domingo, 9 de julho de 2017

A gratidão e outras gentilezas que nos faltam

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

'Fico imaginando porque o mundo anda tão agressivo, tão áspero, às vezes tão desagradável'
*Artigo de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor


‘Uma das mais belas e pedagógicas passagens dos Evangelhos está descrita por Lucas, no capítulo 17 de seu livro, onde conta que dez leprosos vieram até Jesus pedir por sua cura. Compadecendo-se deles, curou-os e os enviou, como era praxe na época, para se apresentarem aos sacerdotes que constatariam a cura e os libertariam da exclusão social imposta aos portadores daquela doença. Pouco tempo depois, somente um deles retornou para agradecer o imensurável bem que recebera. Curiosamente ele era o único estrangeiro daqueles dez. E Jesus se admirou, comentando com seus discípulos : ‘Eram dez os curados, e somente este estrangeiro voltou para agradecer o que recebeu!

Desde que me entendo por gente, aprendi a agradecer tudo o que recebia. Era uma frase comum na boca de meus pais, quando me viam recebendo alguma coisa, e distraia-me com o que recebera : ‘O que você vai dizer?’ E aquele toque despertava-me para expressar : ‘Muito obrigado!’. E de tanto ser lembrado, aprendi que sempre deveria fazer isso. Contudo, mais do que decorar as palavras, aprendi que elas manifestavam minha gratidão por ter ganho alguma coisa de alguém. Aos poucos fui descobrindo como era bom dizer ‘obrigado’ para quem me proporcionava algo, e também como me era agradável ouvir o mesmo, quando era eu quem dava alguma coisa. Depois aprendi que gratidão é uma palavra de origem latina, gratia ou gratus, que significa agradável, portanto algo que nos traz satisfação. Ou seja, quando me sinto grato e consequentemente movido a agradecer, o faço porque aquilo me trouxe satisfação. Da mesma forma que me compraz a satisfação daquele que recebeu algo dado por mim.

Mas isso não é somente uma coisa superficial e passageira. Pesquisas científicas sugerem que sentimentos de gratidão são benéficos ao bem estar emocional subjetivo, como descrevem os psicólogos e pesquisadores da Universidade de Miami, Emmons & McCullough, em seu livro ‘A psicologia da gratidão’, de 2004. Em outras palavras, a gratidão nos faz bem, tanto quando damos como quando recebemos alguma coisa.

Refletindo sobre esse assunto, fico imaginando porque o mundo anda tão agressivo, tão áspero, às vezes tão desagradável a ponto de pessoas se afastarem do convívio familiar e social, buscando refúgio em lugares mais isolados ou limitando sua vida a ambientes afastados de multidões. Onde não existe a gratidão, onde as pessoas perderam o hábito saudável de dizer ‘obrigado!’, ‘agradecido!’, a convivência entre humanos se torna pouco ou nada agradável.

Mas não é somente a gratidão, que tanto bem nos faz, a gentileza que hoje nos falta. Também outras atitudes, no rotineiro de nossas vidas, contribuem significativamente para a nossa felicidade, nosso bem estar e consequentemente para a nossa saúde. Entre elas, destaca-se o corriqueiro pedido de ‘licença!’. Com o crescimento das cidades, os ambientes públicos tornaram-se repletos de pessoas agitadas, apressadas, intranquilas, e por consequência, ignorando quase totalmente a presença de outras pessoas em torno de si. Tomemos um supermercado, como exemplo. Preocupadas com as compras, a escolha dos produtos e a seleção de preços mais accessíveis, as pessoas são incapazes de dizer ‘com licença!’ ao passar num dos corredores semiobstruídos por outros compradores.

Nas portas de entrada e saída, pessoas têm o péssimo hábito de parar em conversas despreocupadas. Mesmo que nossa vontade seja a de passar por ali como um trator, nada nos custa pedir : ‘com licença!’. Da mesma forma, ao ter de atravessar por uma fila num banco ou em qualquer outro lugar, para passar para o outro lado, também um ‘com licença’ com certeza nos ajudará a aliviar a tensão do dia a dia.

E o que nos custa pedir desculpas, quando esbarramos em alguém, ou quando derrubamos algo que estava em suas mãos, num ônibus, num lugar qualquer? Esta é, aliás, uma das formas mais eficientes para desarmarmos a agressividade das pessoas que se sentem por demais incomodadas quando lhes esbarramos.

Poderia desfiar um longo rosário dessas pequenas, mas necessárias atitudes de cortesia, mas encerro com uma que pode ser considerada a mãe de todas as outras. Quando criança, aprendi a pedir a benção dos meus pais, tios e avós, sempre que os encontrava pela primeira vez no dia. Enquanto minha mãe esteve viva, eu já com mais de 70 anos de idade, nunca cheguei em sua casa sem lhe pedir a benção. O mesmo fiz com meus tios. E hoje tenho a doce saudade de ouvir o suave ‘Deus te abençoe!’ que tanto representava para mim.  Nos dias atuais, vejo filhos, netos, chegarem juntos dos seus pais, avós, e mal balbuciarem um ‘Oi’. E isso, quando o fazem...  Percebo que eles não têm a menor noção do significado e da plenitude do pedido de benção, independentemente de filiações religiosas.

Hoje todos têm pressa, mal enxergam os outros humanos em sua volta. Corpo e mente estão ocupados, apressados, superlotados de compromissos, a maioria totalmente inútil. Por isso mesmo esquecem-se da importância do ‘obrigado’, do ‘por favor’, do ‘com licença’ do ‘sua benção!’. E por isso mesmo, o mundo anda tão amargo, tão fútil, tão pragmático, deixando a vida sem sabor, sem alegria, até mesmo sem sentido. Resgatando as gentilezas que estão em extinção, quem sabe resgatamos também a satisfação de sermos realmente humanos?’


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