Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Papa Francisco em entrevista à CNN Portugal, em 2022 | Reprodução/CNN Portugal
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa
da Santa Sé
‘O Papa Francisco, sempre muito acessível à imprensa,
concede entrevistas aos jornalistas do mundo todo. E faz questão de recebê-los
no prédio onde vive (Casa Santa Marta) e contribuir para que a conversa flua da
maneira mais descontraída possível. O pontífice, que não é muito fã de
protocolos, nem sequer exige que as perguntas sejam enviadas com antecedência.
Afinal, se ele fizesse o contrário, não seria Francisco. É por isso que muitos
jornalistas se sentem à vontade até para tratar de assuntos espinhosos durante
esses colóquios. Foi numa dessas entrevistas, inclusive, que ele rebateu as
especulações em torno da sua renúncia.
A
última entrevista que ele concedeu foi à CNN de Portugal, cujos trechos foram
publicados recentemente pela emissora. Ao ser questionado se irá a Portugal em
2023 para conduzir a Jornada Mundial da Juventude, respondeu em tom
bem-humorado :
‘O
Papa vai. Ou eu ou João XXIV’.
Claro
que foi somente mais uma piada do Papa Francisco, mas analisando-a de ‘maneira
técnica’, precisamos fazer algumas considerações :
Francisco
nunca escondeu sua admiração por João XXIII, a quem canonizou por ‘equipolenza’,
quando o pontífice dispensa o candidato aos altares do milagre necessário para
a canonização. Neste caso, as leis da igreja estabelecem que essa exceção pode
ser aplicada se ‘houver a prova da constância e da antiguidade do culto ao
candidato a santo, o atestado histórico incontestável de sua fé católica e
virtudes, e a amplitude de sua devoção’. O pontífice argentino fez o mesmo com
José de Anchieta, que foi canonizado em 2014.
No
início do pontificado, por causa da exortação apostólica Evangelii Gaudium,
publicada em 2013, que se tornou o programa de governo de Francisco, muitos
diziam que seu pontificado evocava o de Paulo VI. Mas ficou evidente,
principalmente após ele ter anunciado que faria reformas, que ele imprimiria
uma marca ‘joanina’ em seu papado. Dito e feito.
A
sinodalidade, sobre a qual foram construídas as bases da igreja primitiva,
inclusive em relação à própria doutrina, foi evidenciada já no anúncio do
Concílio Vaticano II, em 1959. Segundo as palavras do papa bom, seria um
concílio em prol ‘da unidade e da graça’. E, de fato, o Vaticano II foi o
concílio com maior participação de bispos da história do catolicismo. Não
existiam ‘forças antagônicas’ querendo acabar com a Igreja, como muitos,
falsamente, o interpretam. A constituição sobre a reforma litúrgica, por
exemplo, recebeu quase 90% de aprovação dos participantes.
O
pontificado de Francisco bebe da fonte do pontificado de João XXIII, sem sombra
de dúvidas. E, como enunciamos aqui, não é capricho de Francisco focar nesse
tema. Na verdade, ele recorre à própria Tradição, com T maiúsculo, quando
impulsiona a igreja nessa direção.
Como
todo Papa, o pontífice argentino tem escolhido cardeais alinhados ao seu
governo. As suas nomeações seguem, principalmente, o critério da sinodalidade.
Se a Igreja é universal, os colaboradores do Papa precisam estar em todos os
lugares.
Nos
melhores sonhos de Francisco, é certo que um ‘João XXIV’ seria o ideal para dar
continuidade a seu programa de reforma. Na verdade, ele está trabalhando para
isso. Por outro lado, ele também é consciente que a instituição, a depender ‘dos
sinais dos tempos’, pode avaliar o contrário. Pelo menos até agora, em era contemporânea,
a máxima do ‘papa certo para o tempo certo’ se adequa em muitas situações.
Isso
porque os católicos, representados pelos cardeais no conclave, não querem mais
um ‘monarca’, mas um pastor, e de preferência santo. E quem continua apegado
aos vícios da corte renascentista, como esses católicos ligados ao
tradicionalismo cismático e à religiosidade estética, não entenderam que a
Igreja Católica, sem apartar-se da história e da Tradição (com T maiúsculo) que
a fundamentam, se esforça para ser um promotora de sentido num mundo que busca
reorientar-se.’
Fonte : *Artigo na íntegra
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