Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
das Irmãs de São José de Chambèry
‘Coordenar a gestão de um dormitório paroquial
significa ver tantas realidades. As minhas experiências anteriores de
voluntariado com os desabrigados provavelmente focalizaram-se mais em encontrar
‘estratégias’ para os abordar e no pouco que lhes podia dar : algo para comer,
beber, e algumas escassas palavras de conforto e encorajamento, juntamente com
informações úteis ou supostamente tal.
Dormitório ‘Bom Samaritano’
A
gestão de uma instalação de baixo limiar, no entanto, apresenta desafios
bastante diferentes. É uma questão de pôr de lado até as melhores intenções
para dar lugar à vida daqueles que acolhemos e de permanecer anunciadores da
esperança cristã, apesar da impotência a que tantas vezes estamos expostos. O
nosso dormitório ‘Bom Samaritano’, que funciona na paróquia de San Rocco em
Ravenna, enfrenta o desafio diário de lidar com a resignação e a perda de
significado.
É
muito impressionante ver a procura contínua de acolhimento por parte de jovens
imigrantes, que se encontram no limbo da espera de documentos e da inserção nos
CAS (Centri di Accoglienza Straordinari [Centros de Acolhimento
Extraordinários]) cada vez mais lotados. Ravenna não está na rota do fluxo
migratório, mas correu rumores de que a Questura é rápida com os documentos
(informação inexata) e muitos seguem este caminho para chegar mais cedo ao seu
objetivo de se legalizar na Itália, mas encontram-se perante longas esperas (de
2 a 8 meses, em média) sem trabalho, alojamento nem dinheiro, por outras
palavras, na rua.
Igualmente
numerosa é a presença de pessoas que sofrem de perturbações mentais e
dependências, que não encontram uma rede de proteção adequada, nem familiar nem
de saúde, e assim acabam por entrar e sair de dormitórios como o nosso. As
nossas pequenas instalações, que na época da Covid podem acomodar até 15 homens
e 3 mulheres, enfrentam assim desafios muito maiores do que elas.
Com
frequência, questiono-me sobre o que significa viver o anúncio do Evangelho
dentro deste dormitório, no qual se precisa de determinação, atenção aos
detalhes e uma visão global, cuidado nas relações com as instituições públicas,
conhecimento do território e dos seus recursos, e consciência dos próprios
limites, tanto pessoais como no próprio acolhimento, sem se prender a ‘mania de
salvador’ nem a desânimos. Com efeito, também nós temos de fazer escolhas
difíceis, como recusar algumas pessoas perante atos de agressão ou violações
graves das regras internas, ou dizer ‘não’ à receção, reconhecendo que não
estamos à altura de lidar com as dificuldades vividas pelos nossos hóspedes. De
facto, não compete a nós - pequena estrutura, fundada há mais de 20 anos pelo
padre Ugo Salvatori, que foi um presbítero da Diocese de Ravenna-Cervia, e
dirigida por voluntários - assumir por nossa conta o drama destas pessoas.
As
administrações com as quais procuramos trabalhar em rede acabam muitas vezes
por confiar em realidades como a nossa para responder em caso de emergência a
situações que deveriam ser reconhecidas como direitos. Sabe-se bem que há falta
de recursos econômicos e de pessoal para acompanhar os casos; há falta de
instalações adequadas para acomodar pessoas com necessidades de saúde e
habitação. O tempo burocrático necessário para regularizar a presença de
imigrantes no nosso país é demasiado longo e incerto... Por todas estas razões,
não é suficiente dar-lhes uma cama e um duche, embora isto seja já tudo o que
precisam para sair das ruas e do desespero. Precisamos de ser a voz daqueles
que não têm voz na nossa sociedade ocidental, chamando a atenção das instituições
e da opinião pública para que, recordar os últimos, não seja apenas um slogan
de campanha eleitoral, mas uma exigência de civilização, até antes da caridade.
Caridade e esperança
cristã
Como
cristãos, não podemos contentar-nos com uma política que utiliza símbolos
religiosos quando necessário, mas devemos ser exigentes e pleitear que os
programas e as escolhas administrativas resultantes respondam às necessidades
reais das pessoas, e especialmente dos mais débeis. Caridade e esperança
cristã, do ponto de vista que me é oferecido por este pequeno dormitório
paroquial, não podem ser satisfeitas com o pouco que podemos fazer, precisamos
de uma consciência ativa e crítica que sinta o imperativo de promover a justiça
social e se comprometa com escolhas concretas, para exigir que os últimos não
sejam instrumentalizados e depois novamente esquecidos. Como Igreja, devemos
exigir que os nossos valores fundadores não sejam recordados para criar
divisões entre aqueles que podem ou não ter acesso aos sacramentos, mas que
sejam consistentemente realizados em escolhas políticas e sociais que promovam
uma sociedade na qual cada mulher e cada homem sejam reconhecidos na dignidade
de pessoa.
Como
afirmou o cardeal Matteo Zuppi, presidente da Conferência Episcopal Italiana,
no seu agradecimento ao presidente cessante Draghi, «devemos pensar no
sofrimento das pessoas e garantir respostas sérias, não ideológicas ou
enganosas, que indiquem, se necessário, sacrifícios, mas deem segurança e
razões de esperança»; «o confronto político fundamental não deve carecer de
respeito e deve ser marcado pelo conhecimento dos problemas, por visões comuns
sem astúcia, com paixão pelos assuntos públicos e sem agonismos aproximativos
que tendem apenas para um posicionamento personalista mesquinho e não para
resolver as questões».’
Fonte : *Artigo na íntegra
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