sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Por que o último consistório é um "pré-conclave"?

 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

*Artigo de Mirticeli Medeiros,

jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras

credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


Com o consistório realizado no último sábado (27), o colégio de cardeais fica distribuído assim :

Dos 50 cardeais criados por João Paulo II, 11 são eleitores; os nomeados no pontificado de Bento XVI somam 64, dos quais somente 38 estão aptos para votar no próximo conclave; por fim Francisco, com 112, já conta com ampla maioria no colégio de cardeais, reunindo 83 votantes. Ao todo são 226 cardeais, dos quais 132 terão a missão de eleger o próximo papa.

Na constituição apostólica Romano Pontifici eligendo (1975), Paulo VI estabeleceu que o número máximo de votantes não deve ultrapassar a marca de 120. Porém, é normal que, a depender do ritmo do pontificado, os papas optem por exceder essa quantidade. Isso porque eles pensam naqueles purpurados que completarão 80 anos em breve. É o caso do hondurenho Óscar Maradiaga, que fará 80 anos em dezembro deste ano, bem como do canadense Ouellet e do argentino Sandri que, em dois anos, também terão essa idade, entre outros.

João Paulo, por exemplo, havia criado 135. E seu sucessor, Bento XVI, 125 eleitores. Ambos conseguiram, até o conclave, fechar a conta paulina.

Ou seja, Francisco, com 132, já deixou o colégio de cardeais pronto para o próximo conclave. Sem contar que dos eleitores criados por Bento XVI, 4, de maneira mais explícita, estão alinhados a seu governo : Tagle (Filipinas), Béchara Raï (Líbano), Aviz (Brasil) e Marx (Alemanha).

Na homilia do dia 27, durante missa que integrou outros 20 novos cardeais ao colégio cardinalício, o pontífice falou em expertise diplomática, recordando a tendência (histórica) de eleger papas diplomatas após um pontificado mais ousado/reformador/carismático como o dele. Foi um recado?

Não sabemos. É uma dedução. Mas, certamente, como todo e qualquer Papa, ele prepara o terreno para o sucessor. Seu substituto deverá governar a igreja com muita destreza após todas as reformas que foram feitas e um pontificado que, sem dúvida, ficará para a história. É uma responsabilidade e tanto.

Também durante a missa, o pontífice argentino pediu aos purpurados que aprendam a ‘falar tanto com os grandes quanto com os pequenos’. Citou o exemplo do cardeal Agostino Casaroli, o diplomata vaticano que conseguiu, com muito custo, criar uma rede de diálogo com a então U.R.S.S e de Văn Thun, o cardeal vietnamina que passou 13 anos na prisão sob o regime comunista. Por causa dessa sua trajetória heróica, Francisco o declarou venerável em 2017.

Não é exagero falar em pré-conclave, uma vez que, com a idade avançada, Francisco precisa seguir os protocolos próprios da instituição e estruturar, através da convocação de consistórios, o próximo conclave. Nomear cardeais eleitores, no ano em que ele conclui a reforma da cúria romana, a missão que lhe foi confiada após sua eleição, é algo que está dentro da normalidade. Qualquer papa, certamente, faria o mesmo. Bento XVI, por exemplo, que muito provavelmente já refletia sobre sua renúncia à altura, convocou um consistório para a criação de novos cardeais em 2012, meses antes de deixar o cargo.

Sem contar que esse consistório extraordinário, realizado dias após o da eleição de novos cardeais, foi uma oportunidade única para colocar em contato todos os colegas de cardinalato. Houve número recorde de participação de cardeais dessa vez : quase 200, a maior reunião de purpurados já realizada na era Francisco.

O pontífice, que segue a sua ‘geopolítica das periferias’, concedeu o título a muitas pessoas desconhecidas, que nunca sequer pisaram os pés em Roma. Criar essa comunhão, essa proximidade, também é saudável para uma situação que não sabemos se é iminente, mas que irá mais cedo ou mais tarde se impor : a de pensar no substituto de Francisco. E, certamente, fica difícil encontrar um candidato quando grande parte do ‘colégio eleitoral’ é formado por rostos dos quais ‘só se ouve falar’. Francisco, quando foi eleito, não tinha somente um currículo pastoral que o precedia, mas era conhecido por muitos como um bispo que tinha uma visão muito profética de Igreja, e isso ficou evidente no documento de Aparecida, do qual foi ‘redator-chefe’.

Jorge Mario Bergoglio também foi eleito para recuperar a credibilidade da instituição, principalmente após o escândalo do Vatileaks, que abalou o pontificado de Bento XVI em 2012. A Igreja está disposta a pagar o preço e eleger alguém tão antagônico a Francisco? Não creio. Mas um ‘meio termo’, sim. E talvez ele também queira isso.


Fonte : *Artigo na íntegra

https://domtotal.com/noticias/?id=1587449

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