do Sinai, e os Sírios os Montes Golã. Israel anexou
prontamente Jerusalém Leste, e proclamou a cidade sua capital. Em 1981,
anexaria também os Montes Golã (apenas evacuou a cidade de Quneitra, após a
guerra de Outubro de 1973).
A ocupação em 1967
foi imediatamente acompanhada da colonização da Cisjordânia e Gaza. A ONU fez
aprovar duas resoluções exigindo a Israel a retirada dos territórios ocupados
em troca de segurança. Só o Egito recuperou o Sinai, depois de assinar o
primeiro tratado de paz israelo-árabe, em 1979. A Jordânia seguiu o exemplo do
Cairo, um ano depois de a OLP e Israel se reconhecerem mutuamente. Mas os
Acordos de Oslo de 1993 não cessaram o conflito com os Palestinos e a ‘solução de dois Estados’ parece cada vez
mais impossível, 70 anos depois de a ONU ter dividido a Palestina do Mandato
Britânico.
Os Acordos de Oslo
O chefe do governo
de Israel, Yitzhak Rabin, e o líder da Organização para a Libertação da
Palestina (OLP), Yasser Arafat, assinaram na Casa Branca (EUA), a 13 de
Setembro de 1993, os documentos em que se comprometiam a unir esforços para a
realização da paz entre os dois povos. Os Acordos de Oslo, mediados por Bill
Clinton, tinham sido negociados secretamente na Noruega durante vários meses
entre representantes israelitas e palestinos. Estes acordos previam o término
dos conflitos, a abertura das negociações sobre os territórios ocupados, a
retirada de Israel do Sul do Líbano e a questão do estatuto de Jerusalém.
Construção do muro
O Muro de Israel
começou a ser construído em Junho de 2002, quando o na altura primeiro-ministro
israelita Ariel Sharon defendeu a criação de uma fronteira para travar a
violência e os atentados frequentes na zona. Esta barreira tem mais de 700 quilômetros
e é composta por cimento, tijolos, arame farpado e valas. A construção do muro
foi considerada ilegal e ilegítima pela ONU e pelo Tribunal Internacional de
Justiça.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuAylFEVZlQAHTmQHu
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