sexta-feira, 30 de agosto de 2019

O pároco que pode virar papa


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Papa Francisco e Angelo De Donatis.
Papa Francisco e Angelo De Donatis

*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘Guarde este nome : cardeal Angelo de Donatis. Ele era um pároco de homilias cativantes que reunia uma multidão de fiéis em suas missas. A lendária Basílica de São Marcos, que fica localizada no centro de Roma, conviveu por muitos anos com um sacerdote diferente, cujo carisma recebeu a atenção de ninguém menos que o papa Francisco.

O pontífice argentino, que o consagrou bispo em 2015, confiou-lhe uma tarefa difícil em 2017 : ser seu representante na diocese de Roma. O clero local foi consultado antes da nomeação, e a maioria dos membros o descreveu como ‘uma figura pastoral e misericordiosa, que mantinha uma boa relação com o clero e com o povo romano’. Com o parecer positivo dos padres da dioceseFrancisco não pensou duas vezes. Partindo do princípio que não se consertará a Igreja Universal sem começar pelo quintal de casa, o papa passou a contar com alguém capaz de levar adiante essa empreitada.

Apesar de o papa ser bispo de Roma, não é ele quem administra diretamente a diocese, ao contrário do que muitos pensam. É por isso que ele delega um vigário, alguém que seja o seu braço direito para lidar com questões referentes à vida das paróquias, associações e congregações da cidade eterna.

Hoje, como vigário da diocese de Roma, cardeal Angelo de Donatis tem incomodado bastante. Não somente por causa de sua linha ‘franciscana’ de governar, mas por tentar romper o engessamento da diocese, que é uma herança histórica. Em recentes pronunciamentos, o religioso tem atacado ‘os clérigos nobres’ que se recusam a ir às periferias – as físicas e as existenciais –, além de estender aos fiéis a responsabilidade de humanizar a diocese.

Quantas vezes as nossas paróquias se apoiam em falsas seguranças de bem-estar pastoral e sobre o ‘sempre foi assim’. Quantas vezes nos fechamos em poucos eleitos, acreditando ter tudo e evitando percorrer as vias da vida cotidiana. Em vez disso, a Igreja deve abrir-se à novidade’, disse ele em mensagem aos fiéis que participam da tradicional peregrinação organizada pela diocese.

De acordo com a vaticanista Franca Giansoldati, que também dedicou um artigo a essa figura que não tem passado despercebida pelos cidadãos da urbe, o tom do discurso do cardeal não só se inspira no papa Francisco. Ela afirma que De Donatis tem sido orientado diretamente pelo papa argentino.

Isso nos leva a crer que o vigário seja o nome escolhido pelo papa Francisco para integrar a lista dos papáveis do próximo conclave. Apesar de tratar-se de uma dedução da minha parte, não é incomum que um papa, no auge dos seus 82 anos, comece a pensar em um substituto.

Em meio à campanha americana para que o próximo papa siga uma linha contrária à assumida por papa Francisco, há quem lute para o legado do papa atual perdure. O que é positivo, já que uma mudança brusca em relação ao papado gera bastante desconforto no início. E a história já comprovou. Não por acaso, escolheram Bento XVI para encabeçar um papado de transição após o longo pontificado de João Paulo II.

A escolha por Francisco não proveio de uma disputa entre blocos, mas do desejo de fazer sobressair uma figura ‘antissistema’, uma vez que a Cúria Romana, à época, estava em total descrédito após o escândalo do Vatileaks e a dramática renúncia de Bento XVI. Uma mudança, neste caso, foi mais que necessária. Tiveram que pegar ‘o papa do fim do mundo’, como o próprio Francisco disse em sua primeira aparição pública.

O quadro que espera o próximo conclave é diferente. A disputa será acirrada, já que dois grupos, com visões de Igreja bastante diferentes, votarão no próximo sucessor de Pedro. O tradicionalismo católico de matriz americana já tem seu escolhido : o cardeal Gerhard Ludwig Müller, uma vez que a impopularidade do cardeal Raymund Leo Burke colocaria tudo a perder. O grupo ‘franciscano’, do outro lado, não está preocupado com ‘um nome partidário’ – apesar de sinalizar alguns candidatos em potencial –, mas com quem será capaz de sanar a polarização e, ao mesmo tempo, que saiba dar continuidade à revolução no papado que Francisco provocou.


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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

9 dados que deve conhecer sobre os Padres da Igreja


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 
São Jerônimo de Estridão, Santo Agostinho, São Gregório Magno, 
Santo Ambrósio de Milão / Crédito: Michael Pacher: 
Altarpiece of the Church Fathers - Domínio público


‘Os Padres da Igreja são santos dos primeiros séculos que, com seus escritos doutrinários, configuraram a Igreja Católica como a conhecemos hoje.

Alguns dos principais Padres da Igreja Grega são Santo Atanásio de Alexandria, São Basílio Magno, São Gregório Nazianzeno e São João Crisóstomo; enquanto os quatro Padres mais importantes da Igreja latina são Santo Agostinho de Hipona, São Gregório Magno, Santo Ambrósio de Milão e São Jerônimo de Estridão.

