*Artigo
de Vinicius Branquinho,
psicólogo e mestre em educação
‘Há uma ideia difundida aos quatro ventos de que a felicidade é possível
para todos de forma indiscriminada e de que ela é alcançável individualmente. A
propagação desta forma de pensar tem uma boa intenção por detrás, de que todos
podem ser felizes, que não importa muito o que os outros fazem a você ou como
anda suas relações, a felicidade é um caminho individual que com algum esforço
e sem ajuda nenhuma você chega lá, só que isso acaba se tornando uma armadilha.
Este ideal se revela no modo de viver de muitas
pessoas, e aparenta ser um reflexo e uma defesa das relações desastrosas e
inconstantes que todos lidam atualmente, uma justificativa que encarna a falta
de comprometimento que as relações encerram. Os jargões mais utilizados são
aqueles que dizem : ‘eu não preciso do outro para ser feliz’ ou ainda ‘eu me
basto sozinho (a)’.
As relações humanas
É compreensível o sentimento que perpassa este
pensamento, as relações humanas beiram ao descartável, uma relação de objeto
com objeto e não de pessoa para com pessoa, premissa que o Papa Francisco
defende desde o início de seu magistério. A palavra pessoa em
sua etimologia, ou seja, na sua origem, significa ‘ser para’, pessoa é
aquele que é para o outro e não somente para si mesmo. O amor próprio se tornou
a grande meta de cada indivíduo, como se fosse sinônimo de alegria constante, o
que esqueceram de contar que o amor com o qual me amo é produto e condição do
amor com o qual me sinto e me senti amado.
‘Longe de se referir apenas as
relações amorosas, precisamos do outro para ser feliz.’
Realmente, não há a necessidade de se casar, ou de
namorar, mas é preciso que na vida se encontre sentido, que em última instância
só a relação humana genuína proporciona. No contato com amigos, família, no
trabalho, na escola ou universidade, o indivíduo precisa de encontros
constantes para o bem viver. O homem e a mulher são seres relacionais, que se
constituem socialmente e que precisam de contato para uma alegria verdadeira.
Inclusive os monges que escolhem viver uma vida mais
silenciosa o fazem em comunidades. As relações humanas dão sentido à existência
e a maneira de me relacionar comigo mesmo tem relação intrínseca de como se
configuram os relacionamentos interpessoais que estou envolto, a premissa dita
há muito tempo ‘amar para ser amado’ atribuída a São Francisco de Assis
é validada psicologicamente e tem uma defesa científica por detrás.
Um ‘nós’
Isso porque na própria subjetividade existe um ‘nós’,
e a individualidade que é perpassada pelo outro, se constitui em relação, desde
que nascemos até ao morrer nos tornamos seres humanos pelo contato, não existe
vida humana fora do aspecto social e o afeto é o laço que constitui e amarra
positivamente cada sujeito ao outro. Ser sozinho, portanto, é uma contradição
sem fim, porque o verbo ser exige que o outro também seja em
mim. E todas as relações humanas estarão orientadas por valores positivos se a
relação fundamental do homem, a sua relação com o amor, estiver ordenada.
‘Buscar ser feliz sozinho se assemelha
mais a um grito de socorro para que existam relações frutíferas para cada
sujeito, relações verdadeiramente humanas que tenham como pano de fundo o
compromisso de que fazer o outro feliz é que trará a tão sonhada felicidade, que
é mais um processo do que um produto.’
A alegria pede compartilhamento, e ao mesmo tempo é
compartilhar que traz alegria, nesta contradição constante entre solidão e
partilha que caminha o sujeito atualmente, que a solidão seja apenas um momento
de refletir e amadurecer, que seja um instante ímpar de um encontro consigo
mesmo e com um Outro maior que produz e dá sentido à vida humana e a partir
disso se voltar para o outro alguém melhor
Igreja, uma vida de comunidade
Fica evidente que todos precisam de amigos, vida
social e partilha, a Igreja centrada em uma vida de comunidade pode ser esse
espaço de encontro e de compartilhar as alegrias e dores da vida.
‘Dividir o tempo, a atenção, o
cuidado, faz diferença em tempos individualistas de busca constante de uma
felicidade particular que nunca chega, isso porque é sempre idealizada e como a
maioria das idealizações, também não está de acordo com a realidade.’
Que possamos colocar em prática isso no cotidiano,
para que as relações sejam verdadeiras e humanas, que promovam a alegria que
somente a cultura do encontro propicia.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra https://www.vaticannews.va/pt/mundo/news/2020-01/a-triste-ideia-de-que-podemos-ser-felizes-sozinhos.html
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