*Artigo
de Evaldo D´Assumpção,
médico
e escritor
‘Uma das mais
belas e pedagógicas passagens dos Evangelhos está descrita por Lucas, no
capítulo 17 de seu livro, onde conta que dez leprosos vieram até Jesus pedir
por sua cura. Compadecendo-se deles, curou-os e os enviou, como era praxe na
época, para se apresentarem aos sacerdotes que constatariam a cura e os
libertariam da exclusão social imposta aos portadores daquela doença. Pouco
tempo depois, somente um deles retornou para agradecer o imensurável bem que
recebera. Curiosamente ele era o único estrangeiro daqueles dez. E Jesus se
admirou, comentando com seus discípulos : ‘Eram
dez os curados, e somente este estrangeiro voltou para agradecer o que recebeu!’
Desde que me
entendo por gente, aprendi a agradecer tudo o que recebia. Era uma frase comum
na boca de meus pais, quando me viam recebendo alguma coisa, e distraia-me com
o que recebera : ‘O que você vai dizer?’
E aquele toque despertava-me para expressar : ‘Muito obrigado!’. E de tanto ser lembrado, aprendi que sempre
deveria fazer isso. Contudo, mais do que decorar as palavras, aprendi que elas
manifestavam minha gratidão por ter ganho alguma coisa de alguém. Aos poucos
fui descobrindo como era bom dizer ‘obrigado’
para quem me proporcionava algo, e também como me era agradável ouvir o mesmo,
quando era eu quem dava alguma coisa. Depois aprendi que gratidão é uma palavra
de origem latina, gratia ou gratus, que significa agradável, portanto algo que
nos traz satisfação. Ou seja, quando me sinto grato e consequentemente movido a
agradecer, o faço porque aquilo me trouxe satisfação. Da mesma forma que me
compraz a satisfação daquele que recebeu algo dado por mim.
Mas isso não é
somente uma coisa superficial e passageira. Pesquisas científicas sugerem que
sentimentos de gratidão são benéficos ao bem estar emocional subjetivo, como
descrevem os psicólogos e pesquisadores da Universidade de Miami, Emmons &
McCullough, em seu livro ‘A psicologia da
gratidão’, de 2004. Em outras palavras, a gratidão nos faz bem, tanto quando
damos como quando recebemos alguma coisa.
Refletindo sobre
esse assunto, fico imaginando porque o mundo anda tão agressivo, tão áspero, às
vezes tão desagradável a ponto de pessoas se afastarem do convívio familiar e
social, buscando refúgio em lugares mais isolados ou limitando sua vida a
ambientes afastados de multidões. Onde não existe a gratidão, onde as pessoas
perderam o hábito saudável de dizer ‘obrigado!’,
‘agradecido!’, a convivência entre
humanos se torna pouco ou nada agradável.
Mas não é somente
a gratidão, que tanto bem nos faz, a gentileza que hoje nos falta. Também
outras atitudes, no rotineiro de nossas vidas, contribuem significativamente
para a nossa felicidade, nosso bem estar e consequentemente para a nossa saúde.
Entre elas, destaca-se o corriqueiro pedido de ‘licença!’. Com o crescimento das cidades, os ambientes públicos
tornaram-se repletos de pessoas agitadas, apressadas, intranquilas, e por
consequência, ignorando quase totalmente a presença de outras pessoas em torno
de si. Tomemos um supermercado, como exemplo. Preocupadas com as compras, a
escolha dos produtos e a seleção de preços mais accessíveis, as pessoas são
incapazes de dizer ‘com licença!’ ao
passar num dos corredores semiobstruídos por outros compradores.
Nas portas de
entrada e saída, pessoas têm o péssimo hábito de parar em conversas
despreocupadas. Mesmo que nossa vontade seja a de passar por ali como um
trator, nada nos custa pedir : ‘com
licença!’. Da mesma forma, ao ter de atravessar por uma fila num banco ou em
qualquer outro lugar, para passar para o outro lado, também um ‘com licença’
com certeza nos ajudará a aliviar a tensão do dia a dia.
E o que nos custa
pedir desculpas, quando esbarramos em alguém, ou quando derrubamos algo que
estava em suas mãos, num ônibus, num lugar qualquer? Esta é, aliás, uma das
formas mais eficientes para desarmarmos a agressividade das pessoas que se
sentem por demais incomodadas quando lhes esbarramos.
Poderia desfiar um
longo rosário dessas pequenas, mas necessárias atitudes de cortesia, mas
encerro com uma que pode ser considerada a mãe de todas as outras. Quando
criança, aprendi a pedir a benção dos meus pais, tios e avós, sempre que os
encontrava pela primeira vez no dia. Enquanto minha mãe esteve viva, eu já com
mais de 70 anos de idade, nunca cheguei em sua casa sem lhe pedir a benção. O
mesmo fiz com meus tios. E hoje tenho a doce saudade de ouvir o suave ‘Deus te abençoe!’ que tanto representava
para mim. Nos dias atuais, vejo filhos,
netos, chegarem juntos dos seus pais, avós, e mal balbuciarem um ‘Oi’. E isso, quando o fazem... Percebo que eles não têm a menor noção do
significado e da plenitude do pedido de benção, independentemente de filiações
religiosas.
Hoje todos têm
pressa, mal enxergam os outros humanos em sua volta. Corpo e mente estão
ocupados, apressados, superlotados de compromissos, a maioria totalmente
inútil. Por isso mesmo esquecem-se da importância do ‘obrigado’, do ‘por favor’,
do ‘com licença’ do ‘sua benção!’. E
por isso mesmo, o mundo anda tão amargo, tão fútil, tão pragmático, deixando a
vida sem sabor, sem alegria, até mesmo sem sentido. Resgatando as gentilezas
que estão em extinção, quem sabe resgatamos também a satisfação de sermos
realmente humanos?’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1167150/2017/07/a-gratidao-e-outras-gentilezas-que-nos-faltam/
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