Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil
‘Os cristãos sabem que o exercício do poder somente tem
sentido autêntico, coerente com a sua fé, na medida em que representa um
serviço ao bem comum. Jesus, Mestre e Senhor, ajuda a humanidade a alcançar a
compreensão de que poder e serviço são indissociáveis quando proclama que veio
para servir - e não ser servido. O adequado exercício do poder não se relaciona
à conquista de espaços para obter favorecimentos de qualquer tipo. Menos ainda
quando esses favorecimentos levam à manipulação de interesses que comprometem
os direitos de todos, prejudicando, especialmente, os mais pobres. Assim,
compreende-se que uma grande tarefa dos cristãos na contemporaneidade é
capacitar-se sempre, e cada vez mais, para a experiência da reconciliação,
compreendendo o poder como serviço, e não motivo para disputas insanas. Não se
orientar, simplesmente, por ideologias e interesses, pois muitos estão na
contramão do respeito à vida plena, em todas as suas etapas. E não basta
defender uma parte dos valores cristãos. É dever missionário defender todo o
conjunto de princípios que se alicerçam nos ensinamentos de Jesus. Isto se faz
em fidelidade a Cristo Mestre e Senhor, aquele que não pode ser substituído, em
hipótese alguma, por outra pessoa qualquer.
Preocupante
nesse sentido é o crescimento de um cristianismo torto no Brasil, apontando
graves comprometimentos civilizatórios. É preciso estar atento às crescentes estratégias
de manipulação que promovem a mistura entre fé, política e religião,
obscurecendo e confundindo mentes, esvaziando as possibilidades reais de uma
nova configuração social que favoreça a justiça e a paz. Nessa direção, deve-se
refletir e ponderar sabiamente, para ter clareza de que seres humanos, no
exercício do poder, não são deuses, para se evitar a idolatria de indivíduos.
Ao invés disso, se reconheça a responsabilidade conjunta de todos os cidadãos
na (re)construção da sociedade, nos trilhos da justiça e da paz. As eleições
são importantes, essenciais na configuração da democracia, mas não esgotam a
responsabilidade de cada cidadão. Todos precisam seguir irmanados na permanente
tarefa de edificar uma sociedade melhor, o que inclui promover todo o conjunto
dos valores cristãos.
Precisam,
pois, ser enfrentadas, com reações cabíveis, sobretudo com a força de
autênticos testemunhos cristãos, as manipulações da fé, para que o Evangelho,
com a sua força transformadora, inspire a promoção da justiça e da paz. Não se
pode ‘esvaziar’ a espiritualidade cristã e o seu testemunho, sob o risco de
escolhas e posturas que não dão conta de configurar um qualificado tecido
social. Não se deve, pois, seguir apenas alguns valores e princípios cristãos,
mas pautar-se por todo o conjunto de valores e princípios sustentados pelo
Evangelho. O amplo respeito a esse conjunto precisa, especialmente, ser vivido
pelos cristãos, que caminham no horizonte do Reino de Deus, conscientes de que
aqui não há uma cidade permanente - todos buscam aquela cidade que há de vir,
cumprindo a insubstituível tarefa de fermentar o mundo com o sabor do
Evangelho. Essa consciência não permite aos discípulos e discípulas, nos
processos políticos de definição sobre o exercício do poder, se enjaularem na
parcialidade que prejudica a justiça e a paz.
É
preciso cuidado para evitar escolhas que atrasem os processos de
desenvolvimento integral impondo pesados fardos sobre os mais pobres. Ajuda
nesse cuidado meditar sobre a lúcida observação do Papa emérito Bento XVI, em
reflexão sobre a procura da paz. Bento XVI, ao focalizar o Estado de direito,
alerta sobre o risco de um poder exercido pela força da destruição dos próprios
direitos. Isto significa, conforme explica o Papa emérito, uma perversão enraizada
nas instituições que deveriam servir à justiça, mas que, simultaneamente,
consolidam o domínio da iniquidade, propriamente o domínio da mentira, com
força de obscurecer as consciências. Observe-se a importância desta tarefa
missionária dos cristãos : ter lucidez necessária para escolher, no seu direito
cidadão, a partir do voto, não simplesmente um indivíduo para o exercício do
poder, mas um conjunto de pautas com força civilizatória competente na
efetivação da justiça e da paz’
Fonte : *Artigo na íntegra
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