quinta-feira, 2 de abril de 2020

A quaresma que se prolonga

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Quando aquilo que nos entretém no confinamento ficar enfadonho, talvez seja a hora de darmos uma chance ao silêncio para ler os sinais dos tempos
*Carlos César,
graduado em Relações Internacionais


‘Em nossa caminhada de fé cristã, a quaresma é um tempo oportuno que nos prepara para a grande celebração da festa da Páscoa. Acontece que, em virtude da pandemia do coronavírus, a nossa quaresma se fundiu com a quarentena que se nos impõe neste momento. A quaresma acabará daqui alguns dias, o distanciamento social a qual estamos submetidos ainda não sabemos até quando durará. O Vaticano emitiu um decreto reiterando que a data da Páscoa permanece inalterada, porém, dadas as circunstâncias, os bispos e padres estão orientados a celebrarem os ritos da Semana Santa sem a participação do povo e em local adequado.

A pandemia, com sua força, tem mudado muita coisa ao nosso redor : desde as nossas relações sociais à nossa fé. Mas ela tem mudado, sobretudo, a nós mesmos e o modo como vemos o mundo. Neste tempo de isolamento um misto de assombro, preocupação e incerteza toma conta da gente. Porém, a fé e a esperança podem ser uma forma de lutar contra o vírus do medo. A informação e a confiança na ciência e nas autoridades sérias, por sua vez, tornam-se uma forma imprescindível de lutar contra o vírus da ignorância. Muitas vozes surgem em tempos de crise e precisamos estar atentos para ouvir as mais corretas. 

Esse momento que vivemos é de incerteza e nos assusta. Dele ninguém tem escapado. Ele assusta porque põe diante de nós uma enfermidade que tem nos questionado como há muito tempo não se via. Vemos escancarar diante de nós a falência de muitos dos nossos esquemas sociais, políticos, religiosos, sanitários e até afetivos. Estamos diante de um vírus que esbarra em tudo aquilo que possuímos e consideramos valioso : nossa família, nossos amigos, nosso corpo, nossa saúde, nosso conhecimento, nosso trabalho, nosso estudo, nossas viagens, nossos projetos, nossas relações e mais uma infinidade de coisas. E quanto mais nos questiona, mais toca em realidades que fomos acostumando a fugir delas : a dor, a morte, a dependência, a solidão, o ócio, a limitação, o desconhecido, o silêncio... A experiência nos mostra que aquilo de que fugimos, mais cedo ou mais tarde nos pega de algum jeito e aí somos quase que obrigados a acolher e a dar uma resposta. E esse é o tempo em que respostas têm sido forjadas e exigidas a todo momento.

Na medida em que o tempo passa e a nossa quarentena for se estendendo, vai chegar a hora em que cairemos na conta de que muito daquilo que nos entretém agora começará a se tornar rotineiro, quase enfadonho. Sejam os memes divertidos ou as incontáveis lives. Quando esse momento chegar talvez seja a hora de darmos uma chance ao silêncio para ler os sinais dos tempos e buscar a força e esperança necessárias para continuar lutando. Quando esse momento chegar lembraremos do deserto quaresmal e quem sabe aí descobriremos mais sobre nós mesmos e sobre aquilo e Aquele que nos sustenta de verdade em tempos de crise. Que não tenhamos medo de quando isso acontecer.

Certamente, quando tudo isso passar daremos mais valor a muita coisa que antes nos era demasiado corriqueiro ou quase banal : um encontro, um abraço, os amigos do trabalho, o trabalho, a faculdade, a família, ou até mesmo aquela velha missa de domingo. Enfim, ao final de tudo isso não seremos mais os mesmos.

Em tempo de corona vírus todo o amor que temos por nós e pelos outros e toda a fé que temos em Deus e na ciência nos pedem que fiquemos em casa em sinal de cuidado consigo e com os demais. O amor em casa é sempre o amor das pequenas coisas, por isso tão exigente. Mas não podemos nos furtar dele.

Como dito, a quaresma se encerrará dentro de poucos dias. As práticas quaresmais que pensávamos que acabariam serão estendidas pela quarentena. O nosso jejum, a nossa caridade e a nossa oração deverão continuar, por uma questão de sobrevivência do corpo e da alma. Mas ao final, quando chegar a Páscoa, seja no calendário cristão seja no anúncio do fim da pandemia teremos aprendido muita coisa. As nossas prioridades, as nossas relações, os nossos posicionamentos serão todos repensados. E isso é Páscoa, passagem, mudança, vida nova.

Por fim, cabem aqui as palavras de santo Atanásio, um bispo do século IV, que ao comentar sobre a Páscoa, disse que ela ‘nos sustenta no meio das aflições que encontramos neste mundo e, por ela Deus nos concede a alegria da salvação e nos faz amigos uns dos outros, pois, ela nos conduz a uma única assembleia, unindo espiritualmente a todos em todo lugar, fazendo o milagre de sua bondade que congrega nesta festa os que estão longe e reúne na unidade da fé os que, porventura, se encontram fisicamente afastados.’

Boa quaresma. Bom isolamento. Feliz Páscoa.’


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