*Artigo
de Dom Pedro Cunha Cruz,
Bispo diocesano da Campanha, MG
‘A
ética, na sua definição mais elementar, significa ciência dos costumes ou modo
habitual de proceder. É a reflexão sobre as ações humanas como tais. Ela visa
sempre orientar o ser humano a agir segundo o bem. O bem constitui, por assim
dizer, o seu foco objetivo. O bem que é capaz de dar sentido e valor à vida, na
medida em que ele se torna o objeto do agir e da realização do sujeito. Parece
uma ousadia em uma cultura marcada por uma forte autonomia do sujeito, repropor
o tema do Ethos às consciências que buscam respostas e sobrevivência em um
momento trágico e sem precedente da nossa história. Ser o sujeito e não o
objeto do próprio destino sempre pareceu um plano ou sonho a ser atingido, como
ideal de uma vida moral emancipada e emancipante. A sede de uma total
subjetividade seria capaz de nos orientar na escolha do bem em uma sociedade
líquida, ferida, insatisfeita e inquieta consigo mesma?
É a
partir desta questão que deve emergir um Ethos futuro, pautado na redescoberta
de nossa identidade aberta ao outro. No atual período de ‘clausura’
temos sentido a falta do outro que, mesmo estando fisicamente distante de nós,
está sempre no horizonte do nosso pensamento, confirmando que somos ser para o
outro. De fato, o homem é um ser de relação. O ser humano foi criado para o
encontro com o outro e com o totalmente Outro. O encontro só é possível sob a
condição de um estar de frente. Esse é o nosso Ethos; como bem enfatiza o Papa
Francisco ao falar da cultura do encontro. Trata-se de uma ética do encontro
livre e consciente, construída na relação interpessoal. É a ética da humanidade
plena do ser humano que necessita, mais do que nunca, edificar o seu amanhã.
Portanto, ela supõe a realização de uma construção moral capaz de revelar
plenamente o ser humano e de ajudá-lo a realizar-se, como bem refletiu o
célebre teólogo Romano Guardini.
Quando
emerge no mundo de nossa consciência a exigência de uma melhor convivência
humana, então surge uma nova ordem moral, um novo Ethos. Neste aflora não o
domínio conflitivo sobre o outro, pautado no frenesi do ser mais ou ter mais;
mas na força do encontro, da comunhão com o outro no despojamento do eu para o
tu, tornando possível a vida humana como um viver juntos na busca de um mesmo
ideal que transcende raças, línguas, nações e condição social.
O
mistério dramático e invisível da praga, da dor e da morte, de repente, uniu
toda a humanidade em um só Ethos : o de pensar a vida como dom e compromisso,
como o existir um para o outro, onde a regra suprema é o amor e a comunhão
fraterna universal. Não avançar nesse itinerário, significa enveredar na
planície da solidão, onde perderemos o ponto de referência existencial e o
valor infinito da pessoa. Tal é o dinamismo racional da vida. ‘A tempestade
nos mostra que não somos autossuficientes, que sozinhos afundamos. Por isso,
devemos convidar Jesus a embarcar em nossas vidas. Com Ele a bordo, não
naufragamos, porque esta é a força de Deus : transformar em bem tudo o que nos
acontece, inclusive as coisas negativas. Com Deus, a vida jamais morre’
(Papa Francisco, Hora Santa. Vaticano, 27/03/2020).
Por
fim, se não sairmos melhores depois deste mal que assola todo o mundo, sem
nenhuma dose de pessimismo, confirmaremos a globalização da indiferença, pelo fato de não colocarmos mais o
outro na dimensão relacional do nosso ser; mas também, por confirmarmos que
desaprendemos a aprender as lições da nossa história. Prefiro acreditar, com
otimismo e esperança, numa humanidade renovada e apontada para um novo destino
pós-pandêmico. A vida voltará a florescer com toda força. O amor fará a vida
vencer. E, assim, esperamos o surgimento de um novo Ethos, isto é, de um ser
mais humanizado; onde todos se sentirão membros de uma só família.’
Fonte
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