*Artigo de Jane Chambers,
De Puerto Montt, Chile
‘Bernarda
Gallardo já estava na fila para a adoção quando leu em um jornal que uma
recém-nascida havia sido abandonada, morta, em um lixão. Ela continuou querendo
adotar um bebê - mas, agora, queria um bebê morto.
A
menina, que ela passou a chamar de Aurora, foi abandonada em um lixão em Puerto
Montt, no sul do Chile, há 12 anos. Meses depois, Bernarda conseguiu adotar a
menina e dar a ela um funeral decente.
Desde
então, ela adotou e enterrou outros três bebês.
Um de
seus objetivos é chamar atenção para a dificuldade de mães chilenas que não têm
condições de ficar com os filhos - o aborto é proibido no país até mesmo em
casos de estupro e os hospitais não têm um local onde os bebês possam ser
deixados anonimamente.
A
história de Bernarda começou em 4 de abril de 2003, quando o corpo de Aurora
foi encontrado. Ele havia sido colocado em um saco de lixo preto e jogado na
lixeira, que acabou indo parar no lixão.
Um
dos catadores encontrou o corpo da menina, e Bernarda ficou horrorizada.
Imediatamente,
decidiu dar um enterro decente ao bebê. Ela estava em processo de adoção de um
bebê à época e, com isso, sentiu uma ligação com a história - este poderia
facilmente ter sido o seu bebê, e ela queria fazer algo.
‘Se você ganha um bebê vivo, você dá roupa,
alimenta, e coloca em um berço. Se o bebê chega morto, você precisa conseguir
um caixão e dar a ele um enterro decente.’
Mas
ela também sabe que muitas mães não querem ficar com os filhos, e até sente uma
conexão com elas.
‘São mulheres jovens, muitas vezes meninas
vítimas de estupro e incesto. Se foram estupradas pelo pai ou padrasto, elas
têm muito medo de falar. Os estupradores normalmente são aqueles que sustentam
a família’,
diz.
Gallardo
foi estuprada por um homem de seu bairro em 1976, quando tinha 16 anos.
Ela
engravidou e teve o bebê - uma filha que criou sozinha.
‘Depois que fui estuprada, tive a sorte de
conseguir superar com o apoio dos meus amigos. Mas, se eu tivesse ficado
sozinha, talvez eu tivesse me sentido tão desamparada como elas’.
‘Que tipo de vidas essas mulheres têm para
que estejam tão desesperadas a ponto de abandonar seus filhos?’, questiona.
Além
de violência sexual, muitos bebês também são abandonados por causa da pobreza. ‘As mulheres simplesmente não pode sustentar
uma criança’, diz.
É
difícil estimar quantos bebês são jogados no lixo no Chile. Estatísticas oficiais apontam que são
cerca de 10 por ano, mas o número pode ser muito maior - a maioria dos lixões é
fechada ao público, e é possível que existam mais corpos que não são
encontrados.
O
desejo de Bernarda de fazer algo pelo bebê em Puerto Montt foi o início de um
processo longo e burocrático.
Já
no início, ela decidiu chamar a menina de Aurora. ‘Para mim, ela era um pequeno raio de luz que mostrava que a escuridão
não era a única possibilidade.’
Mas
conseguir enterrar Aurora não foi fácil. No Chile, de acordo com ela, se um
corpo não é reclamado por um membro da família ele é classificado como dejeto
humano e jogado fora com outros materiais hospitalares. Mas Bernarda conseguiu
interceder antes que isso ocorresse.
Os
médicos precisam provar que o bebê chegou a viver fora do útero da mãe para que
ele possa ser registrado como um ser humano e ter direito a ser enterrado. Por
isso, o corpo de Aurora teve que ser examinado.
Normalmente,
os médicos preferem dizer que o bebê morreu no parto para proteger mães
vulneráveis. O aborto é ilegal no Chile em todas situações, e se uma mãe for
pega abandonando seu filho, mesmo se deixá-lo no hospital, ela pode pegar até
cinco anos de prisão.
