Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Vanderlei de Lima,
eremita na Diocese de Amparo
‘Este artigo trata, em suas peculiaridades, do eremita de Charles de
Foucauld à luz da tradição católica e do Código de Direito Canônico atual.
A
palavra eremita vem do latim eremus (= deserto) e designa,
originalmente, aquele que se retirava para o deserto a fim de lá viver entregue
a Deus na oração, no silêncio e na solidão. É considerado o primeiro tipo de
vida consagrada masculina na Igreja. Depois, também mulheres o abraçaram. Podemos
distinguir, para efeito de legislação canônica, dois tipos de eremitas : os
ligados a uma Associação ou Instituto reconhecido pela autoridade eclesiástica
competente, com sua Regra de vida própria, e os autônomos, regidos pelo cânon
603 do Código de Direito Canônico, de 1983. Tanto uma como
outra modalidade de eremitismo não devem ser vistas como fuga da realidade (o
que não seria sadio), mas, sim, como entrega a Deus em favor dos(as)
irmãos(ãs).
Ora,
o eremita de Charles de Foucauld segue o modelo de vida desse homem de Deus que
viveu, no Saara, nos fins do século XIX e início do XX. Nasceu ele, em
Estrasburgo, na França, no dia 15 de setembro de 1858, e morreu assassinado por
um adolescente, no dia 1º de dezembro de 1916, em Tamanrasset, região do Saara,
na Argélia. Sua beatificação se deu, no dia 13 de novembro de 2005, em Roma.
Pode-se dizer que foi um contemplativo, intelectual e atento aos grandes
problemas de seu tempo. Este último ponto causa estranheza, pois o distingue da
ampla maioria dos demais eremitas. Todavia, escreve o Papa Francisco na Gaudete
et exsultate, de 19/03/2018, n. 26 : ‘Não é saudável amar o silêncio e
esquivar-se do encontro com o outro, desejar o repouso e rejeitar a atividade,
buscar a oração e menosprezar o serviço. Tudo pode ser recebido e integrado
como parte da própria vida neste mundo, entrando a fazer parte do caminho de
santificação. Somos chamados a viver a contemplação mesmo no meio da ação, e
santificamo-nos no exercício responsável e generoso da nossa missão’.
Charles
de Foucauld foi contemplativo. Afastado das turbulências, alimentava-se da
Palavra de Deus e da Eucaristia. Rezava, diariamente, o Ofício Divino (Liturgia
das Horas), o Rosário e o Angelus. Passava horas, em adoração,
diante do Santíssimo Sacramento e nutria grande devoção à Encarnação e ao
Sagrado Coração de Jesus, cujo símbolo trazia no hábito. Era respeitado
geógrafo, linguista, antropólogo, teólogo, escritor e tradutor. Sua
obra Reconnaissance au Maroc, em francês, o fez ganhador da
medalha de ouro da Sociedade Geográfica de Paris, em 1885, quando tinha apenas
27 anos. Contudo, estava atento aos grandes problemas de seu tempo. ‘Frequentemente,
recebo de 60 a 100 visitas por dia, se não todos os dias’ (Irmãzinha Annie
de Jesus. Charles de Foucauld : nos passos de Jesus de Nazaré. São
Paulo : Cidade Nova, 2004, p. 59). Denunciou – mesmo correndo sério risco de
vida – a escravidão em nome da dignidade humana. ‘Quando um governo deste
mundo comete uma injustiça grave contra seres humanos pelos quais, em certa
medida somos responsáveis […], é preciso dizê-lo a ele, pois representamos na
terra a justiça e a verdade, e não temos o direito de bancar as ‘sentinelas
adormecidas’, de ser ‘cães mudos’ ou ‘pastores indiferentes’’
(Jean-Francois Six. Charles de Foucauld : o irmãozinho de Jesus.
São Paulo : Paulinas, 2008, p. 69).
Ainda
: quando a região de Tamanrasset tornou-se perigosa devido às ameaças dos
tripolitanos aos tuaregues, Foucauld, com a ajuda de mais sete pessoas,
construiu um Forte, o ‘Forte-eremitério’, e em seu interior mantinha
armamentos capazes de ajudar os tuaregues a se defenderem. Ele próprio é quem
declara : ‘Eu transformei meu eremitério em um pequeno forte. […] Foram-me
entregues seis caixas de cartuchos e trinta carabinas que me fazem lembrar a juventude’
(idem, p. 117).
O
(a) eremita de Charles de Foucauld, fiel ao ideal de seu inspirador, sem deixar
a contemplação, entrega-se, portanto, modestamente, também à ação concreta do
anúncio e da denúncia, segundo os meios lícitos de que dispõe. Isso incomoda a
alguns, mas tem de ser feito. Afinal, é Cristo quem padece nos que sofrem (cf.
Mt 25,31-46).’
Fonte
:
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