terça-feira, 28 de janeiro de 2020

A morte de um bebê


 Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Nossas perplexidade, indignação, revolta e incapacidade de aceitar a morte é maior quando a se trata de uma pessoa jovem, de uma criança, de um bebê
*Artigo de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor


Diante da morte, o sentimento que geralmente nos envolve é a perplexidade. A morte, por mais que convivamos com ela, seja na profissão ou nos noticiários de tevês, por mais vulgarizada que seja, ou por mais que tentemos vulgarizá-la, será sempre um mistério.

Maior é a nossa perplexidade, e até mesmo a indignação, revolta e incapacidade de aceitá-la, quando a morte é de uma pessoa jovem, de uma criança, de um bebê. E, de forma bem mais intensa, muito mais dolorosa, quando ela antecipa uma vida que aparentemente não teve sequer a oportunidade de se manifestar. Refiro-me aos bebês que não chegam a viver a vida como a conhecemos, aqueles denominados pela medicina de ‘natimortos’. Alguém – pois mesmo não tendo vivido um só instante nesse mundo exterior, tiveram vida plena no aconchego do útero materno, durante os dias em que seu coraçãozinho bateu, acompanhando o da mamãe que o aguardava ansiosamente. Alguém que se formou a partir de duas células unidas num ato de amor, as quais foram depois se multiplicando, ganhando novas formas, formando membros e órgãos, esperando somente completar o tempo de sua plena formação, para vir à luz, realizando a expectativa do papai e da mamãe. Alguém que, mesmo oculto no ventre da mãe, percebia e sentia o amor que transbordava no coração de seus pais, dos familiares e amigos. Por tudo isso, ele já era alguém, talvez já tendo até um nome definido pelos seus genitores.

Contudo, por razões que ficamos buscando, mas cuja realidade foge à nossa compreensão, seus planos de vida ordenados pelo Criador de tudo, por aquele que sabe tudo e que tudo pode, foram diferentes dos sonhos anelados pelos pais. E a história de vida daquele bebê, não se prolongou além do parto, ou além de poucos dias. Ficamos então estupefatos, buscando explicações, um sentido para esse fato inesperado, todavia sem conseguir encontrá-los. Com toda razão nos revoltamos, e como consequência natural, o fazemos contra Deus, contra aquele que acreditávamos ser puro amor, e que agora nos parece ser absurdamente cruel. Alguns decidem até renegá-lo, recusando a admitir sua existência, e seu amor incondicional por todos nós, suas criaturas. Tudo isso é bastante natural e conforme nossa condição humana. Afinal, como podemos nós, seres limitados e frágeis, aceitar algo que nos parece tão irreal, tão absurdo?

Mas Deus, em sua infinita sabedoria, bondade e misericórdia, mesmo assim nos acolhe em seus braços. Ele compreende a nossa dor, pela nossa incapacidade de entender o sentido de tudo o que acontece em nossas vidas.

Certamente, nem era a sua intenção que aquela vida fosse tão curta. Contudo, Deus não interfere diretamente em nossa história. Ele nos concede seus dons, ele nos dá as condições para realizarmos nossos planos, mas existem situações nessa enorme e complexa estrutura que é a natureza, que interferem com nossos propósitos e que contrariam os planos amorosos do Criador. Uma criança que nasce já sem a vida, ou morre precocemente, para nós parece algo inaceitável, porém para Deus, o tempo não existe. Para ele, mil anos são como uma fração de segundo e a curtíssima vida daquele bebê, é curta somente para nós que vivemos no espaço e no tempo, precisando de dias, meses e anos para realizarmos nossos propósitos. Para Deus, um segundo de nossa vida já dá significado pleno a toda a nossa existência. Coisa difícil de compreender, pois vivemos presos a uma realidade de tempo e espaço. E estando nela, nos é impossível compreender que a vida iniciada na fusão de duas células humanas, não termina nunca, apenas muda de forma. Ela sai da realidade material para entrar na realidade espiritual, que vai muito além de nossa capacidade intelectual de entender.

Por isso, quando alguém me pergunta como será depois da morte, respondo : ‘Se tão pouco sabemos da vida que agora estamos vivendo, como podemos querer descobrir como será o outro lado, totalmente inacessível pela ciência, e somente acessível pela fé?

Nada sabemos das coisas do outro lado. E se alguém tentar nos explicar como ele é, mais ainda se for de modo compreensível, não devemos acreditar. O transcendental é aquilo que transcende à nossa percepção e à nossa compreensão. Se compreendo, apreendo, e assim ele deixa de ser transcendental.

Reafirmamos nossa crença em Deus, exatamente porque somos incapazes de alcançá-lo com microscópios, contê-lo em tubos de ensaio ou compreendê-lo e explicá-lo pela lógica, pela razão, pelo intelecto, que por vezes valorizamos mais do que merece. Deus É. Isso basta.

A morte é explicável pela biologia. É o fim da capacidade auto regenerativa do nosso corpo biológico que representa nossa individualidade, nessa realidade material onde nós estamos, no tempo e no espaço. Mas a morte não é o fim da vida, apenas uma transição, uma transformação. Nova vida, muito mais plena, perfeita, começa exatamente com a morte, quando passamos para junto do nosso amoroso Pai Criador. Mesmo assim, não nos cabe buscá-la, nem antecipá-la. Esse tempo, só cabe a Deus.

E como será essa vida? Como será o depois? Todas essas perguntas nos serão totalmente respondidas quando lá chegarmos. Nunca antes. Mesmo porque, no estado físico e mental em que nos encontramos, não compreenderíamos nada.

A morte não é problema para os que partem e sim para os que ficam, pois conosco restam a dor da saudade, o vazio das recordações, os encontros que não teremos, as coisas que não faremos juntos, as palavras que não diremos aos que partiram. Só nos restará a perplexidade, até que consigamos superá-la, transformando-a numa saudade sem dor, numa lembrança sem sofrimento. Pode parecer impossível, mas não o é.

Por isso mesmo, não vale dizer para os que ficam na perplexidade do irreversível : ‘Seja forte!’ ou, menos ainda : ‘Aceite a vontade de Deus!’ Para quem está vivenciando, agudamente, a dor da perda, tudo isso é totalmente sem sentido, absurdo e irreal.

Para esses, não precisamos dizer coisa alguma, exceto na linguagem muda dos gestos, no abraço solidário, no ombro amigo, na eloquência das lágrimas. O que podemos e devemos é estar ao lado dos que sofrem, elevando nossas preces ao Senhor da Vida, para que dê o conforto aos que ficam, e a PAZ eterna, aos que partem.


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