Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, MG
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
‘Perguntas contam decisivamente na definição de rumos e
nos discernimentos para escolhas que incidem sobre a vida. Perguntar é tão
essencial quanto responder bem. Por vezes, conta mais a clarividência da
pergunta – capaz de contribuir para a lucidez decisiva da resposta. Para onde
se caminha? Uma interrogação que precisa incidir nas dimensões pessoal,
familiar e social. A resposta revela valores escolhidos, princípios respeitados
e práticas comportamentais inspiradoras. Não se pode caminhar por qualquer via
ou direção. A irresponsabilidade na definição do percurso a ser seguido pode
levar a prejuízos pesados que demandam, além de longo tempo, muitos esforços e
investimentos para superar fracassos. Para onde se caminha? Questão que incide
diretamente na existência humana, configurando rumos e consequências. Essa
pergunta remete à responsabilidade de cada pessoa na configuração de uma
adequada resposta.
Reagir
à interpelação - Para onde se caminha? – é tarefa cada vez mais difícil,
considerando, dentre outros, os riscos que surgem com a cultura tecnológica.
Há, por exemplo, uma expressiva disseminação de notícias falsas - a mentira
passando-se por verdade. Sabe-se ainda que o ambiente digital é também lugar
onde muitos espalham o ódio, ou buscam construir a própria imagem, alcançar
reconhecimento, pela destruição perversa da inteireza moral de seu semelhante.
Deixa-se de lado o compromisso com a verdade para se esconder em um covarde
anonimato, buscando propagar juízos destrutivos. Perde-se o compromisso com o
bem do outro, o bem de todos. No lugar desse compromisso, torna-se cada vez
mais habitual a perversidade de quem vê no semelhante um concorrente. Uma visão
equivocada, pois todos são operários na mesma vinha, cujos frutos e abundância
dependem da cooperação mútua e da participação criativa de cada um.
Nessa
crescente tendência de se buscar destruir o outro, com quem se diverge, cai em
desuso a pergunta feita por Jesus Mestre aos acusadores da mulher adúltera.
Jesus, com a sua pergunta, indicou que jogasse a primeira pedra quem não
tivesse pecado. O questionamento do Mestre alcançou efeito estupendo pois fez
com que todos saíssem, um a um, certamente convictos de seus próprios limites.
Uma lição que precisa ser aprendida na contemporaneidade, pois rumos sombrios
são tomados quando não se pensa na edificação do semelhante : é preciso zelar
pela convivência humana e cidadã. O compromisso com esse zelo inclui muitos
exercícios, inclusive uma reflexão cotidiana a partir dessa pergunta : para
onde se caminha? Pode-se caminhar na direção das ‘sombras de um mundo fechado’,
ou buscar gerar um ‘mundo aberto’, como nos diz o Papa Francisco, nos capítulos
primeiro e terceiro de sua Carta Encíclica, Fratelli Tutti, sobre a amizade
social. Somente se pode caminhar adequadamente, em direção a metas frutuosas
quando o ser humano compreende que só pode alcançar a sua plenitude na sincera
oferta de si mesmo.
A
alegria de viver apenas se efetiva quando são encontrados rostos para amar.
Esse encontro é remédio que cura preconceitos e discriminações, ódio e
indiferenças. Caminhar-se-á na direção de um ‘mundo aberto’ na medida em que
vínculos são criados em comunhão e fraternidade, realidades mais fortes que a
morte. Por isso, as relações interpessoais precisam ganhar amplitude para além
dos territórios da própria família ou de pequenos grupos. O Papa Francisco fala
de uma espécie de lei de êxtase – ‘sair de si mesmo para encontrar nos outros
um acrescentamento de ser’. E lembra : ‘A partir da intimidade de cada coração,
o amor cria vínculos e amplia a existência, quando arranca a pessoa de si mesma
para o outro’.
Reconhecer,
a partir da racionalidade e da espiritualidade, o valor único do amor é
essencial para bem responder a esta pergunta : para onde se caminha? Há de se
investir na constituição de uma estatura espiritual e humana que seja medida
pelo amor. Assim, podem ser corrigidos descompassos, reorganizados raciocínios
e redefinidas posturas, superando o que descompassa a vida e as limitações do
viver humano. Consequentemente, encontra-se a cura para a enganosa perspectiva
que leva tantas pessoas a pautarem a própria conduta considerando que a vida se
resume à disputa por interesses. Uma visão distorcida que faz prevalecer o
confronto – uns contra os outros, o tempo todo. A solidão, os medos e
inseguranças, que são também consequências dessa perspectiva equivocada, levam
a um caos insuportável. Para onde se caminha? Uma interrogação que não pode ser
tratada de qualquer maneira, pois remete a responsabilidades cidadãs
importantes, ao compromisso de cada um para que a humanidade tome novo rumo, a
partir do encontro de qualificadas respostas.’
Fonte : *Artigo na íntegra