*Artigo
de César Thiago do
Carmo Alves, FMI (Pavonianos),
Mestre e
doutorando em Teologia Sistemática
pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e
Teologia (FAJE)
‘Com o Tempo do
advento novo ano se inicia na vida da Igreja Católica. A cada ano litúrgico a
liturgia apresenta um evangelista para ser meditado. Todos eles percorrem algum
itinerário teológico buscando apresentar o Evento Cristo para as suas
comunidades e, de algum modo, oferecer pistas para o fato cristão. Esse ano A o
convite feito é para trilhar o caminho da espiritualidade litúrgica com Mateus.
Ao longo dos quatro domingos que compõem o percurso do advento, a Liturgia da
Palavra, nos evangelhos, apresenta algum recorte do texto mateano para ajudar
as comunidades adentrarem na dinâmica do mistério celebrado, no intuito de que
elas possam se preparar para o Natal do Senhor. Esses são densos de teologia
que convidam a uma mistagogia por meio das personagens que aparecem. Desse
modo, pode-se perguntar o que elas podem ajudar na reflexão a respeito da
bendita espera do Filho de Deus que assumiu o nosso jeito humano e armou sua
tenda entre nós (cf. Jo 1,14).
Primeiro domingo :
Noé, o dilúvio e o Filho do Homem (Mt 24, 37-44)
A moldura desse
recorte é a parusia : ‘vigiai, portanto,
porque não sabeis em que dia vem vosso Senhor’ (v.42). A preocupação dessa
catequese de Mateus consiste em alertar a comunidade para ficar atenta à vinda
de Jesus. Ele virá como um ladrão (cf. vv.43-44). Para elaborar essa reflexão,
Mateus vale-se da figura de Noé e do evento do dilúvio. Desse modo faz uma
conexão com a literatura veterotestamentária.
Retomando Gn
6,11-23 e 7,11-25, que consistem no relato do dilúvio, o evangelista busca na
figura de Noé uma expressão para manifestar o que significa a vigilância e a
salvação. Noé era um homem justo, integro e andava com Deus (cf. Gn 6,9). Não
estava entre os que se perverteram (cf. Gn 6,9). Diante da perversão de toda a
terra, Deus resolve recriar a humanidade. Noé, por conta de sua conduta, foi
escolhido para essa recriação. Suas qualidades o colocaram numa postura de
vigilância. Essa não foi a mesma conduta de seus contemporâneos. De modo que,
ao vir o dilúvio eles não possuíram a mesma sorte de Noé. Essa dinâmica salvífica de Deus estabeleceu
com o salvado uma aliança. Um pacto de fidelidade em que ambas partes eram
chamadas a cumprir (cf. Gn 11,18).
Recriação,
salvação e aliança constitui a tríade que provoca a reflexão do leitor da
narração sobre o dilúvio. Ao retomar Noé, Mateus aponta para o que está
verdadeiramente em jogo no que diz respeito à espera do Filho do Homem. É nesse
Filho que novamente a humanidade é recriada, salva e com ela é estabelecida uma
nova e eterna aliança.
Segundo e Terceiro
domingos : A figura paradigmática de João Batista (Mt 3,1-12; 11,2-11)
O segundo e o
terceiro domingos do advento se concentram numa personagem : João Batista. Ele
é uma figura paradigmática. Um pregador judeu que convida à penitencia em vista
da conversão por conta da iminência da vinda do Reino de Deus (cf. Mt 3,1-2). É
proveniente do ambiente sacerdotal essênio e é conhecido fora das fontes
bíblicas. O historiador judeu do primeiro século, Flávio Josefo, atesta sua
existência. Os primeiros cristãos consideravam muito próximas as pregações de
João com a de Jesus. Mateus coloca na boca do Batista o tema central da
pregação de Jesus : a aproximação do Reino de Deus (v.2). A conversão apontada
por João consiste numa verdadeira metanóia. A metanóia conota uma mudança de
mentalidade. Como Mateus escreve com a mentalidade judaica, a metanóia para o
judeu é sûb, isto é, um retorno a Deus distanciando-se do pecado.
