*Artigo do Cardeal Dom Orani João Tempesta, O.
Cist.,
Arcebispo Metropolitano de
São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
‘Depois de
quarenta dias após a solenidade da Páscoa, temos a graça de celebrar a
Solenidade da Ascensão do Senhor. A Igreja convida-nos a ter os olhos postos no
Céu, a Pátria definitiva a que o Senhor nos chama.
No Credo,
encontramos a afirmação de que Jesus ‘subiu
aos céus e está sentado à direita do Pai’. A vida terrena de Jesus culmina
no evento da Ascensão, quando Ele passa desse mundo ao Pai e é elevado à sua
direita. Qual é o significado deste acontecimento? Quais são as consequências
para a nossa vida? O que significa contemplar Jesus sentado à direita do Pai?
Sobre isto, deixemo-nos guiar pelo evangelista Lucas.
São Lucas anota : ‘Aproximando-se o tempo em que Jesus devia
ser arrebatado desse mundo, ele resolveu dirigir-se a Jerusalém’ (Lc 9,
51). Enquanto ‘ascende’ à Cidade
Santa, onde se cumprirá o seu ‘êxodo’
dessa vida, Jesus vê já a meta, o Céu, mas sabe bem que o caminho que o leva de
volta à glória do Pai passa pela Cruz, pela obediência ao desígnio divino de
amor pela humanidade. O Catecismo da Igreja Católica afirma que ‘a elevação sobre a cruz significa e anuncia
a elevação da ascensão ao céu’ (n. 661). Também nós devemos ter claro, na
nossa vida cristã, que o entrar na glória de Deus exige a fidelidade cotidiana
à Sua vontade, mesmo quando requer sacrifício, requer às vezes mudar os nossos
programas. A Ascensão de Jesus, segundo os Atos dos Apóstolos, acontece
concretamente no Monte das Oliveiras, próximo ao lugar onde havia se retirado
em oração antes da paixão para permanecer em profunda união com o Pai : mais
uma vez vemos que a oração nos dá a graça de viver fiéis ao projeto de Deus.
A elevação de
Jesus na Cruz significa e anuncia a elevação da Ascensão ao céu. Jesus Cristo,
o único Sacerdote da nova e eterna Aliança, não ‘entrou em um santuário feito por mão de homem… e sim no próprio céu, a
fim de comparecer agora diante da face de Deus a nosso favor’ (Hb 9,24). No
céu, Cristo exerce em caráter permanente seu sacerdócio, ‘por isso é capaz de salvar totalmente aqueles que, por meio dele, se
aproximam de Deus, visto que ele vive eternamente para interceder por eles’
(Hb 7,25). Como ‘sumo sacerdote dos bens
vindouros’ (Hb 9,11), ele é o centro e o ator principal da liturgia que
honra o Pai nos Céus. (cf. Cat. §662)
Por ‘estar sentado à direita do Pai’,
entendemos a glória e a honra da divindade, onde aquele que existia como Filho
de Deus antes de todos os séculos, se sentou corporalmente junto do Pai, como
homem também, com a sua carne glorificada. Assim, através de Jesus, a
humanidade, outrora expulsa do Paraíso, agora volta para o convívio de Deus.
Daí, Cristo glorioso vai derramar o Espírito Santo sobre a Igreja para que ela
cumpra a sua missão de resgatar os filhos de Deus.
O sentar-se à
direita do Pai significa também ‘a
inauguração do Reino do Messias’, realização da visão do profeta Daniel no
tocante ao Filho do Homem : ‘A Ele foram
outorgados o império, a honra e o reino, e todos os povos, nações e línguas o
serviram. Seu império é um império eterno, que jamais passará, e seu reino
jamais será destruído’ (Dn 7,14). A partir desse momento, os Apóstolos se
tornaram as testemunhas do ‘Reino que não
terá fim’. (Cat. §664)
Na Carta aos
efésios, São Paulo diz : ‘Deus manifestou
a sua força em Cristo quando o ressuscitou dos mortos e o fez sentar-se à sua
direita no céu, bem acima de toda autoridade, poder, potência, soberania ou
qualquer título que se possa nomear não somente neste mundo, mas ainda no
futuro. Sim, ele pôs tudo sob os seus pés e fez dele, que está acima de tudo, a
Cabeça da Igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que possui a plenitude
universal’ (Ef 1, 20-23).
A Igreja ensina
que ‘Jesus, rei da glória, subiu ante os
anjos maravilhados ao mais alto dos Céus, e tornou-se o mediador entre Deus e a
humanidade redimida, juiz do mundo e Senhor do universo. Ele, nossa Cabeça e
princípio, subiu aos Céus não para afastar-se de nossa humildade, mas para
dar-nos a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade… Ele, após a
ressurreição, apareceu aos discípulos e, à vista deles, subiu aos céus, a fim
de nos tornar participantes da sua divindade’. (Prefácio da Ascensão I, II)
Por isso, na
Solenidade da Ascensão do Senhor a Igreja reza : ‘Ó Deus todo poderoso, a Ascensão do vosso Filho já é nossa vitória.
Fazei-nos exultar de alegria e fervorosa ação de graças, pois, membros do seu
corpo, somos chamados na esperança a participar da sua glória’. Assim, a
Ascensão de Jesus é uma preparação e antecipação da glorificação também de cada
cristão que O segue fielmente. Significa que o cristão deve viver com os pés na
terra, mas com o coração no céu, a nossa pátria definitiva e verdadeira, como
São Paulo lembrou aos filipenses : ‘nós
somos cidadãos do Céu’ (Fl 3, 30).
Em vista da
Ascensão de Jesus ao Céu, São Paulo nos exorta : ‘Se, portanto, ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas lá do alto,
onde Cristo está sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas lá de cima,
e não às da terra. Porque estais mortos e a vossa vida está escondida com
Cristo, em Deus… Mortificai, pois, os vossos membros no que têm de terreno : a
devassidão, a impureza, as paixões, os maus desejos, a cobiça, que é uma
idolatria’ (Col 3, 1-3). O cristão vive neste mundo sem ser do mundo,
caminha entre as coisas que passam abraçando somente as que não passam.
A Ascensão não
indica a ausência de Jesus, mas nos diz que Ele está vivo em meio a nós de modo
novo; não está mais em um lugar preciso no mundo como o era antes da Ascensão;
agora está no senhorio de Deus, presente em cada espaço e tempo, próximo a cada
um de nós. Na nossa vida nunca estamos sozinhos : temos este advogado que nos
espera, que nos defende. Nunca estamos sozinhos : o Senhor crucificado e
ressuscitado nos guia; conosco há tantos irmãos e irmãs que no silêncio e na
ocultação, em sua vida de família e de trabalho, em seus problemas e
dificuldades, em suas alegrias e esperanças vivem cotidianamente a fé e levam,
junto a nós, ao mundo, o senhorio do amor de Deus, em Cristo Jesus
ressuscitado. Por isso, devemos dar graças a Deus!’
Fonte :
Nenhum comentário:
Postar um comentário