*Artigo
de Donatella Penati M.
Como uma aposta para ricos, concebido pela mãe-pátria
portuguesa, tornou-se o refúgio de pobres destinos.
‘Beira, segunda
cidade de Moçambique, é ainda hoje um porto comercial estratégico para a África
que não se debruça sobre o mar. Malauí, Zimbabué e Zâmbia pescam no canal de
Moçambique, atravessando estradas, desordenadas e sujas, pouco seguras, mas que
ainda ostentam os sinais do passado colonial.
E, seguramente, a
companhia portuguesa de Moçambique apostou na década de 1950 num
desenvolvimento de «luxo». Frente ao
mar. E assim nasceu o Grande Hotel Beira, que nos seus 116 quartos, piscina
olímpica e jardins paradisíacos viu passar a História e morrer os sonhos. Dos
colonizadores e dos colonizados. Demasiado custoso para a África.
E assim o encanto
de toda aquela art déco, a partir de
1963, ano do seu encerramento, começou a morrer. Não obstante a História
batesse ainda à sua porta. Em 1971, o casamento da filha de um ministro, e
depois quartel-general para os homens da Frelimo (em luta com a Renamo) nos
anos 1970, e depois a preciosa piscina olímpica utilizada pelos atletas da
equipa nacional de pólo aquático. O maior hotel do continente não devia ser
desperdiçado assim. Aqui não se deita fora nada. E do sonho dos ricos nasce uma
outra história.
Grande Hotel
Moçambique, 3000 lugares sentados, quartos com vista ou sem vista, quartos
particulares sem luz, quartos particulares sem casa de banho, quartos particulares
com vista total para a atmosfera. Para todos os gostos, vasta escolha de
degradação. Fascinante se não se cresce e vive aqui. Hotel misterioso e
horripilante, com tantas «presenças
sombrias» que relatam as noites sem um fio de luz, os dias com as retretes
a céu aberto que fazem acumular excrementos ao longo das escadarias.
E como sábias
videntes, milhares de aranhas pretas e enormes, penduradas nos tetos. Miram e
bamboleiam-se com a brisa do mar. Tranquilas, olham de alto a baixo aquela
desumanidade que nem elas querem partilhar. Todos sabem que ali nada mudará. A
elegante sala de jantar dos ricos, agora coberta por ripas e usada como morgue
para os mortos que ninguém reclama. Aqui põem aqueles que se vão embora pela
demasiada miséria, que aqui cada ano apaga muitas vidas. Aqui, vistas para o
mar, canal de Moçambique, cada um tem as suas comodidades. Porta com número de
quarto, luz e brisa marinha, «negócios»
à porta de casa. E todavia, também aqui, esperanças e sonhos entram, iludem a
imundície, vento e aranhas e relatam-se.
Olívia com os seus
dois miúdos que não largam o pequeno pai natal de pano, sonha com uma pequena
casa com casa de banho. José, o negociante improvisado que gostaria de descer
aquelas escadas e abrir uma oficina. Sofia, nascida aqui, mas com vontade de
conhecer o mundo e contá-lo. E depois Sara Jacinto, que faz de locutora, em
direto da degradação, sonhando com a televisão. E Baltasar, barbearia
Califórnia que, ecoando um dos Magos, distribui beleza por todos. E o ATL de
Marcus para as dezenas de crianças penduradas nas varandas e janelas como as
aranhas. Nunca foi tão vivo este lugar. Embora aqui tudo pareça uma guerra
perene. Sempre entre ricos e pobres, que agora só um muro anônimo divide. Um
muro que pertence à história do homem. E assim ainda hoje, a Beira, o bairro de
quem tem poder e dinheiro está ali, além daquela barreira de cimento. Entre
pobres que permanecem e ricos que se foram embora. Grande Hotel Beira, vistas
para o mar, canal de Moçambique. Um luxo para muitos desesperados sonhadores.’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EuAEkAlZFygoTiSkVc
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