*Artigo
de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor
‘Diante da morte, o sentimento que geralmente nos envolve é a
perplexidade. A morte, por mais que convivamos com ela, seja na profissão ou
nos noticiários de tevês, por mais vulgarizada que seja, ou por mais que
tentemos vulgarizá-la, será sempre um mistério.
Maior
é a nossa perplexidade, e até mesmo a indignação, revolta e incapacidade de
aceitá-la, quando a morte é de uma pessoa jovem, de uma criança, de um bebê. E,
de forma bem mais intensa, muito mais dolorosa, quando ela antecipa uma vida
que aparentemente não teve sequer a oportunidade de se manifestar. Refiro-me
aos bebês que não chegam a viver a vida como a conhecemos, aqueles denominados
pela medicina de ‘natimortos’. Alguém – pois mesmo não tendo vivido um
só instante nesse mundo exterior, tiveram vida plena no aconchego do útero
materno, durante os dias em que seu coraçãozinho bateu, acompanhando o da mamãe
que o aguardava ansiosamente. Alguém que se formou a partir de duas células
unidas num ato de amor, as quais foram depois se multiplicando, ganhando novas
formas, formando membros e órgãos, esperando somente completar o tempo de sua
plena formação, para vir à luz, realizando a expectativa do papai e da mamãe.
Alguém que, mesmo oculto no ventre da mãe, percebia e sentia o amor que
transbordava no coração de seus pais, dos familiares e amigos. Por tudo isso,
ele já era alguém, talvez já tendo até um nome definido pelos seus genitores.
Contudo,
por razões que ficamos buscando, mas cuja realidade foge à nossa compreensão,
seus planos de vida ordenados pelo Criador de tudo, por aquele que sabe tudo e
que tudo pode, foram diferentes dos sonhos anelados pelos pais. E a história de
vida daquele bebê, não se prolongou além do parto, ou além de poucos dias.
Ficamos então estupefatos, buscando explicações, um sentido para esse fato
inesperado, todavia sem conseguir encontrá-los. Com toda razão nos revoltamos,
e como consequência natural, o fazemos contra Deus, contra aquele que
acreditávamos ser puro amor, e que agora nos parece ser absurdamente cruel.
Alguns decidem até renegá-lo, recusando a admitir sua existência, e seu amor
incondicional por todos nós, suas criaturas. Tudo isso é bastante natural e
conforme nossa condição humana. Afinal, como podemos nós, seres limitados e
frágeis, aceitar algo que nos parece tão irreal, tão absurdo?
Mas
Deus, em sua infinita sabedoria, bondade e misericórdia, mesmo assim nos acolhe
em seus braços. Ele compreende a nossa dor, pela nossa incapacidade de entender
o sentido de tudo o que acontece em nossas vidas.
Certamente,
nem era a sua intenção que aquela vida fosse tão curta. Contudo, Deus não
interfere diretamente em nossa história. Ele nos concede seus dons, ele nos dá
as condições para realizarmos nossos planos, mas existem situações nessa enorme
e complexa estrutura que é a natureza, que interferem com nossos propósitos e
que contrariam os planos amorosos do Criador. Uma criança que nasce já sem a
vida, ou morre precocemente, para nós parece algo inaceitável, porém para Deus,
o tempo não existe. Para ele, mil anos são como uma fração de segundo e a
curtíssima vida daquele bebê, é curta somente para nós que vivemos no espaço e
no tempo, precisando de dias, meses e anos para realizarmos nossos propósitos.
Para Deus, um segundo de nossa vida já dá significado pleno a toda a nossa
existência. Coisa difícil de compreender, pois vivemos presos a uma realidade
de tempo e espaço. E estando nela, nos é impossível compreender que a vida
iniciada na fusão de duas células humanas, não termina nunca, apenas muda de
forma. Ela sai da realidade material para entrar na realidade espiritual, que
vai muito além de nossa capacidade intelectual de entender.
Por
isso, quando alguém me pergunta como será depois da morte, respondo : ‘Se
tão pouco sabemos da vida que agora estamos vivendo, como podemos querer
descobrir como será o outro lado, totalmente inacessível pela ciência, e
somente acessível pela fé?’
Nada
sabemos das coisas do outro lado. E se alguém tentar nos explicar como ele é,
mais ainda se for de modo compreensível, não devemos acreditar. O
transcendental é aquilo que transcende à nossa percepção e à nossa compreensão.
Se compreendo, apreendo, e assim ele deixa de ser transcendental.
Reafirmamos
nossa crença em Deus, exatamente porque somos incapazes de alcançá-lo com
microscópios, contê-lo em tubos de ensaio ou compreendê-lo e explicá-lo pela
lógica, pela razão, pelo intelecto, que por vezes valorizamos mais do que
merece. Deus É. Isso basta.
A
morte é explicável pela biologia. É o fim da capacidade auto regenerativa do
nosso corpo biológico que representa nossa individualidade, nessa realidade
material onde nós estamos, no tempo e no espaço. Mas a morte não é o fim da
vida, apenas uma transição, uma transformação. Nova vida, muito mais plena,
perfeita, começa exatamente com a morte, quando passamos para junto do nosso
amoroso Pai Criador. Mesmo assim, não nos cabe buscá-la, nem antecipá-la. Esse
tempo, só cabe a Deus.
E
como será essa vida? Como será o depois? Todas essas perguntas nos serão
totalmente respondidas quando lá chegarmos. Nunca antes. Mesmo porque, no
estado físico e mental em que nos encontramos, não compreenderíamos nada.
A
morte não é problema para os que partem e sim para os que ficam, pois conosco
restam a dor da saudade, o vazio das recordações, os encontros que não teremos,
as coisas que não faremos juntos, as palavras que não diremos aos que partiram.
Só nos restará a perplexidade, até que consigamos superá-la, transformando-a
numa saudade sem dor, numa lembrança sem sofrimento. Pode parecer impossível,
mas não o é.
Por
isso mesmo, não vale dizer para os que ficam na perplexidade do irreversível : ‘Seja
forte!’ ou, menos ainda : ‘Aceite a vontade de Deus!’ Para quem está
vivenciando, agudamente, a dor da perda, tudo isso é totalmente sem sentido,
absurdo e irreal.
Para
esses, não precisamos dizer coisa alguma, exceto na linguagem muda dos gestos,
no abraço solidário, no ombro amigo, na eloquência das lágrimas. O que podemos
e devemos é estar ao lado dos que sofrem, elevando nossas preces ao Senhor da
Vida, para que dê o conforto aos que ficam, e a PAZ eterna, aos que partem.’
Fonte
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