*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘A Igreja Católica,
fiel ao Evangelho da Vida, em sintonia com segmentos religiosos e da sociedade
civil, trabalha para que a humanidade compreenda bem as palavras do Papa
Francisco : ‘Quero enfatizar com todas as
minhas forças que o aborto é um pecado grave, porque põe fim a uma vida humana
inocente. Com a mesma força, no entanto, posso e devo afirmar que não existe
nenhum pecado que a misericórdia de Deus não possa alcançar e destruir, ali
onde se encontra um coração arrependido’. Assim, há de se ter redobrado
cuidado com o risco das relativizações interpretativas que abrem caminhos
legislativos para ferir o dom absoluto da vida. É imprescindível legislar e
agir com o compromisso de tecer uma nova cultura da vida humana.
Desconsiderar esse
dever é provocar graves prejuízos, pois há um peso insustentável a carregar
quando as dinâmicas sociais, no âmbito legislativo ou mesmo nas interações
cotidianas, relativizam um compromisso que deve ser absoluto : defender a vida.
Eis a tarefa que é irrenunciável. Cada pessoa precisa promover a dignidade
humana. E isso significa, antes de tudo, reconhecer o direito inviolável à
vida, desde a fecundação até a morte natural. Assim, grave é a porta que se
abre com a recente decisão da Corte Suprema, no julgamento de um caso de
aborto, que pode desencadear mudanças drásticas no tratamento desse tema
delicado no horizonte mais amplo.
A interpretação da
letra legislativa não pode, em hipótese alguma, possibilitar a abertura para
atentados contra a vida, particularmente contra a vida de inocentes, o
abominável aborto. Não se pode ajustar legislações recentes e antigas
considerando apenas a busca por um simples sentido legal. É preciso precaver-se
da existente tendência a se considerar normais os crimes contra a vida. Nesse
cuidado, deve-se ponderar muito a respeito da situação atual, particularmente
da sociedade brasileira. Um contexto, indiscutivelmente, marcado por confusões
- que incluem a desarmonia entre os poderes que regem a sociedade e também os
amplos setores da opinião pública que chegam a justificar crimes contra a vida
em nome do direto à liberdade individual. Esses segmentos buscam não apenas a
impunidade, mas a autorização por parte do Estado para a prática do aborto, com
a colaboração gratuita dos serviços de saúde.
A Justiça não pode
ajudar a deteriorar a consideração sobre a vida e as relações entre as pessoas,
com alterações legais de consequências graves. Diante da sacralidade da vida, o
posicionamento interpretativo de um magistrado, por ser relativo, não pode ser
considerado irretocável. Há de se avaliar as aberturas e a constituição de
certos ‘direitos’ que fazem a
sociedade reconhecer legitimidade onde não existe. Opções, outrora consideradas
unanimemente criminosas, tornam-se, pouco a pouco, socialmente aceitas. O ordenamento jurídico, a medicina e os
outros setores todos devem, em primeiro lugar, defender a vida. Desconsiderar
essa obrigação deforma a face da humanidade, contribuindo para fortalecer uma
cultura da morte.
Urgente é retomar
valores morais que são basilares, com propriedades para evitar que a sociedade
afunde na corrupção, nos atentados criminosos contra a vida, desconsiderada em
seu sentido moral e espiritual. O respeito e a solidariedade devem aflorar
diante das vidas inocentes interrompidas a partir do aborto e da humilhação dos
pobres. Assim será possível estabelecer um novo contexto, legal e espiritual,
capaz de superar as ilusórias decisões de poucos, enjaulados nos limites próprios
de qualquer intérprete. Diante de seres humanos indefesos, espezinhados no seu
direito fundamental à vida, em particular as crianças não nascidas, o conjunto
da sociedade não pode se calar e deixar-se enganar por disfarces de progresso,
de liberdades e de organização. Todos precisam reconhecer: é irrenunciável a
luta pela reafirmação do valor e da inviolabilidade da vida humana. Esse é o
caminho da justiça, da verdadeira liberdade, da paz e da felicidade, via que
permite tecer a cultura de se acolher uma nova vida.’
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