*Artigo de Silvonei José,
jornalista
‘O ano apenas começou, e a vida continua. Enquanto nos preocupamos em
sonhar novas conquistas para os próximos 366 dias ( este ano é bissexto) e nos
identificarmos com os votos de um ano de paz e prosperidade para todos;
enquanto seguimos as tensões no Oriente Médio, África, e na nossa América
Latina, muitos dramas se consomem na total escuridão dos holofotes midiáticos.
Um desses foi o sonho de uma criança da Costa do Marfim que se transformou numa
tragédia.
Ele
morreu congelado na barriga de um avião onde se escondeu para chegar à Europa,
mais precisamente à França. A ideia certamente do menino era : a Europa está
longe, mas um avião pode encurtar a distância e me levar para além da miséria,
das favelas, do deserto e do Mar Mediterrâneo. Provavelmente pensamentos que
enchiam a mente do menino de somente dez anos, que chegou ao Aeroporto
Internacional de Abidjan para procurar ‘uma ponte’ para a Europa.
Um
avião fornece o sonho de poder conquistar a segurança que parece não ter em
casa. Talvez, segundo as primeiras reconstruções, com a cumplicidade de alguém
que lhe permitiu passar pelos controles do aeroporto.
O som dos motores
Vestido
com roupas leves, ele se aproximou de um Boeing 777 da Air France, partindo
para Paris. Ele aconchega-se no trem de pouso da aeronave. É um espaço
apertado, não aquecido e nem pressurizado. Depois, o som dos motores e o avião
decola.
O
Boeing sobe então para uma altitude de 10.000 metros e a temperatura cai para
-50°C. Acima de 42 graus abaixo de zero, o corpo já não consegue regular a sua
temperatura. O oxigênio é rapidamente consumido e nestas condições extremas a
febre, o suor, as convulsões e os desmaios são processos inevitáveis e
inexoráveis. Os últimos pensamentos da criança marfinense estão envoltos pelo frio,
solidão e escuridão. Depois o seu corpo, agora sem vida, chega a França.
Em
Paris é quase madrugada e os operadores do aeroporto Charles de Gaulle encontram no trem
de pouso do Boeing 777, que partiu de Abidjan, um corpinho endurecido pelo gelo. Ele é uma criança negra, cerca de
dez anos de idade. Um ‘passageiro irregular’, diz numa declaração a
companhia aérea. O rosto não tem nome.
Esperanças traídas
As
suas esperanças traídas são, em vez disso, comuns às de muitos jovens africanos
que procuram um futuro diferente daquele que seus países podem oferecer.
O
drama deste menino marfinense é um drama terrível da emigração que não pode
deixar ninguém indiferente. Um drama que traz à memória o caso de outros
dois jovens guineenses que foram encontrados no trem de pouso de um avião que
tinha chegado a Bruxelas. Também se falou muito deles porque foi encontrada uma
carta pedindo à Europa para ter um futuro diferente, para poder estudar,
trabalhar e ter uma vida normal como a vida que os jovens europeus tem. O drama de uma
África esquecida nos seus dramas. Para muitos este continente é considerado
apenas um problema. Em vez disso, é um grande recurso de jovens que olham para a Europa.
O
nosso menino de 10 anos e os muitos jovens que perderam a sua vida em busca da
realização de um sonho, queriam somente uma oportunidade de vida, um futuro que
não encontraram em suas realidades. Talvez – com disse a Comunidade romana de
Santo Egídio - já tenha passado o momento de todos nós fazermos um exame de
consciência e compreender por que, numa condição - como a da Itália e de muitos
outros países europeus onde há necessidade de força juvenil, dado o
envelhecimento da população - as portas não são reabertas à imigração legal
para trazer pessoas que também querem contribuir para o desenvolvimento e o
crescimento na Europa.
Ajudá-los em casa
Sant'Egidio
lançou um apelo aos governos africanos, porque muitas vezes também eles fecham
os olhos àquilo que é uma tragédia para eles : a saída de pessoas dos seus
países, um fenômeno que não é considerado como um problema mas, muitas vezes,
como uma libertação.
O
drama do nosso menino de 10 anos, que não tem nem mesmo que chore por ele, deve
se traduzir em pensamentos concretos e clarividentes para o grande continente
africano, tão explorado. ‘Ajudá-los em casa’ não deve ser um slogan para
parar o que se pensa ser uma invasão, inexistente, mas deve servir para abrir
um diálogo, para ajudar os necessitados de uma forma concreta e urgente.
Ajudá-los a sonhar dentro e fora de casa, e que um avião seja uma meio para
fazer sonhar uma terra nova, e não o ambiente de uma morte na escuridão e no
frio de um trem de pouso.’
Fonte
:
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