Mesmo com uma
certa pintura apocalíptica, João Batista em seu anuncio do Messias, na esteira
dos profetas do Antigo Testamento, porta uma esperança. Isso é notório quando
em sua boca é colocada a citação do Dêutero-Isaías (Is 40,3) na forma da
Septuaginta. O Dêutero-Isaías é o profeta da consolante boa notícia da
libertação e do retorno do exílio. Ele é muito importante para o ambiente do
Novo Testamento. Nesse sentido, o Batista é aquela Voz da Palavra Encarnada que
é a esperança de uma humanidade remida e salva.
João Batista rompe
com o paradigma judaico da salvação. Ousa apontar que ela não é hereditária ao
remeter a figura de Abraão (cf. Mt 3,9). Com isso a personagem João Batista
apresenta um tema fundamental de Mateus : também os pagãos podem ser salvos
(cf. Am 3,2; Dt 1,17;16,19; 2 Cr 19,17; At 10,34; Rm 2,11; Gl 2,6; Ef 6,4; Cl
3,25).
Pode-se dizer de
forma sintética que João Batista é um profeta. E ainda, mais que um profeta.
Isso é colocado na boca de Jesus em Mt 11,7-10 quando o catequista Mateus
reporta o testemunho entre João e Jesus. Ele é mais que um profeta pelo fato de
ser o mensageiro de Deus (cf. Ml 3,14; Esd 23,20). Como mensageiro, João vem
identificado com Elias (Cf. Mt 11,14).
Quarto domingo : José,
o justo e Maria, a virgem (Mt 1,18-24)
O quarto domingo
narra uma parte do evangelho da infância. Coloca em cena duas personagens :
Maria e José. No entanto, o protagonismo de José se evidencia na narração. Maria,
a virgem, concebe por obra do Espírito Santo (v.20). Ela iria gerar e dar à luz
um filho que seria o Emanuel (v.23). A intervenção de Deus no nascimento de
personagens escolhidas por Deus era uma tradição da fé de Israel (Isaac, Gn
18,11-14; Jacó, Gn 25,21; Samuel, 1Sm 1,4-20).
Ao narrar sobre a
figura de José, o evangelista apresenta o seu qualificativo. Ele era justo. Em
Dt 22,20-21 prescreve o que deveria ser feito com uma jovem cujas provas da
virgindade não fossem encontradas. Ela deveria ser levada até aporta da casa de
seu pai e ali os homens deveriam apedrejá-la até à morte. José decide ir na
contramão da legislação. Resolve repudiá-la em segredo (v.19). Desse modo, sua
justiça está em conexão com o respeito à vida e com a compaixão. O anjo do Senhor
em sonho explica a ele que Maria não é adultera (v. 20). Compreendendo o
projeto de Deus, José entra na dinâmica do plano da salvação. Isso se
manifestou pelo fato de agir conforme o anjo lhe havia orientado recebendo
Maria em sua casa (v.24). Isso demonstra sua adesão ao querer de Deus, numa
acolhida obediente.
Balanço
Durante os
domingos do advento as quatro personagens apontam para um elemento importante
no que diz respeito ao projeto de Deus para a humanidade : disposição em
acolher o querer de divino na vida. Noé, João Batista, Maria e José foram
abertos à proposta salvífica. Essa abertura resultou em ação. Não permaneceram
passivos diante do Projeto divino. Diante da iniciativa de Deus eles
responderam a partir dos contextos vividos. Recriação, salvação, aliança,
profetismo e abertura constituem palavras chaves no tempo do advento, motivados
por essas figuras apresentadas pelo evangelista Mateus. Ao contemplar essas
personagens as comunidades celebrantes são convidadas a percorrerem um caminho mistagógico
na espera do Senhor que vem e se questionarem sobre o como estão acolhendo o
projeto de Deus a partir dos mais diversos contextos, como o da pobreza e do
golpe à democracia no cenário brasileiro. Inspirando-se nessas figuras, é que
as comunidades clamam sem cessar : Maranata (Ap 22,20).’
Fonte :
* Artigo na íntegra http ://www.domtotal.com/noticia/1107786/2016/12/advento-um-caminho-pelas-personagens-do-evangelho-de-mateus/
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