* Artigo de José Rebelo,
Missionário Comboniano
As pessoas assumem um estilo de vida que não lhes deixa
tempo nem meios para darem a atenção devida aos outros e experimentarem a
alegria da dádiva.
‘Nas recentes eleições na África do
Sul, algumas aldeias da periferia da cidade de Tzaneen, na província de
Limpopo, uma das mais pobres do país, boicotaram o acto eleitoral e barricaram
as estradas de acesso a mais de duas dúzias de comunidades com os postes da
electricidade e pedras, para impedirem a actuação da comissão eleitoral. Razão
do protesto : reivindicar a construção de um centro comercial na zona! Nem mais
nem menos!
O episódio acaba por ser emblemático, a
vários títulos, da situação que o país (ainda) vive, em que se recorre com
facilidade à violência e destruição de propriedade pública, e ajuda a
compreender a fidelidade ‘inquestionável’
ao Congresso Nacional Africano : apesar dos escândalos financeiros que envolvem
vários membros do Governo, em especial o seu líder e presidente da República,
Jacob Zuma, e apesar do seu escasso desempenho, que leva as pessoas
frequentemente à rua, o ANC voltou a ganhar com uma folgada maioria absoluta.
O que, porém, mais me chamou a atenção
quando, pela primeira vez, ouvi a notícia do boicote na rádio foi a deriva
consumista que o país atravessa. O protesto é um direito e nas periferias as
populações têm seguramente razões de sobejo para se indignarem. Mas protestar
pela falta de um centro comercial desafia a imaginação. Está em sintonia com
uma tendência infeliz da nossa época : a pessoa define-se pelo que tem e
consegue comprar; e as aparências contam mais do que a verdade do ser. As
pessoas sentem-se valorizadas no acesso à feira das vaidades. Aos domingos,
podem vir à Missa de Mercedes e não ter uma pequena nota para pôr na bandeja.
Num livro que acaba de sair na
Inglaterra (The Good Life : Wellbeing and the New Science of Altruism,
Selfishness and Immorality), diz-se que o nosso instinto natural para o
altruísmo está a ser destruído pelas mudanças sociais e exigências da vida
moderna, que nos empurram para o egoísmo e a indiferença em relação aos outros.
A autora, a psicoterapeuta Graham Music, diz que ‘estamos a perder a empatia e a compaixão em relação ao resto da
sociedade’.
Music contesta a noção de que as
crianças nascem egoístas. Para sustentar a sua tese, refere-se a uma série de
experiências efectuadas no Instituto Max Planck, na Alemanha, em que um grupo
de crianças, com 15 meses de idade, foi colocado numa sala onde um adulto finge
que precisa de ajuda. Explica : ‘Há uma
tendência natural para ajudar. As crianças adoram ajudar, recebem uma
recompensa intrínseca só e exclusivamente por o fazerem, até que as começam a
recompensar por aquele comportamento com um brinquedo. O subgrupo de crianças
recompensado materialmente, rapidamente perde o interesse em ajudar. As
crianças não recompensadas – e que não sabem que as do outro grupo estão a
sê-lo – continuam a ajudar, satisfeitas, sem outra razão que não seja o mero
acto de ajudar.’
A autora diz que outros estudos têm
demonstrado que as crianças se sentem mais felizes a dar mimos do que a
recebê-los. Esta conclusão está na linha das palavras de adeus que São Paulo,
já prisioneiro e a caminho de Roma, dirige aos chefes da comunidade de Éfeso
reunidos em Mileto (Actos dos Apóstolos 20,35), em que afirma que Jesus mesmo
terá dito ‘que há mais alegria em dar do
que em receber’. Por outro lado, os dados da nossa própria experiência
confirmam também os méritos do altruísmo. Mas infelizmente, e cada vez mais, as
pessoas, no afã de mostrarem que não estão atrás das outras, assumem um estilo
de vida que nem sempre podem sustentar e que não lhes deixa nem tempo nem meios
para darem a atenção devida aos outros e experimentarem a alegria da dádiva.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EupEZlVEukGsUIsjpv
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