Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Mirticeli Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘Com o consistório realizado no último sábado (27), o
colégio de cardeais fica distribuído assim :
Dos
50 cardeais criados por João Paulo II, 11 são eleitores; os nomeados no
pontificado de Bento XVI somam 64, dos quais somente 38 estão aptos para votar
no próximo conclave; por fim Francisco, com 112, já conta com ampla maioria no
colégio de cardeais, reunindo 83 votantes. Ao todo são 226 cardeais, dos quais
132 terão a missão de eleger o próximo papa.
Na
constituição apostólica Romano Pontifici eligendo (1975), Paulo VI estabeleceu
que o número máximo de votantes não deve ultrapassar a marca de 120. Porém, é
normal que, a depender do ritmo do pontificado, os papas optem por exceder essa
quantidade. Isso porque eles pensam naqueles purpurados que completarão 80 anos
em breve. É o caso do hondurenho Óscar Maradiaga, que fará 80 anos em dezembro
deste ano, bem como do canadense Ouellet e do argentino Sandri que, em dois
anos, também terão essa idade, entre outros.
João
Paulo, por exemplo, havia criado 135. E seu sucessor, Bento XVI, 125 eleitores.
Ambos conseguiram, até o conclave, fechar a conta paulina.
Ou
seja, Francisco, com 132, já deixou o colégio de cardeais pronto para o próximo
conclave. Sem contar que dos eleitores criados por Bento XVI, 4, de maneira
mais explícita, estão alinhados a seu governo : Tagle (Filipinas), Béchara Raï
(Líbano), Aviz (Brasil) e Marx (Alemanha).
Na
homilia do dia 27, durante missa que integrou outros 20 novos cardeais ao
colégio cardinalício, o pontífice falou em expertise diplomática, recordando a
tendência (histórica) de eleger papas diplomatas após um pontificado mais
ousado/reformador/carismático como o dele. Foi um recado?
Não
sabemos. É uma dedução. Mas, certamente, como todo e qualquer Papa, ele prepara
o terreno para o sucessor. Seu substituto deverá governar a igreja com muita
destreza após todas as reformas que foram feitas e um pontificado que, sem
dúvida, ficará para a história. É uma responsabilidade e tanto.
Também
durante a missa, o pontífice argentino pediu aos purpurados que aprendam a ‘falar
tanto com os grandes quanto com os pequenos’. Citou o exemplo do cardeal
Agostino Casaroli, o diplomata vaticano que conseguiu, com muito custo, criar
uma rede de diálogo com a então U.R.S.S e de Văn Thuận,
o cardeal vietnamina que passou 13 anos na prisão
sob o regime comunista. Por causa dessa sua trajetória
heróica, Francisco o declarou venerável em 2017.
Não
é exagero falar em pré-conclave, uma vez que, com a idade avançada, Francisco
precisa seguir os protocolos próprios da instituição e estruturar, através da
convocação de consistórios, o próximo conclave. Nomear cardeais eleitores, no
ano em que ele conclui a reforma da cúria romana, a missão que lhe foi confiada
após sua eleição, é algo que está dentro da normalidade. Qualquer papa,
certamente, faria o mesmo. Bento XVI, por exemplo, que muito provavelmente já
refletia sobre sua renúncia à altura, convocou um consistório para a criação de
novos cardeais em 2012, meses antes de deixar o cargo.
Sem
contar que esse consistório extraordinário, realizado dias após o da eleição de
novos cardeais, foi uma oportunidade única para colocar em contato todos os
colegas de cardinalato. Houve número recorde de participação de cardeais dessa
vez : quase 200, a maior reunião de purpurados já realizada na era Francisco.
O
pontífice, que segue a sua ‘geopolítica das periferias’, concedeu o título a
muitas pessoas desconhecidas, que nunca sequer pisaram os pés em Roma. Criar
essa comunhão, essa proximidade, também é saudável para uma situação que não
sabemos se é iminente, mas que irá mais cedo ou mais tarde se impor : a de
pensar no substituto de Francisco. E, certamente, fica difícil encontrar um
candidato quando grande parte do ‘colégio eleitoral’ é formado por rostos dos
quais ‘só se ouve falar’. Francisco, quando foi eleito, não tinha somente um
currículo pastoral que o precedia, mas era conhecido por muitos como um bispo
que tinha uma visão muito profética de Igreja, e isso ficou evidente no
documento de Aparecida, do qual foi ‘redator-chefe’.
Jorge
Mario Bergoglio também foi eleito para recuperar a credibilidade da instituição,
principalmente após o escândalo do Vatileaks, que abalou o pontificado de Bento
XVI em 2012. A Igreja está disposta a pagar o preço e eleger alguém tão antagônico
a Francisco? Não creio. Mas um ‘meio termo’, sim. E talvez ele também queira
isso.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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