Por Eliana
Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
Os cardeais alemães Rainer Maria Woelki, de Colônia, e
Reinhard Marx, de Munique, elevam a Eucaristia durante
missa na catedral de Fulda, em 23 de setembro de 2014
*Artigo
de James T. Keane e Sam Sawyer
Tradução : Ramón Lara
‘Em O
hábito de ser : as cartas de Flannery O'Connor, uma carta de O'Connor,
famosa escritora católica americana, para um destinatário identificado apenas
como ‘A’ conta a história de um jantar em que O'Connor participou em
1955 :
Bem, ao longo da manhã começamos a conversar sobre a Eucaristia, que eu,
sendo católica, obviamente deveria defender. A Senhora Broadwater disse que
quando era criança e recebeu a hóstia, pensou nela como sendo o Espírito Santo,
sendo ele a pessoa ‘mais portável’ da Trindade; agora pensava nisso como um
símbolo e insinuava que era muito bom. Eu então disse, com uma voz muito
trêmula : ‘Bem, se é um símbolo ou não, tanto faz!’
Uma
diferença fundamental durante os séculos, desde a Reforma Protestante, entre os
ensinamentos, a prática da Igreja Católica e a prática da maioria das denominações
protestantes centrou-se no que se acredita que acontece na celebração da
Eucaristia. Diferentemente de (muitos de seus) irmãos protestantes, os
católicos professam que, na Eucaristia, o pão e o vinho no altar realmente se
tornam o corpo e o sangue de Cristo. Além de apontar para a realidade de Cristo
(no sentido de um símbolo), o corpo e sangue são também eles mesmos uma fonte
de graça santificante (um sacramento) porque Cristo é real e verdadeiro (não
meramente um símbolo) presente neles.
Mas
os católicos realmente acreditam nisso? Uma pesquisa recente do Pew Research
Center descobriu que ‘a maioria dos católicos autodenominados assim não
acredita neste ensinamento central. De fato, quase sete em cada dez católicos
(69%) dizem acreditar pessoalmente que durante a missa católica, o pão e o
vinho usados na Comunhão ‘são símbolos do corpo e do sangue de Jesus
Cristo’’. Em outras palavras, ‘apenas um terço dos católicos
norte-americanos (31%), no caso, afirma acreditar que durante a missa católica,
o pão e o vinho se tornam o corpo e o sangue de Jesus’.
Esse
resultado poderia desanimar Flannery O'Connor, e isso também leva a uma grande
preocupação entre catequistas, pastores e leigos, porque sugere uma falha
institucional e pastoral em comunicar uma doutrina fundamental da fé a várias
gerações de católicos. Também levou a algumas manchetes alarmantes e algumas
alegres, em foma desses caça cliques on-line (não, não vamos vincular a nenhum
deles aqui) : ‘A maioria dos católicos dos EUA rejeita a ideia de que a
Eucaristia é o corpo literal de Cristo’; ‘Segundo a pesquisa, 7 em cada
10 católicos dos EUA não acreditam na presença real’; ‘a maioria dos católicos
acredita que o vinho e o pão são simplesmente simbólicos’.
Não é
nada novo, e talvez não seja tão preciso entender essa distinção
Isso
não é novidade. Em um artigo de 1994 no The New York Times, o correspondente de
religião, Peter Steinfels, relatou o seguinte : ‘No entanto, quando
perguntaram para uma amostra representativa de católicos norte-americanos qual
afirmação chega mais perto de ‘o que você acredita que ocorre na missa’, apenas
1 de 3 escolheu o pão e o vinho são transformados no corpo e sangue de Cristo’’.
Em outras palavras, a porcentagem de católicos norte-americanos que expressaram
uma crença na Eucaristia que se alinha inteiramente com o ensinamento da Igreja
Católica sobre a transubstanciação não mudou em um quarto de século.
Fora
das manchetes chamativas que sugerem que a crença católica na Eucaristia entrou
em colapso recentemente, há outros problemas com essa pesquisa e com a forma
como foi analisada. Por exemplo, 43% dos entrevistados na pesquisa do Pew
acreditavam que a Eucaristia é um símbolo e aceitam aquilo que a igreja ensina.
