*Artigo
de Felipe Magalhães Francisco,
teólogo
‘Para muitos, Deus
é um enigma : um problema a ser resolvido e esclarecido, desvendado. Mesmo que
grande parte das religiões pensem Deus como mistério, muitas pessoas lidam com
ele como se comportassem frente a um enigma. Para a mentalidade ocidental é
difícil fugir disso : queremos esmiuçar, racionalmente, todas as coisas,
destrinchando-as e dissecando-as para nutrir o entendimento intelectual. Com
Deus, isso também se dá. Não raro, muitos teólogos tentaram colocar Deus dentro
de uma caixinha enfeitada. Mas igualmente caixinha.
Comumente, a
palavra mistério está associada à compreensão de enigma. Considera-se o
misterioso como o que está oculto. O mistério, ao contrário, é aquilo que se
revela. E, aqui, a ambiguidade da palavra revelação é de grande valia : é tirar
o véu e, ao mesmo, re-velar, velar de novo. É próprio do mistério o mostrar-se
e o esconder-se : é amplo, infinito, profundo. Inesgotável. É como se
aproximar, sedento, junto a um manancial de água, saciar-se e perceber que a
água permanece a jorrar, abundante.
Compreender Deus
como mistério é compreendê-lo como um Ser que não se esgota, que transcende
nossa imanência e nossa realidade vista de modo parcial, limitado e
contingente. O mistério, antes de tudo, é para ser experimentado : ele é um
convite ao mergulho, sempre ilimitado, no infinito que pode nos trazer sentido.
A compreensão desse mistério, que ultrapassa a questão racional-intelectual, é
a possibilidade de nos humanizarmos com sentido. Essa compreensão como
experiência de sentido é o que podemos chamar de espiritualidade.
Essa compreensão
de Deus como mistério nos abre à possibilidade de nos compreendermos a nós
mesmos. Somos, igualmente, mistério : inesgotáveis, sempre na possibilidade e
na iminência de nos conhecermos sempre mais, de modo cada vez mais profundo e
transformador. Esse é, também, um caminho espiritual, pois mergulhando no
profundo de nós mesmos, encontramos o mistério de Deus que em nós ecoa, e nos
transformamos em pessoas mais humanizadas.
Às religiões, fica
a interpelação a que sejam propiciadoras de experiências com esse mistério, e
não as barreiras que impedem as pessoas de mergulharem em sua profundeza. Esse
mistério, no entanto, permanece acessível para além das tradições religiosas,
que não são detentoras do caminho, tampouco do acesso a ele. Em cada pessoa,
uma abertura fundamental que clama por algo a mais, por uma profunda
experiência de sentido e de elevação, que nos faz ser mais : mais para nós
mesmos, mais para os outros, mais para o mundo. Ceder a esse mistério que nos
interpela, que nos seduz, é ceder ao amor que nos arrebata de nós mesmos, que
nos faz buscar viver de modo cada vez mais integral, despretensioso e gratuito.
Que tenhamos coragem!’
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