sexta-feira, 18 de julho de 2014

A alegria da dádiva

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

  * Artigo de José Rebelo,
Missionário Comboniano

As pessoas assumem um estilo de vida que não lhes deixa tempo nem meios para darem a atenção devida aos outros e experimentarem a alegria da dádiva.


‘Nas recentes eleições na África do Sul, algumas aldeias da periferia da cidade de Tzaneen, na província de Limpopo, uma das mais pobres do país, boicotaram o acto eleitoral e barricaram as estradas de acesso a mais de duas dúzias de comunidades com os postes da electricidade e pedras, para impedirem a actuação da comissão eleitoral. Razão do protesto : reivindicar a construção de um centro comercial na zona! Nem mais nem menos!

O episódio acaba por ser emblemático, a vários títulos, da situação que o país (ainda) vive, em que se recorre com facilidade à violência e destruição de propriedade pública, e ajuda a compreender a fidelidade ‘inquestionável’ ao Congresso Nacional Africano : apesar dos escândalos financeiros que envolvem vários membros do Governo, em especial o seu líder e presidente da República, Jacob Zuma, e apesar do seu escasso desempenho, que leva as pessoas frequentemente à rua, o ANC voltou a ganhar com uma folgada maioria absoluta.

O que, porém, mais me chamou a atenção quando, pela primeira vez, ouvi a notícia do boicote na rádio foi a deriva consumista que o país atravessa. O protesto é um direito e nas periferias as populações têm seguramente razões de sobejo para se indignarem. Mas protestar pela falta de um centro comercial desafia a imaginação. Está em sintonia com uma tendência infeliz da nossa época : a pessoa define-se pelo que tem e consegue comprar; e as aparências contam mais do que a verdade do ser. As pessoas sentem-se valorizadas no acesso à feira das vaidades. Aos domingos, podem vir à Missa de Mercedes e não ter uma pequena nota para pôr na bandeja.

Num livro que acaba de sair na Inglaterra (The Good Life : Wellbeing and the New Science of Altruism, Selfishness and Immorality), diz-se que o nosso instinto natural para o altruísmo está a ser destruído pelas mudanças sociais e exigências da vida moderna, que nos empurram para o egoísmo e a indiferença em relação aos outros. A autora, a psicoterapeuta Graham Music, diz que ‘estamos a perder a empatia e a compaixão em relação ao resto da sociedade’.

Music contesta a noção de que as crianças nascem egoístas. Para sustentar a sua tese, refere-se a uma série de experiências efectuadas no Instituto Max Planck, na Alemanha, em que um grupo de crianças, com 15 meses de idade, foi colocado numa sala onde um adulto finge que precisa de ajuda. Explica : ‘Há uma tendência natural para ajudar. As crianças adoram ajudar, recebem uma recompensa intrínseca só e exclusivamente por o fazerem, até que as começam a recompensar por aquele comportamento com um brinquedo. O subgrupo de crianças recompensado materialmente, rapidamente perde o interesse em ajudar. As crianças não recompensadas – e que não sabem que as do outro grupo estão a sê-lo – continuam a ajudar, satisfeitas, sem outra razão que não seja o mero acto de ajudar.

A autora diz que outros estudos têm demonstrado que as crianças se sentem mais felizes a dar mimos do que a recebê-los. Esta conclusão está na linha das palavras de adeus que São Paulo, já prisioneiro e a caminho de Roma, dirige aos chefes da comunidade de Éfeso reunidos em Mileto (Actos dos Apóstolos 20,35), em que afirma que Jesus mesmo terá dito ‘que há mais alegria em dar do que em receber’. Por outro lado, os dados da nossa própria experiência confirmam também os méritos do altruísmo. Mas infelizmente, e cada vez mais, as pessoas, no afã de mostrarem que não estão atrás das outras, assumem um estilo de vida que nem sempre podem sustentar e que não lhes deixa nem tempo nem meios para darem a atenção devida aos outros e experimentarem a alegria da dádiva.


Fonte  :
* Artigo na íntegra de http://www.alem-mar.org/cgi-bin/quickregister/scripts/redirect.cgi?redirect=EupEZlVEukGsUIsjpv



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