*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de
Imprensa da Santa Sé
‘Dom
João Brás de Aviz, o cardeal brasileiro que coordena o departamento vaticano
responsável pelos religiosos de todo o mundo, fez um alerta que chocou o mundo
na semana passada. A afirmação foi alarmante : grande parte dos abusos sexuais
cometidos contra freiras ao redor do mundo foram praticados por padres, de
acordo com o cardeal. Em outros casos, não menos recorrentes, a revelação de
que superioras também abusam as próprias freiras. O prelado brasileiro aprendeu
direitinho com o chefe, Francisco : a instituição também precisa enfrentar suas
mazelas para poder saná-las. Do contrário, cairá ainda mais em descrédito.
Já
passou o tempo de dar um basta àquele velho instinto de autopreservação
homicida que matou a fé e a esperança de muita gente. A Igreja, em muitos
casos, perdeu a credibilidade sobretudo por causa de seus silêncios. Uma
omissão pautada pelo desejo diabólico de não macular a própria imagem, enquanto
Jesus Cristo, no rosto das vítimas, continua sendo flagelado sem piedade.
E é
preciso constatar que uma das maiores revoluções do papado atual é suscitar
esse destemor diante da verdade. ‘Na dúvida, fique ao lado dos pobres’...‘na
dúvida, escute primeiramente as vítimas’. Não à toa, o papa pede que cada
diocese crie um departamento acolher esse tipo de denúncia.
E é
nessas horas que vemos o quanto o clericalismo e o abuso de poder, condenados
em muitas ocasiões pelo pontífice atual, são práticas ainda comuns nos
ambientes eclesiais. E, dessa vez, são os próprios prelados a admitir os
desvios, como se dissessem : ‘Chega de esconder o problema’.
Papa
Francisco não só confirmou o que o cardeal disse, mas tem a plena consciência
das religiosas que vivem em condições subumanas. Esta semana, o papa se deparou
com o caso de mulheres provenientes da Ásia e África, que após terem abandonado
suas congregações, viraram pedintes pelas ruas de Roma. Muitas delas, sem
documento, família e dinheiro, tiveram que se prostituir para não dormirem nas
ruas, de acordo com reportagem do Vatican Insider. Preocupado com a
situação, papa Francisco interviu rapidamente, criando dois espaços para
acolher essas pessoas. As casas são administradas atualmente pelas irmãs
scalabrinianas, cuja congregação oferece uma atenção prioritária aos migrantes.
Com
tudo isso que anda acontecendo, vemos um movimento corajoso que em nada se compara
às tentativas de reconhecimento feitas nos anteriores ao pontificado de
Francisco. Através de eventos, congressos e reuniões, as religiosas, amparadas
por várias associações, se unem para fazer chegar aos ouvidos do pontífice a
realidade nua e crua dos conventos em atividade. Não por acaso, muitas delas
têm sido nomeadas para altos cargos da cúria romana, como forma de
reconhecimento pelo trabalho prestado. Ao menos o papa tem feito algo.
Seria
reducionismo dizer que Francisco adere a um mero ‘movimento feminista’
dentro da Igreja. O que ele quer é promover a justiça e a valorização dessas
vocações. Como ele gosta de dizer, a mulher não veio ao mundo
para lavar pratos. Da mesma forma, não deve estar fadada a encerrar os seus dias como
empregada de padre. O papa teve a coragem de tomar nas mãos uma situação diante
da qual praticamente toda a igreja, até então, era conivente. A freira do
pontificado de Francisco pede que sejam tratadas suas feridas, que sejam
reconhecidos seus direitos, que a sua doação de vida não passe despercebida.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1419154/2020/01/incentivada-por-francisco-igreja-admite-crimes-praticados-contra-freiras/
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