A seguir, alguns dados importantes sobre eles.

1.      Eram em sua maioria pastores, não acadêmicos

Os Padres viviam suas vidas cristãs em resposta à fé única, santa, católica e apostólica que experimentavam na Igreja e na cultura de seu tempo. Seus escritos não provinham de um catedrático titular, mas buscavam servir ao povo de Deus.

2.     Santo Tomás de Aquino os citou centenas de vezes

Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico, não é apenas um teólogo e filósofo, mas um brilhante comentarista da Bíblia e da Tradição. Para escrever a Suma Teológica, citou textos de Santo Agostinho 3.156 vezes. Citou São Gregório Magno 761 vezes, São Dionísio 607 vezes, São Jerônimo 377 vezes, São Damasceno 367 vezes, São João Crisóstomo 309 vezes, entre outras citações aos Padres da Igreja.

3.     Amavam a Igreja

Exemplo disso é uma das passagens do corpus patrístico ‘sobre a unidade da Igreja’, escrito por São Cipriano de Cartago em De Ecclesiae Catholicae Unitate : ‘Ninguém pode ter a Deus por Pai, se não tem a Igreja como Mãe’.

4.    Ensinavam sobre a natureza do homem

São Cipriano descreve a cultura pecaminosa na qual vivia antes de sua conversão e seu batismo : ‘Eu ainda estava deitado na escuridão e na noite sombria, vacilando de um lado para o outro, sacudido sobre a espuma desta idade jactanciosa, e incerta de meus passos errantes, sem saber nada da minha vida real, e distante da verdade e da luz... mas depois disso, com a ajuda da água do novo nascimento, a mancha dos anos anteriores foi lavada, e uma luz do alto, serena e pura, tinha sido infundida no meu coração reconciliado...’.

Da mesma forma o faz Santo Agostinho de Hipona em seu livro ‘Confissões’, ensinando a matar o homem velho cheio de pecado e abraçar o novo homem em Cristo.

5.     Buscavam a amizade com Deus e com os demais

Os Padres da Igreja buscavam imitar a vida de Cristo, que completamente homem e completamente Deus, foi capaz de fazer grandes amizades.

Assim, São Gregório Nazianzeno revela sobre seu querido amigo São Basílio : ‘Homens diferentes têm nomes diferentes, que devem a seus pais ou a si mesmos, isto é, às suas próprias buscas e realizações. Mas nossa grande busca, o grande nome que queríamos, era ser cristãos, sermos chamados cristãos’.

6.    Eram corajosos e podiam dar a vida pelo Evangelho

Um exemplo é a vida de São Cipriano de Cartago, o primeiro bispo que na África atingiu a coroa do martírio. Durante as grandes perseguições dos cristãos sob o imperador Décio, escreveu cartas pastorais no exílio instruindo o povo de Deus em Cartago. Sob o imperador Valeriano, Cipriano foi condenado à morte e martirizado em 258 dC. Ao receber sua sentença, disse : ‘Deo gratias!’ (Graças a Deus!).

São Máximo o Confessor foi outro corajoso Padre da Igreja que lutou contra o monotelismo, uma heresia que admitia em Cristo duas naturezas, a humana e a divina, e uma única vontade. O imperador Constante II mandou cortar a língua e a mão direita do santo para impedir seu ensinamento ortodoxo.

7.     Defendiam a sã doutrina

No século IV, Santo Atanásio teve que enfrentar Ário, um sacerdote de Alexandria que difundiu a doutrina errada de que Cristo não era o verdadeiro Deus. Seu desejo incansável por uma doutrina clara conduziu o Concílio de Niceia à elaboração do Credo Niceno. Hoje, o Credo, como símbolo da fé, é usado de maneira simples e direta pelos cristãos de todo o mundo para professar a fé da Igreja Católica.

8.     Amavam profundamente a Virgem Maria

Os Padres da igreja amam a Mãe de Deus. Havia um herege chamado Nestório que ensinava que Maria era apenas Christokos (portadora de Cristo) e não a Theotokos (portadora de Deus). Em outras palavras, Nossa Senhora não era a Mãe de Deus, já que só deu à luz à natureza humana de Jesus. São Cirilo de Alexandria lutou incansavelmente contra esse tremendo erro teológico. Em uma carta que corrige Nestório, Cirilo escreve : ‘Por nossa causa e para a nossa salvação, assumiu sua natureza humana na unidade de sua Pessoa e nasceu de uma mulher; por isso se diz que nasceu segundo a carne’ (Cirilo de Alexandria, Carta II a Nestório).

9.    Interpretaram a Bíblia com clareza

Os Padres ensinaram como interpretar a Sagrada Escritura. A maior parte da literatura que temos dos Padres Apostólicos e Pós-Apostólicos são suas homilias, que oferecem algumas das melhores exegeses bíblicas imagináveis. Um exemplo disso são os Tratados de Santo Agostinho sobre o Evangelho de João.

