*São Cipriano, Bispo de Cartago (+258)
‘Os preceitos
evangélicos não são outra coisa, Irmãos Caríssimos, senão os ensinamentos
divinos, fundamentos para edificar a esperança, provações para robustecer a fé,
alimento para nutrir a alma, leme para dirigir a navegação, presídio para a
salvação. Ao mesmo tempo que iluminam os crentes dóceis sobre a terra,
guiam-nos até aos reinos celestes.
1. Deus quis que
muitos ensinamentos nos fossem dados por meio dos Profetas, Seus Servos. Mas
quão superiores são as palavras do Seu Filho, aquelas palavras que o Verbo de
Deus, já ressonante nos Profetas, atesta com a Sua viva voz. Já não é alguém
que vem aplanar os caminhos d'Aquele que há de vir, mas Aquele que veio e nos
abre e mostra o caminho. Deste modo os que, antes, incautos e cegos cambaleavam
nas trevas da morte, iluminados agora pela luz da graça, podem seguir na vida
sob a guia e o governo de Cristo.
2. Entre outros
conselhos salutares e ensinamentos divinos com os quais provê à salvação do Seu
povo, Cristo deu também a norma da oração, e Ele mesmo nos mostrou e ensinou
como devemos rezar. Aquele que nos deu a vida, ensinou-nos a pedir, com a mesma
benevolência com que Se dignou dar-nos os outros bens. Assim rezando ao Pai com
a oração do Filho, somos mais facilmente ouvidos.
Já antes tinha
anunciado o dia em que os verdadeiros adoradores aprenderiam a adorar o Pai em
espírito e em verdade (Jo. 4, 23), mas agora cumpre a promessa e faz de nós,
santificados pelo espírito de verdade, verdadeiros e espirituais adoradores,
conformes ao Seu ensinamento.
Que oração haverá
mais espiritual do que aquela que nos ensinou Cristo, o qual enviou sobre nós o
Espírito de Verdade? Que oração será mais verdadeira do que aquela que saiu dos
lábios de Quem é a verdade?
Portanto, rezar de
outra maneira diferente da que Cristo nos ensinou, não só é um ato de
ignorância, mas uma culpa, pois Ele mesmo disse : ‘Vós rejeitastes o mandamento de Deus para acreditar na vossa doutrina’
(Mc.7,8).
3. Seja a nossa
oração a que o nosso Mestre nos ensinou. É cara e familiar a Deus a oração
composta pelo Seu mesmo Filho. Assim, quando rezamos, o Pai reconhece as
palavras do Filho.
Aquele que é
hóspede do nosso coração esteja também nos nossos lábios. Se Cristo está junto
do Pai como advogado para os nossos pecados, nós pecadores devemos rogar o
perdão dos pecados com as mesmas palavras do Advogado. De fato, se Ele nos
prometeu obter tudo o que pedirmos ao Pai em Seu Nome (Jo. 16, 23), quanto mais
eficazmente obteremos o que pedimos em Nome de Cristo se o pedimos com a Sua
mesma oração?
4. Os que rezam,
tenham devoção à doçura das palavras. Pensemos estar na presença de Deus e por
isso devemos ser aceites aos Seus olhos pela atitude do corpo e pela maneira
como rezamos. Como é imprudente quem pede sem piedade, assim a oração convém
que seja em tom respeitoso e submisso. O Senhor ensinou-nos a rezar no silêncio
e nos lugares escondidos das nossas casas. Esta atitude é mais adequada à nossa
fé para que saibamos e jamais olvidemos que Deus está em toda a parte, vê tudo
e atende a todos, enche com a plenitude da Sua majestade os lugares mais
recônditos.
Está escrito : ‘Não sou Eu o Deus do alto e o Deus que está
a teu lado? Se o homem se esconde, deixo acaso de o ver? Não sou Eu que encho o
céu e a terra?’ (Jr. 23, 23-24). ‘Em
todo o lugar os olhos de Deus observam os bons e os maus’ (Pv. 15,3). E
quando nos juntamos aos outros irmãos para celebrar com o Sacerdote o
Sacrifício divino, devemos recordar-nos de ser devotos e disciplinados na
oração e não espalhá-la ao vento numa seqüência de palavras, nem dirigi-Ia a
Deus precipitadamente, mas sim com propósitos. Deus não escuta a voz, mas o
coração. Deus, que perscruta os pensamentos humanos, não quer ser rogado com
gritos. Diz assim o Mestre : ‘Que andais
vós a ruminar nos vossos corações’ (Lc. 5, 22) e ainda : ‘Todas as Igrejas saibam que Eu perscruto os
rins e os corações’ (Ap. 2, 23).
5. Já nos mostra
isto o primeiro Livro dos Reis com o exemplo de Ana, figura da Igreja. Ana
rezava ao Senhor não com palavras clamorosas mas na humildade e no silêncio com
o seu coração. A sua oração era oculta, mas era manifesta a sua fé. Falava com
o coração e não com a boca, porque só assim era ouvida por Deus. Por isso
obteve o que pediu, porque rezou com fé, como atesta a Sagrada Escritura : ‘Falava no seu coração. Os seus lábios
moviam-se, mas não se percebia a sua voz. E Deus escutou-a’ (1 Re. 1, 13).
O mesmo se lê nos Salmos (5, 5) : ‘Pensai
no silêncio dos vossos quartos’. Jeremias põe na boca de Deus estas
palavras : ‘Encontrar-Me-eis se Me
procurardes com todo o coração’ (Jr. 24, 13).
6. Quando rezarmos
não esqueçamos o publicano no templo, que não ousava levantar os olhos ao céu
nem se atrevia a elevar as mãos, mas batia no peito em sinal de detestação dos
seus pecados, e assim pedia a ajuda da misericórdia divina. Enquanto o fariseu
se comprazia a si mesmo, o publicano, com a sua oração, mereceu ser santificado
mais, visto que colocou a esperança da sua salvação não na sua inocência - pois
ninguém é inocente - mas na humilde confissão dos seus pecados. E, Aquele que
do Céu perdoa os humildes, ouviu a sua oração, como se lê na parábola
evangélica que se segue : «Dois homens
subiram ao templo para rezar; um era fariseu, o outro era publicano. O fariseu,
de pé, rezava assim : ‘Eu Te dou graças, ó Deus, porque não sou como os outros
homens, ladrões, injustos, adúlteros; nem tão pouco sou como aquele publicano.
Eu jejuo duas vezes na semana e pago o dízimo de todos os meus bens’. O
publicano, ao contrário, lá longe, nem se atrevia a erguer os olhos ao céu, mas
batia no peito, dizendo : ‘Ó Deus, tem piedade de mim, que sou pecador’. Pois
Eu vos digo que este voltou justificado para sua casa. Não aconteceu o mesmo
com o outro, pois quem se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado»
(Lc. 18, 10-14).
Também os
Apóstolos, com todos os discípulos, rezavam assim depois da Ascensão do Senhor :
«Perseveravam todos unanimemente na
oração, com as mulheres e com Maria, Mãe de Jesus, e com os Seus irmãos»
(At. 1, 14). Perseveravam concordemente na oração e assim demonstravam, com a
assiduidade e unanimidade da sua oração, que Deus «faz habitar sob o mesmo teto todos os que estão de acordo» (Sl. 57,
7) e não admite à Sua divina e eterna habitação senão aqueles cuja oração é
comum e unânime.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.ecclesia.com.br/biblioteca/espiritualidade/sobre_a_maneira_de_rezar.html
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