Bernarda
também teve que adotar legalmente Aurora para poder enterrá-la, mesmo com a
criança morta.
Inicialmente,
o juiz encarregado do caso teve dúvidas sobre a intenção dela. Ele achava que
Bernarda era a mãe biológica de Aurora e que queria enterrar o corpo porque
estava se sentindo culpada após abandoná-la.
Mas
ela o convenceu de suas boas intenções, e ele disse que era o caso mais
estranho que ele já tinha visto, e que nunca ninguém no Chile havia adotado um
bebê morto. Mas ele acreditava que ela estava fazendo a coisa certa.
Foram
meses até conseguir todos os exames e vencer a burocracia, mas Bernarda
finalmente teve permissão para levar o corpo de Aurora e enterrá-lo.
Quinhentas
pessoas compareceram ao funeral - eles haviam acompanhado a história de Aurora
pelo jornal local que publicou a primeira reportagem sobre o caso.
Bernarda
disse que o clima era de uma grande festa de aniversário - uma celebração da
vida de Aurora. Havia crianças, médicos, enfermeiras, a imprensa local, pessoas
do interior e o juiz. Cantaram músicas e leram poemas sobre Aurora.
Para
Bernarda, foi importante tantas pessoas terem ido a cerimônia. ‘Queria que a comunidade pensasse sobre o que
estava acontecendo. Por que bebês estavam sendo abandonados para morrer quando
havia ao menos quatro famílias prontas e esperando, nas condições certas, para
adotar um bebê?’
‘Em vez de matar os bebês, deem eles para
adoção!’
Manuel
Mas,
no dia seguinte ao enterro de Aurora, outro bebê, desta vez um menino, foi
achado morto no lixão. Bernarda ficou triste e não acreditava que todo seu
esforço havia sido em vão.
À
esta altura, ela já era conhecida regionalmente. As pessoas lhe diziam que ela
havia feito a coisa certa com Aurora - e perguntaram o que ela faria sobre o
menino.
Ela
acabou decidindo colocar cartazes nos lixões de Puerto Montt dizendo ‘Não jogue bebês no lixo’, e lembrando
que dois bebês haviam sido jogados ali em poucos meses - Aurora e Manuel.
Ela
acha que, atualmente, as coisas estão diferentes, com mais informações sobre
abuso doméstico e mais aconselhamento sobre planejamento familiar.
Mas
ela acredita que a lei chilena ainda vitimiza as mulheres pobres ou que
sofreram abuso.
Por
coincidência, a história de sua própria família guarda ligação com bebês
abandonados - sua bisavó foi encontrada na escada de um convento na Itália.
Bernarda
quer que chilenas que não possam cuidar de seus filhos possam deixá-los em
locais seguros para adoção - ela sugere áreas para isto em hospitais.
Nos
12 anos que passaram desde o enterro de Aurora, Bernarda adotou e enterrou
outras três crianças - Manuel, Victor e Cristobal.
No
momento, ela está tentando fazer a mesma coisa com outra menina, Margarita. Ela
quer dar a eles ‘dignidade e um local
para descansar em paz’.
A
história de Bernarda inspirou um filme, Aurora, do diretor chileno Rodrigo
Sepulveda. O longa, vencedor de prêmios, estreou no Chile no ano passado e está
sendo exibido em festivais pelo mundo.
Com
frequência, Bernarda visita os túmulos dos bebês e, às vezes, percebe que
flores foram deixadas no local.
Para
ela, podem ser as mães biológicas - que, agora, podem sofrer o luto sabendo que
seus filhos estão descansando.
‘É um lugar em que elas podem ficar em paz
com o que fizeram.’’
Fonte :
* Artigo na íntegra de http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2015/05/150427_chilena_bebes_lab
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