Para a compreensão da Bíblia, devem ser utilizados os sentidos literais, alegóricos, morais e analógicos (como assinala o Catecismo da Igreja Católica no numeral 118) e, por isso, os Padres da Igreja estão entre os melhores exegetas da história.


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segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Há desertos que é impossível atravessar?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Marta Arrais,
cronista


‘Somos feitos de paisagens. É debaixo da pele que guardamos os instantes que nos mudaram para sempre. Os que nos fizeram estremecer para, depois, nos tornarem mais fortes. Os que nos permitiram conhecer as pessoas da nossa vida. Os que nos fizeram recomeçar. Os que nos fizeram pôr um ponto final no que já não nos dava sentido. É debaixo da pele, e nas paredes do coração, que dormem todas as nossas histórias e aventuras. Umas mais trágicas que outras. Umas mais alegres. Umas mais tranquilas e outras que carregam o estrondo de uma tempestade (ainda que já tenham sido vividas há muito tempo).

Somos feitos de cenários de guerra, também. Há momentos em que somos obrigados a desbravar caminho sem saber quais os monstros que nos poderão fazer cair. Somos obrigados a ir limpar as armas que a vida nos deu para enfrentar o que vier. No entanto, e enquanto não bebemos a força necessária para a próxima batalha, vivemos uma espécie de travessia do deserto. Parece-nos que caminhamos sozinhos e sem luz que nos guie. Parece-nos que o calor nos tira o fôlego e não se vislumbra a promessa de uma fonte ou de um fio de água. Parece-nos que a tempestade de areia nos cega e não nos deixa ver o caminho. De olhos semicerrados, avançamos sem saber como. É uma travessia sem barulho de risos ou de pássaros. É como se o silêncio se fizesse golpe e, ao ferir-nos, nos ganhasse.

Deixem-me esclarecer que as travessias do deserto são diferentes para cada um de nós e ninguém sabe, realmente, quando estamos a fazê-las. Podemos imaginar, quando estamos atentos, que aqueles olhos sem brilho (que adivinhamos neste amigo ou naquela pessoa da família) são olhos de quem só pode estar a travar uma batalha. Mas nunca podemos ter a certeza do impacto desta travessia em cada um dos que se cruzam connosco.

Como é que se atravessa o deserto?

A verdade é que não há estratégias que nos sirvam a todos. Ainda bem. Há quem atravesse o deserto com a coragem de um super-herói e há quem o faça desfeito em lágrimas. Há quem lhe encontre sentido e há quem não entenda as razões de ter de suportar tal cansaço e provação. Há quem entregue a travessia ao Céu e há quem se entregue ao silêncio da sua própria coragem.

Há desertos que é impossível atravessar?

Há. Todos nos parecem impossíveis quando ainda não começámos a travessia. Tudo nos parece assustador quando nos é desconhecido. Tudo nos perturba se, dentro de nós, estiver escuro. Ainda assim, e no meio da inevitável solidão de alguns momentos, sobra-nos a memória. Sobra-nos a memória dos que caminham conosco mesmo que não possam caminhar por nós. Sobra-nos uma esperança corajosa. Firme. Que nos diz baixinho que nem tudo se explica mas tudo se poderá (tentar) compreender. E sobram-nos as estrelas. Não há noite maior do que elas.


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sexta-feira, 23 de agosto de 2019

O ecumenismo da amizade


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Papa Francisco e o patriarca Bartolomeu. 
*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘Muitos não sabem, mas papa Francisco e o patriarca ecumênico da Igreja Ortodoxa, Bartolomeu I, são amigos. Uma amizade que é canal de reaproximação entre os cristãos.

Bartolomeu I, patriarca ecumênico de Constantinopla e primaz da Ortodoxia. papa Francisco, o 266º pontífice da Igreja Católica. O primeiro, de acordo com a tradição cristã, seria o sucessor do apóstolo André. O segundo, por sua vez, seria o sucessor do apóstolo Pedro – a quem Jesus Cristo confiou a tarefa de dirigir a igreja nascente.

Pedro e André, segundo os evangelhos, eram irmãos. Nos inícios do cristianismo, eles se separaram por causa da missão que lhes foi confiada pelo mestre. Mil anos depois, tomaram rumos diferentes por causa de uma série de divergências que culminaram no Grande Cisma de 1054.

Do ponto de vista histórico e teológico, não há perspectivas de reunificação. Porém, na cabeça do Pedro e do André de hoje, há esperança. Talvez o ‘Que todos sejam um’, a grande invocação de Jesus Cristo, esteja fora de todos os parâmetros pré-estabelecidos. Quiçá, o ecumenismo de hoje fuja de todos os esquemas, como refletem alguns pensadores. O tempo, que urge por paz, dirá.

Depois do encontro histórico entre Paulo VI e Atenágoras, em 1964, a amizade entre Francisco e Bartolomeu merece nossa atenção, já que é um outro oásis em meio ao deserto da separação. Um ecumenismo mais encarnado que esse, meus caros, impossível. Ocidente e Oriente juntos em prol do que realmente importa. Os cristãos divididos jamais serão um testemunho para o mundo. Eles sabem bem disso.

