sexta-feira, 3 de abril de 2020

Em tempo difícil, como vai nosso cristianismo?


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Papa Francisco caminha na praça de São Pedro durante a Urbi et Orbi extraordinária, no último dia 27.
Papa Francisco caminha na praça de São Pedro durante a Urbi et Orbi extraordinária, no último dia 27

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘Pela primeira vez na história, desde o surgimento da televisão, as redes de comunicação são o único meio que os fiéis têm para acompanhar uma missa em várias partes do planeta. A pandemia interferiu até na maneira como nos reportamos ao sagrado. Basta dar o ‘play’ para entrar em contato com o divino. A comodidade de um clique que se une ao incômodo de não poder ter o acesso material aos sacramentos.

Porém, caros amigos, não é o fim do mundo. A eucaristia, como sabemos, transcende o próprio ato de comungar. Quando Jesus instituiu a eucaristia, o fez num contexto de sacrifício, de acordo com a tradição católica. E é hora de nos perguntarmos se, enquanto seguidores do mestre, estamos dispostos realmente ao sacrifício. Não existe mais essa distinção entre ‘merecedores’ e ‘indignos’ de receber a hóstia consagrada. ‘Todos estamos no mesmo barco’, como diz o papa : unidos pela mesma comunhão espiritual.

Em uma cidade como Roma, com 900 igrejas, onde você pode encontrar esse tipo de celebração de hora em hora, sente-se o impacto dessa mudança. Como vimos, até o ‘papa do povo’ precisou se adaptar à essa nova realidade. Quem diria que a imagem de um sumo-pontífice solitário na praça de São Pedro pudesse provocar um impacto midiático tão grande quanto o próprio conclave que o elegeu. Aqui na Itália, por exemplo, não foram poucos os ateus que testemunharam, com lágrimas, a força desse gesto.

O papa torna-se, pelas circunstâncias, prisioneiro do Vaticano. No entanto, à diferença de Pio IX, que chorava a perda do seu estado pontifício, Francisco chora pela ausência dos seus fiéis, sobretudo aqueles que mais sofrem neste momento. O que a crise provocada pelo Covid-19 traz à nossa fé? É essa a pergunta que deve nos mover nesses tempos tão sombrios e incertos. Qual a resposta que o cristianismo tem dado nesse momento de crise?

Cada qual, refugiado em sua domus ecclesiae, como os primeiros cristãos, acompanha pelas redes sociais muitos padres que tiveram que ceder ao mundo da tecnologia para poder chegar a seu rebanho. A verdade é que é um período no qual todos fazem algum tipo de sacrifício para manter a chama da fé viva. E é bonito ver que os rostos desconhecidos das missas dominicais têm nome e sobrenome em nossas ‘transmissões de fé’ on-line. Talvez, depois dessa tempestade, o nosso abraço da paz, que se tornou algo tão trivial aos domingos, passe a ter um outro significado. O cristianismo não é só a religião do encontro, mas também do reencontro.

Sendo assim, é hora de construirmos espaços de reencontro, nos recordando, em nossas orações, das pessoas que jamais se deram ao luxo de participar de uma missa dominical por viverem em regiões isoladas da Amazônia. Sem contar as tantas outras que sequer têm acesso à internet, o que as impossibilita de participar de uma celebração ainda que virtualmente. É momento propício para reforçarmos que o nosso cristianismo não é feito de preceitos, mas sobretudo de vida. E de nada adianta chorarmos a falta da eucaristia se não nos fazemos eucaristia na vida dos outros através das nossas orações e das nossas ações.’


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