segunda-feira, 4 de maio de 2015

Chilena adota bebês mortos para garantir enterro decente

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 *Artigo de Jane Chambers,
De Puerto Montt, Chile

‘Bernarda Gallardo já estava na fila para a adoção quando leu em um jornal que uma recém-nascida havia sido abandonada, morta, em um lixão. Ela continuou querendo adotar um bebê - mas, agora, queria um bebê morto.

A menina, que ela passou a chamar de Aurora, foi abandonada em um lixão em Puerto Montt, no sul do Chile, há 12 anos. Meses depois, Bernarda conseguiu adotar a menina e dar a ela um funeral decente.

Desde então, ela adotou e enterrou outros três bebês.

Um de seus objetivos é chamar atenção para a dificuldade de mães chilenas que não têm condições de ficar com os filhos - o aborto é proibido no país até mesmo em casos de estupro e os hospitais não têm um local onde os bebês possam ser deixados anonimamente.

A história de Bernarda começou em 4 de abril de 2003, quando o corpo de Aurora foi encontrado. Ele havia sido colocado em um saco de lixo preto e jogado na lixeira, que acabou indo parar no lixão.

Um dos catadores encontrou o corpo da menina, e Bernarda ficou horrorizada.

Imediatamente, decidiu dar um enterro decente ao bebê. Ela estava em processo de adoção de um bebê à época e, com isso, sentiu uma ligação com a história - este poderia facilmente ter sido o seu bebê, e ela queria fazer algo.

Se você ganha um bebê vivo, você dá roupa, alimenta, e coloca em um berço. Se o bebê chega morto, você precisa conseguir um caixão e dar a ele um enterro decente.’

Mas ela também sabe que muitas mães não querem ficar com os filhos, e até sente uma conexão com elas.

São mulheres jovens, muitas vezes meninas vítimas de estupro e incesto. Se foram estupradas pelo pai ou padrasto, elas têm muito medo de falar. Os estupradores normalmente são aqueles que sustentam a família’, diz.

Gallardo foi estuprada por um homem de seu bairro em 1976, quando tinha 16 anos.

Ela engravidou e teve o bebê - uma filha que criou sozinha.

Depois que fui estuprada, tive a sorte de conseguir superar com o apoio dos meus amigos. Mas, se eu tivesse ficado sozinha, talvez eu tivesse me sentido tão desamparada como elas’.

Que tipo de vidas essas mulheres têm para que estejam tão desesperadas a ponto de abandonar seus filhos?’, questiona.

Além de violência sexual, muitos bebês também são abandonados por causa da pobreza. ‘As mulheres simplesmente não pode sustentar uma criança’, diz.

É difícil estimar quantos bebês são jogados no lixo no Chile. Estatísticas oficiais apontam que são cerca de 10 por ano, mas o número pode ser muito maior - a maioria dos lixões é fechada ao público, e é possível que existam mais corpos que não são encontrados.

O desejo de Bernarda de fazer algo pelo bebê em Puerto Montt foi o início de um processo longo e burocrático.

Já no início, ela decidiu chamar a menina de Aurora. ‘Para mim, ela era um pequeno raio de luz que mostrava que a escuridão não era a única possibilidade.’

Mas conseguir enterrar Aurora não foi fácil. No Chile, de acordo com ela, se um corpo não é reclamado por um membro da família ele é classificado como dejeto humano e jogado fora com outros materiais hospitalares. Mas Bernarda conseguiu interceder antes que isso ocorresse.

Os médicos precisam provar que o bebê chegou a viver fora do útero da mãe para que ele possa ser registrado como um ser humano e ter direito a ser enterrado. Por isso, o corpo de Aurora teve que ser examinado.

Normalmente, os médicos preferem dizer que o bebê morreu no parto para proteger mães vulneráveis. O aborto é ilegal no Chile em todas situações, e se uma mãe for pega abandonando seu filho, mesmo se deixá-lo no hospital, ela pode pegar até cinco anos de prisão.

Bernarda também teve que adotar legalmente Aurora para poder enterrá-la, mesmo com a criança morta.

Inicialmente, o juiz encarregado do caso teve dúvidas sobre a intenção dela. Ele achava que Bernarda era a mãe biológica de Aurora e que queria enterrar o corpo porque estava se sentindo culpada após abandoná-la.

Mas ela o convenceu de suas boas intenções, e ele disse que era o caso mais estranho que ele já tinha visto, e que nunca ninguém no Chile havia adotado um bebê morto. Mas ele acreditava que ela estava fazendo a coisa certa.

Foram meses até conseguir todos os exames e vencer a burocracia, mas Bernarda finalmente teve permissão para levar o corpo de Aurora e enterrá-lo.

Quinhentas pessoas compareceram ao funeral - eles haviam acompanhado a história de Aurora pelo jornal local que publicou a primeira reportagem sobre o caso.

Bernarda disse que o clima era de uma grande festa de aniversário - uma celebração da vida de Aurora. Havia crianças, médicos, enfermeiras, a imprensa local, pessoas do interior e o juiz. Cantaram músicas e leram poemas sobre Aurora.

Para Bernarda, foi importante tantas pessoas terem ido a cerimônia. ‘Queria que a comunidade pensasse sobre o que estava acontecendo. Por que bebês estavam sendo abandonados para morrer quando havia ao menos quatro famílias prontas e esperando, nas condições certas, para adotar um bebê?

Em vez de matar os bebês, deem eles para adoção!


Manuel

Mas, no dia seguinte ao enterro de Aurora, outro bebê, desta vez um menino, foi achado morto no lixão. Bernarda ficou triste e não acreditava que todo seu esforço havia sido em vão.

À esta altura, ela já era conhecida regionalmente. As pessoas lhe diziam que ela havia feito a coisa certa com Aurora - e perguntaram o que ela faria sobre o menino.

Ela acabou decidindo colocar cartazes nos lixões de Puerto Montt dizendo ‘Não jogue bebês no lixo’, e lembrando que dois bebês haviam sido jogados ali em poucos meses - Aurora e Manuel.

Ela acha que, atualmente, as coisas estão diferentes, com mais informações sobre abuso doméstico e mais aconselhamento sobre planejamento familiar.

Mas ela acredita que a lei chilena ainda vitimiza as mulheres pobres ou que sofreram abuso.

Por coincidência, a história de sua própria família guarda ligação com bebês abandonados - sua bisavó foi encontrada na escada de um convento na Itália.

Bernarda quer que chilenas que não possam cuidar de seus filhos possam deixá-los em locais seguros para adoção - ela sugere áreas para isto em hospitais.

Nos 12 anos que passaram desde o enterro de Aurora, Bernarda adotou e enterrou outras três crianças - Manuel, Victor e Cristobal.

No momento, ela está tentando fazer a mesma coisa com outra menina, Margarita. Ela quer dar a eles ‘dignidade e um local para descansar em paz’.

A história de Bernarda inspirou um filme, Aurora, do diretor chileno Rodrigo Sepulveda. O longa, vencedor de prêmios, estreou no Chile no ano passado e está sendo exibido em festivais pelo mundo.

Com frequência, Bernarda visita os túmulos dos bebês e, às vezes, percebe que flores foram deixadas no local.

Para ela, podem ser as mães biológicas - que, agora, podem sofrer o luto sabendo que seus filhos estão descansando.

É um lugar em que elas podem ficar em paz com o que fizeram.’’


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