O irmãos na fé têm se aproximado na simplicidade, longe dos holofotes. Os dois se preocupam com a incoerência dos cristãos de hoje. Ambos têm a consciência de que nasceram da mesma vertente e do mesmo chamado. Enquanto os teólogos das duas igrejas se debruçam em fórmulas para promover o diálogo a nível institucional, Francisco e Bartolomeu discutem, ‘numa mesa de café’, como resgatar o cristianismo que se perde no antro das ideologias nocivas.

No início do governo do primeiro pontífice latino-americano da história, ficou evidente que os frutos dessa união seriam abundantes. Para começar, foi a primeira vez, desde a separação entre essas duas tradições cristãs, que um patriarca ecumênico assistira à posse do bispo de Roma. Em resposta à cortesia, o papa não exitou em chamá-lo de ‘irmão André’ durante a audiência privada com os representantes das grandes religiões, um dia após à missa inaugural do seu papado.

Laudato si, a encíclica social de Francisco que trata de ecologia, resume o pensamento do Bartolomeu sobre o assunto. Não por acaso, lhe foi dado o justo crédito no texto. Os dois líderes possuem uma sintonia de pensamento jamais vista : são irmãos. O mundo precisa de irmãos, não de companheiros formais que se limitam a assinar tratados.

O ecumenismo de Francisco talvez incomode por isso. Na mesa de diálogo está, antes de mais nada, o respeito pelas diferenças e a reafirmação das identidades. Não se faz ecumenismo sem esse espírito familiar, sem o desejo prioritário de colaborar para que se estabeleça do reino de Deus. Não é a instauração da nova ordem mundial, como os fãs de teorias da conspiração gostam de interpretar. É amizade, é vida, é o que o mundo precisa. É o cristianismo retomando o frescor do cenáculo.


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quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Não é cristã a pretensa superioridade do cristianismo


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante


‘Dialogar nunca foi algo fácil de fazer. Qualquer pessoa que tenha que conviver com outra, em algum momento, enfrentará o desafio de comunicar a si mesma e, ao mesmo tempo, ouvir a comunicação que venha da outra pessoa com quem se convive.

Um dos pontos mais comuns, e talvez menos perceptível numa suposta tentativa de diálogo, é a questão da superioridade. E, logicamente, a palavra suposta aqui tem um papel importante. Isso porque todo diálogo pressupõe a igualdade de dignidade entre as pessoas que vão para esse diálogo. Se um dialogante se considera superior ao outro, dificilmente dali se espera que saia um diálogo nos moldes tradicionais. No lugar, geralmente o que ocorre são tentativas de convencimento da outra pessoa, ou falsas disposições de ouvir o que esta tem a dizer.

No que tange ao diálogo interreligioso o mesmo acontece. É muito comum, principalmente no meio cristão ocidental, este se considerar superior às outras religiões com as quais propõe um diálogo. Na maioria das tentativas, ao longo da história, o cristianismo sempre se colocou como aquele que detém a verdade absoluta e como o responsável por anunciar essa verdade a todas as nações.

Nesse bojo, consequentemente estão as nações cuja religião majoritária não é o cristianismo. Assim, tornou-se comum que quando uma pessoa cristã chega à determinada região em que o cristianismo não é a religião oficial, sinta-se impelida a converter toda aquela área para aquela que considera a religião mais suprema de todas e que, coincidentemente, é a dele.

Quando isso acontece, as propostas de diálogo vão para o lado proselitista, ou seja, tenta-se de todos os modos mostrarem que as outras religiões estão erradas e o cristianismo possui todas as respostas corretas para todas as questões da humanidade. As outras religiões, por sua vez, se mostrariam como tentativas de dar respostas sem, contudo, alcançar a profundidade delas, necessitando, assim, que o cristianismo chegue e anuncie os termos e conceitos corretos e necessários para se agradar a Deus.

Essa posição de superioridade inviabiliza todo o diálogo e, ao mesmo tempo, está longe do conceito de encarnação proposto por Jesus, e anunciado nos Evangelhos. A encarnação, que quer dizer ‘assumir a carne do mundo’ revela que Deus se fez humano ou, em outras palavras, assumiu a realidade do mundo como sua própria realidade, a fim de revelar quem ele realmente é, ou seja, total doação e total amor para com aqueles e aquelas a quem ama.

Esse humilhar-se do Criador ao nível da criatura revela que toda pretensão de superioridade deve ser, a exemplo de Cristo, deixada de lado, o que sem dúvidas, tem consequências para toda e qualquer proposta de diálogo, seja comum, seja interreligioso. A encarnação mostra que para revelar Deus é necessário estar disposto a se entregar como ele também se entregou e amar como ele amou. Em outras palavras, a encarnação revela que é somente no amor e por meio dele que é possível dizer quem Deus é.

