quarta-feira, 3 de maio de 2017

Grande Hotel Beira

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Donatella Penati M.


Como uma aposta para ricos, concebido pela mãe-pátria portuguesa, tornou-se o refúgio de pobres destinos.


‘Beira, segunda cidade de Moçambique, é ainda hoje um porto comercial estratégico para a África que não se debruça sobre o mar. Malauí, Zimbabué e Zâmbia pescam no canal de Moçambique, atravessando estradas, desordenadas e sujas, pouco seguras, mas que ainda ostentam os sinais do passado colonial.

E, seguramente, a companhia portuguesa de Moçambique apostou na década de 1950 num desenvolvimento de «luxo». Frente ao mar. E assim nasceu o Grande Hotel Beira, que nos seus 116 quartos, piscina olímpica e jardins paradisíacos viu passar a História e morrer os sonhos. Dos colonizadores e dos colonizados. Demasiado custoso para a África.

E assim o encanto de toda aquela art déco, a partir de 1963, ano do seu encerramento, começou a morrer. Não obstante a História batesse ainda à sua porta. Em 1971, o casamento da filha de um ministro, e depois quartel-general para os homens da Frelimo (em luta com a Renamo) nos anos 1970, e depois a preciosa piscina olímpica utilizada pelos atletas da equipa nacional de pólo aquático. O maior hotel do continente não devia ser desperdiçado assim. Aqui não se deita fora nada. E do sonho dos ricos nasce uma outra história.

Grande Hotel Moçambique, 3000 lugares sentados, quartos com vista ou sem vista, quartos particulares sem luz, quartos particulares sem casa de banho, quartos particulares com vista total para a atmosfera. Para todos os gostos, vasta escolha de degradação. Fascinante se não se cresce e vive aqui. Hotel misterioso e horripilante, com tantas «presenças sombrias» que relatam as noites sem um fio de luz, os dias com as retretes a céu aberto que fazem acumular excrementos ao longo das escadarias.

E como sábias videntes, milhares de aranhas pretas e enormes, penduradas nos tetos. Miram e bamboleiam-se com a brisa do mar. Tranquilas, olham de alto a baixo aquela desumanidade que nem elas querem partilhar. Todos sabem que ali nada mudará. A elegante sala de jantar dos ricos, agora coberta por ripas e usada como morgue para os mortos que ninguém reclama. Aqui põem aqueles que se vão embora pela demasiada miséria, que aqui cada ano apaga muitas vidas. Aqui, vistas para o mar, canal de Moçambique, cada um tem as suas comodidades. Porta com número de quarto, luz e brisa marinha, «negócios» à porta de casa. E todavia, também aqui, esperanças e sonhos entram, iludem a imundície, vento e aranhas e relatam-se.

Olívia com os seus dois miúdos que não largam o pequeno pai natal de pano, sonha com uma pequena casa com casa de banho. José, o negociante improvisado que gostaria de descer aquelas escadas e abrir uma oficina. Sofia, nascida aqui, mas com vontade de conhecer o mundo e contá-lo. E depois Sara Jacinto, que faz de locutora, em direto da degradação, sonhando com a televisão. E Baltasar, barbearia Califórnia que, ecoando um dos Magos, distribui beleza por todos. E o ATL de Marcus para as dezenas de crianças penduradas nas varandas e janelas como as aranhas. Nunca foi tão vivo este lugar. Embora aqui tudo pareça uma guerra perene. Sempre entre ricos e pobres, que agora só um muro anônimo divide. Um muro que pertence à história do homem. E assim ainda hoje, a Beira, o bairro de quem tem poder e dinheiro está ali, além daquela barreira de cimento. Entre pobres que permanecem e ricos que se foram embora. Grande Hotel Beira, vistas para o mar, canal de Moçambique. Um luxo para muitos desesperados sonhadores.’

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