Assim, se a identidade cristã está baseada na identidade de Cristo, então toda pessoa cristã, quando se propuser a dialogar, deve abandonar a ideia de se considerar melhor do que aquele ou aquela com quem se dialoga. No nível macro, o cristianismo deve abrir mão de sua pretensão de superioridade e se colocar como a menor religião de todas, a mais humilde, a que está disposta a aprender com as outras em reciprocidade, considerando essas religiões tão dignas de fala como o próprio cristianismo se considera, sem com isso perder sua identidade, que é Cristo e seu modo de ser, que é amor. Ao fazer isso, coloca em prática aquilo que Jesus ensinou quando disse : ‘quem quiser ser o primeiro entre vós, seja o último e servo de todos’ (Mc 9,35).

Abrir mão da pretensa superioridade, talvez, seja uma das tarefas mais difíceis para o cristianismo contemporâneo, que durante muito tempo se acostumou a ser a maior religião do mundo e o responsável por ditar os padrões éticos, morais, sociais e culturais da humanidade.

Ainda que a partir da modernidade isso não seja mais uma realidade, permanece em muitos líderes e pessoas cristãs a ideia de que o mundo precisa se converter ao cristianismo para que ele seja um lugar melhor, esquecendo que, seguindo os ensinamentos de Jesus, não devemos pretender ter um império cristão sobre os outros, mas, como sal na comida, desaparecer no mundo para, por meio do amor, fazer a real diferença que esta terra aguarda ansiosamente.


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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

A história da igreja que os católicos cuidam como um tesouro no Japão


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Igreja Sakitsu


‘O escritor Timothy Nerozzi recontou a história da Igreja Sakutsi, depois de visitar este importante templo que os católicos guardam como um tesouro no Japão, especialmente agora que foi certificado como um lugar oficial da UNESCO, a organização das Nações Unidas dedicada à ciência e à cultura.

Em um artigo publicado em 15 de agosto em CNA – agência em inglês do Grupo ACI –, Nerozzi informou que esta igreja se encontra em Amakusa, uma pequena vila de pescadores nas montanhas costeiras da província de Kumamoto, na ilha de Kyushu.

Da mesma forma, a certificação concedida pela UNESCO também foi concedida a uma dúzia de lugares emblemáticos para a história da perseguição cristã em Nagasaki, no Japão.

A Igreja Sakitsu é o único local dos 12 que não está em Nagasaki, a capital do catolicismo no Japão. Sakitsu está localizada na província de Kumamoto e sua inclusão foi uma boa surpresa para os moradores da pequena vila de pescadores que a cerca’, disse Nerozzi.

A paróquia foi fundada em 1569 por um missionário jesuíta português, Pe. Luís de Almeida.

Nerozzi explica que a população local acolheu a fé ‘com entusiasmo’ e, portanto, ‘estabeleceu um importante centro do cristianismo na área que durou mais de um século’.

Contudo, após a divisão do Japão no século XVII e a restrição das religiões estrangeiras, a Igreja Sakitsu e sua congregação foram destruídas. Os católicos de Amakusa foram assassinados, esconderam-se ou renunciaram à fé diante de funcionários do governo. Todos os missionários europeus restantes foram mortos ou deportados’, conta.

O escritor narra que a Igreja Sakitsu foi reconstruída em 1937 por um missionário francês designado para a cidade, chamado Padre Halbout. O sacerdote francês decidiu que a nova casa de culto seria construída na antiga residência do chefe do povoado, o oficial responsável pela apostasia forçada dos cristãos japoneses.

Depois de conversar com vários moradores da área, que o ajudaram a chegar até o local, Nerozzi conta que, ao ver o templo pela primeira vez, percebeu que era ‘uma igreja pequena em comparação com as que podemos encontrar nos países modernos de maioria cristã’.

Está construída em estilo gótico simples e renuncia a um estilo ou decoração desnecessários. A fachada da igreja é feita de pedra com a parte traseira com um revestimento branco liso. Suas janelas são vitrais, mas não têm ícones de Jesus ou santos em seu desenho. Consistem principalmente de quadrados simples em uma variedade de cores pastel’, comenta.

Embora possa ser simples, é agradável de contemplar, e seu icônico campanário, coroado com um grande crucifixo, dá um toque de personalidade. A arquitetura ocidental se destaca no meio da antiga vila de pescadores japoneses, mas o interior da igreja é claramente japonês’, acrescentou.

Nerozzi relata que todos os fiéis que desejam entrar no templo devem tirar os sapatos e caminhar pelo tradicional piso de tatame que cobre a área destinada à adoração.

É uma decisão excêntrica : o tatame nunca é usado em igrejas modernas, mas em Sakitsu, contribui ao espírito do Oriente e do Ocidente para uma casa de culto tão importante culturalmente’, destacou.

O escritor assinala que fora da igreja, escondida na área lateral do pórtico, há um pequeno carimbo com uma almofadinha de tinta.

Os carimbos podem ser vistos em outros lugares emblemáticos da UNESCO, mas nunca tinham sido oferecidos antes como lembrança em uma igreja. Tradicionalmente, estes artigos são deixados do lado de fora para viajantes que chegam a santuários e templos japoneses, para que os turistas marquem seus diários ou carimbem livros e sigam os pontos de referência que visitaram’, acrescenta.

Nerozzi acredita que a Igreja Sakitsu deve ter ‘herdado’ a prática do carimbo ‘de seus vizinhos religiosos de outras religiões’.

Em seguida, o escritor observou outra ‘característica distintiva’ da Igreja Sakitsu : que existem outras duas casas de culto a curta distância.

Na colina da igreja Sakitsu, um santuário xintoísta está escondido entre as árvores. Não muito longe, há um templo budista. Os moradores locais das três religiões veem esta convivência como um testemunho do progresso do povo japonês na tolerância religiosa. Há menos de 200 anos, tal tolerância era impensável, e onde a igreja está agora, os católicos japoneses foram forçados a apostatar diante da ameaça de tortura ou morte’, explica Nerozzi.

Nesse contexto, referiu-se aos chamados ‘fumies’, imagens de Jesus Cristo ou de Nossa Senhora que eram apresentadas aos supostos católicos; se estes pisassem na imagem, isso era considerado um ato de apostasia, mas se não o fizessem, eram condenados.

Os rumores dizem que o altar da Igreja Sakitsu foi construído diretamente no local onde a cerimônia dos fumies era realizada’.

Ao final de seu percurso, Nerozzi comentou que o fato de ‘construir a igreja e seu altar naquele exato lugar era um ato de vitória tardia para uma comunidade cristã que tinha conhecido muito mais medo do que felicidade nos séculos anteriores, mas foi uma comunidade que sobreviveu muito, apesar de seus perseguidores’.

Embora hoje ninguém se lembre dos nomes dos chefes da aldeia ou dos juízes encarregados dos fumies, Amakusa aprecia cada peça da Igreja Sakitsu, e a cidade finalmente recebeu o reconhecimento que merece de uma comunidade global que está ansiosa por visitá-la’, conclui.


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sexta-feira, 16 de agosto de 2019

A orientação política da Igreja

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)


 Papa Francisco cumprimenta peregrinos durante audiência geral no Vaticano.
*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘Por trás de toda a rejeição a Francisco está a ideia de que o papa deva ser de direita para poder ‘governar como se deve’. E não só : está a ideia de que a Igreja deva apoiar e sustentar os governos de direita, considerando-os ‘o mal menor’. Porém, as atitudes de muitos contradizem tal intenção. Em vez de mal menor, parece que as pessoas acreditam ter escolhido um bem absoluto e quase personificado.

É nessas horas que vemos o quanto as ideologias nocivas, instrumentalizando a doutrina da instituição para fins políticos, são capazes de causar grandes estragos. Criou-se uma geração de católicos que atacam o papa gratuitamente, muitos dos quais influenciados por formadores de opinião cuja preocupação não é defender a fé, mas aproveitar-se dela para chegar ao sentimento das pessoas.

Ninguém quer ir para o inferno elegendo um ‘governo comunista’, não é mesmo? Sendo assim, elejamos um ‘de direita’, independente do que venha no pacote. O próximo se torna o inimigo a ser combatido, não as mentalidades corrompidas, presentes em todos os espectros políticos. Tudo o que esvazia o sentido de ser cristão deveria ser denunciado, independente da bandeira que eu, de acordo com minha consciência, tenha assumido.

Comunistas!’, ‘Nazistas!’, ‘Fascistas!’ : gritos que expressam uma nostalgia totalitária sem fim, pautada por uma ignorância histórica e política sem precedentes. A extrema-direita denuncia a volta do comunismo (sem luta armada?), mas se esquece que, se continuar assim, a associação dela aos ideais fascistas passará a ser inevitável. Mussolini sabia da piedade popular de um povo e da força do catolicismo na Itália, e não perdeu a oportunidade de fazer uso disso para estabelecer sua estatolatria.

Tais católicos, desprovidos de uma formação humana e doutrinal consistentes, viram massa de manobra de uma engenharia política arquitetada por pseudo-iluminados. Não tenhamos dúvida : há muito dinheiro angariado com a difusão dessas cartilhas virtuais de teorias da conspiração, além de muito ‘peixe grande’ que, como Constantino ou Carlos Magno, não estão preocupados com evangelização ou difusão dos valores.

Um papa ser chamado de comunista por defender imigrantes ou acolher os homossexuais  algo incentivado pelo próprio catecismo da Igreja Católica  é só um dos sintomas desse devaneio que se instalou. Sendo assim, é por culpa dos católicos que os pilares do cristianismo foram reduzidos a meros ideais da esquerda. O papa é cristão, não de ‘esquerda’. Ele adotou um estilo pastoral, não uma ideologia política.

Vemos combatentes de uma guerra ideológica prontos para defender seus ‘correligionários’, não o próprio líder espiritual. E, mais do que nunca, é hora de denunciarmos tais posturas, folheando as páginas empoeiradas do compêndio da doutrina social da Igreja, a começar do artigo 424 : ‘A Igreja respeita a legítima autonomia da ordem democrática e não assume nem exprime preferências por uma ou outra solução institucional e constitucional’.


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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Por que a Eucaristia parece confusa para muitos católicos?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Os cardeais alemães Rainer Maria Woelki, de Colônia, e Reinhard Marx, de Munique, elevam a Eucaristia durante missa na catedral de Fulda, em 23 de setembro de 2014.
Os cardeais alemães Rainer Maria Woelki, de Colônia, e
Reinhard Marx, de Munique, elevam a Eucaristia durante
missa na catedral de Fulda, em 23 de setembro de 2014

*Artigo de James T. Keane e Sam Sawyer 
Tradução : Ramón Lara

‘Em O hábito de ser : as cartas de Flannery O'Connor, uma carta de O'Connor, famosa escritora católica americana, para um destinatário identificado apenas como ‘A’ conta a história de um jantar em que O'Connor participou em 1955 :

Bem, ao longo da manhã começamos a conversar sobre a Eucaristia, que eu, sendo católica, obviamente deveria defender. A Senhora Broadwater disse que quando era criança e recebeu a hóstia, pensou nela como sendo o Espírito Santo, sendo ele a pessoa ‘mais portável’ da Trindade; agora pensava nisso como um símbolo e insinuava que era muito bom. Eu então disse, com uma voz muito trêmula : ‘Bem, se é um símbolo ou não, tanto faz!’

Uma diferença fundamental durante os séculos, desde a Reforma Protestante, entre os ensinamentos, a prática da Igreja Católica e a prática da maioria das denominações protestantes centrou-se no que se acredita que acontece na celebração da Eucaristia. Diferentemente de (muitos de seus) irmãos protestantes, os católicos professam que, na Eucaristia, o pão e o vinho no altar realmente se tornam o corpo e o sangue de Cristo. Além de apontar para a realidade de Cristo (no sentido de um símbolo), o corpo e sangue são também eles mesmos uma fonte de graça santificante (um sacramento) porque Cristo é real e verdadeiro (não meramente um símbolo) presente neles.

Mas os católicos realmente acreditam nisso? Uma pesquisa recente do Pew Research Center descobriu que ‘a maioria dos católicos autodenominados assim não acredita neste ensinamento central. De fato, quase sete em cada dez católicos (69%) dizem acreditar pessoalmente que durante a missa católica, o pão e o vinho usados na Comunhão são símbolos do corpo e do sangue de Jesus Cristo’’. Em outras palavras, ‘apenas um terço dos católicos norte-americanos (31%), no caso, afirma acreditar que durante a missa católica, o pão e o vinho se tornam o corpo e o sangue de Jesus’.

Esse resultado poderia desanimar Flannery O'Connor, e isso também leva a uma grande preocupação entre catequistas, pastores e leigos, porque sugere uma falha institucional e pastoral em comunicar uma doutrina fundamental da fé a várias gerações de católicos. Também levou a algumas manchetes alarmantes e algumas alegres, em foma desses caça cliques on-line (não, não vamos vincular a nenhum deles aqui) : ‘A maioria dos católicos dos EUA rejeita a ideia de que a Eucaristia é o corpo literal de Cristo’; ‘Segundo a pesquisa, 7 em cada 10 católicos dos EUA não acreditam na presença real’; ‘a maioria dos católicos acredita que o vinho e o pão são simplesmente simbólicos’.

Não é nada novo, e talvez não seja tão preciso entender essa distinção

Isso não é novidade. Em um artigo de 1994 no The New York Times, o correspondente de religião, Peter Steinfels, relatou o seguinte : ‘No entanto, quando perguntaram para uma amostra representativa de católicos norte-americanos qual afirmação chega mais perto de ‘o que você acredita que ocorre na missa’, apenas 1 de 3 escolheu o pão e o vinho são transformados no corpo e sangue de Cristo’’. Em outras palavras, a porcentagem de católicos norte-americanos que expressaram uma crença na Eucaristia que se alinha inteiramente com o ensinamento da Igreja Católica sobre a transubstanciação não mudou em um quarto de século.

Fora das manchetes chamativas que sugerem que a crença católica na Eucaristia entrou em colapso recentemente, há outros problemas com essa pesquisa e com a forma como foi analisada. Por exemplo, 43% dos entrevistados na pesquisa do Pew acreditavam que a Eucaristia é um símbolo e aceitam aquilo que a igreja ensina. Em outras palavras, enquanto apenas um em cada três católicos entendem bem a teologia, outros quatro em cada dez se identificam como pessoas que acreditam no que (eles pensam) que a igreja ensina. Longe de ‘rejeitar’ a crença na Presença Real, muitos desses católicos provavelmente afirmariam isso, se a sua compreensão do ensinamento da igreja fosse esclarecida ou se a questão fosse mais clara.

Uma razão para esperar que muitos dos ‘céticos’ encontrados pelo Pew possam realmente acreditar é que outras pesquisas recentes com perguntas de palavras diferentes obtenham resultados muito diversos. Como Mark Gray, do Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado, explica, segundo um estudo em 2011 apontou que 46% dos católicos compreendiam o ensinamento da Igreja e acreditavam na Presença Real, e outros 17% acreditavam nela sem entender o ensinamento. (Isso coincide com os dados dos levantamentos do CARA em 2001 e 2008, que descobriram que cerca de 6 em cada 10 católicos acreditavam que Jesus estava realmente presente na Eucaristia). O que poderia explicar a diferença?

As pesquisas que encontraram maior concordância usaram os termos ‘realmente se torna’ ou ‘realmente presente’, enquanto o Pew usou ‘de fato se torna’. E ao descrever a opção ‘símbolo’, foram um pouco mais claros sobre o que isso significava também – a pesquisa de 2011 descreveu essa opção como o pão e o vinho sendo ‘apenas símbolos’, e nas pesquisas de 2001 e 2008, a opção era ‘pão e vinho são símbolos de Jesus, mas Jesus não está realmente presente’. Quando os estudos usam uma linguagem mais familiar aos católicos e as pesquisas são mais claras sobre o que está sendo negado pela resposta do ‘símbolo’, a crença na Eucaristia de acordo com o ensinamento da igreja é quase o dobro do que o Pew encontrou.

Confusão de termos

Outra questão é que os termos usados com frequência nos ensinamentos da igreja podem ser confusos, porque têm múltiplos significados. Por exemplo, o Catecismo da Igreja Católica declara que ‘‘o mais abençoado sacramento da Eucaristia’ o corpo e o sangue, junto à alma e à divindade, de nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, todo Cristo, está verdadeira, real e substancialmente contido nesse momento’. Esta presença é chamada de ‘real’ - pela qual não se pretende excluir os outros tipos de presença como se não pudessem ser ‘reais’ também, mas porque é presença no sentido de ser uma presença substancial pela qual Cristo, Deus e o homem, se faz total e inteiramente presente. Em outras palavras, a Igreja Católica acredita que o pão e o vinho realmente se tornam o corpo e o sangue de Cristo, mas que não significa que as características que fazem deles pão e vinho para nós não estejam mais lá de uma maneira real.

Outro problema é o filosófico. A Igreja Católica tradicionalmente expressava sua compreensão da Eucaristia usando os termos da teologia tomista, essa teologia deriva das ideias filosóficas de Platão e Aristóteles. Nesse contexto, toda coisa criada tem tanto uma ‘substância’ (sua verdadeira realidade) quanto ‘acidentes’, aquelas características que realmente percebemos, como sua aparência física, mas que podem mudar.

Nesse sentido, na consagração, a ‘substância’ do pão e do vinho se torna o corpo e o sangue de Cristo, enquanto os ‘acidentes’ continuam sendo os do pão e do vinho – e é por isso que os experimentamos fisicamente como inalterados. Essa distinção entre substância e acidentes, no entanto, é uma característica da linguagem técnica sobre metafísica, não da descrição cotidiana. E sabemos que a linguagem técnica, ‘substância’ e ‘acidentes’ não está mais em uso difundido entre filósofos e teólogos fora dos círculos tomistas (exceto, talvez, em referência à Eucaristia).

Quando as palavras ‘realmente’ e ‘de fato’ são usadas, como estavam nessas pesquisas anteriores, sem chamar a atenção para as distinções técnicas metafísicas, as pessoas contemporâneas provavelmente saltam para algo como ‘empiricamente’ como seu significado. Mas a diferença entre ‘realmente’ e ‘empiricamente’ é exatamente o que a doutrina da transubstanciação chama nossa atenção.

É por isso que alguns teólogos católicos da segunda metade do século XX, embora afirmando o ensinamento da Igreja sobre a presença real, tentaram encontrar novas maneiras de descrever a Eucaristia que usava a linguagem mais próxima dos entendimentos filosóficos e teológicos contemporâneos da realidade. Edward Schillebeeckx, O.P., propus uma teoria da ‘transignificação’, enquanto Karl Rahner, S.J., sugeriu ‘transfinalização’, mas essas abordagens encontraram pouca atração quando confrontadas com o peso de séculos de linguagem tomista usada para descrever a Eucaristia.

Superando a compreensão

A realidade pode ser que para a maioria dos católicos que se aproximam da Eucaristia, uma descrição teologicamente precisa do que ‘realmente aconteceu’ no altar é menos importante do que a fé no sacramento, um senso de compartilhamento na comunidade, uma experiência de ação de graças – que é o significado literal da palavra ‘eucaristia’ no grego helenístico – ou uma experiência de oração de comunhão com o divino. A teologia da Eucaristia é um pouco parecida com o que os maiores pensadores da Igreja Católica disseram toda vez que alguém tentou definir a doutrina da Trindade : é um mistério.

O teólogo sistemático australiano Gerald O'Collins, SJ, deu uma resposta bastante sensata aos EUA em 2015 para a questão de como entender a Eucaristia : ‘Como o maior dos sacramentos e o ato central de adoração na vida da igreja’ Ele disse ‘a Eucaristia nunca pode ser resumida de forma clara’.


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