Em outras palavras, enquanto apenas um em cada três católicos entendem bem a
teologia, outros quatro em cada dez se identificam como pessoas que acreditam
no que (eles pensam) que a igreja ensina. Longe de ‘rejeitar’ a crença
na Presença Real, muitos desses católicos provavelmente afirmariam isso, se a
sua compreensão do ensinamento da igreja fosse esclarecida ou se a questão
fosse mais clara.
Uma
razão para esperar que muitos dos ‘céticos’ encontrados pelo Pew possam
realmente acreditar é que outras pesquisas recentes com perguntas de palavras
diferentes obtenham resultados muito diversos. Como Mark Gray, do Centro de
Pesquisa Aplicada no Apostolado, explica, segundo um estudo em 2011 apontou que
46% dos católicos compreendiam o ensinamento da Igreja e acreditavam na
Presença Real, e outros 17% acreditavam nela sem entender o ensinamento. (Isso
coincide com os dados dos levantamentos do CARA em 2001 e 2008, que descobriram
que cerca de 6 em cada 10 católicos acreditavam que Jesus estava realmente
presente na Eucaristia). O que poderia explicar a diferença?
As
pesquisas que encontraram maior concordância usaram os termos ‘realmente se
torna’ ou ‘realmente presente’, enquanto o Pew usou ‘de fato se
torna’. E ao descrever a opção ‘símbolo’, foram um pouco mais claros
sobre o que isso significava também – a pesquisa de 2011 descreveu essa opção
como o pão e o vinho sendo ‘apenas símbolos’, e nas pesquisas de 2001 e
2008, a opção era ‘pão e vinho são símbolos de Jesus, mas Jesus não está
realmente presente’. Quando os estudos usam uma linguagem mais familiar aos
católicos e as pesquisas são mais claras sobre o que está sendo negado pela
resposta do ‘símbolo’, a crença na Eucaristia de acordo com o
ensinamento da igreja é quase o dobro do que o Pew encontrou.
Confusão de termos
Outra
questão é que os termos usados com frequência nos ensinamentos da igreja podem
ser confusos, porque têm múltiplos significados. Por exemplo, o Catecismo da
Igreja Católica declara que ‘‘o mais abençoado sacramento da Eucaristia’ o
corpo e o sangue, junto à alma e à divindade, de nosso Senhor Jesus Cristo e,
portanto, todo Cristo, está verdadeira, real e substancialmente contido nesse
momento’. Esta presença é chamada de ‘real’ - pela qual não se
pretende excluir os outros tipos de presença como se não pudessem ser ‘reais’
também, mas porque é presença no sentido de ser uma presença substancial pela
qual Cristo, Deus e o homem, se faz total e inteiramente presente. Em outras
palavras, a Igreja Católica acredita que o pão e o vinho realmente se tornam o
corpo e o sangue de Cristo, mas que não significa que as características que
fazem deles pão e vinho para nós não estejam mais lá de uma maneira real.
Outro
problema é o filosófico. A Igreja Católica tradicionalmente expressava sua
compreensão da Eucaristia usando os termos da teologia tomista, essa teologia
deriva das ideias filosóficas de Platão e Aristóteles. Nesse contexto, toda
coisa criada tem tanto uma ‘substância’ (sua verdadeira realidade)
quanto ‘acidentes’, aquelas características que realmente percebemos,
como sua aparência física, mas que podem mudar.
Nesse
sentido, na consagração, a ‘substância’ do pão e do vinho se torna o
corpo e o sangue de Cristo, enquanto os ‘acidentes’ continuam sendo os
do pão e do vinho – e é por isso que os experimentamos fisicamente como
inalterados. Essa distinção entre substância e acidentes, no entanto, é uma
característica da linguagem técnica sobre metafísica, não da descrição
cotidiana. E sabemos que a linguagem técnica, ‘substância’ e ‘acidentes’
não está mais em uso difundido entre filósofos e teólogos fora dos círculos
tomistas (exceto, talvez, em referência à Eucaristia).
Quando
as palavras ‘realmente’ e ‘de fato’ são usadas, como estavam
nessas pesquisas anteriores, sem chamar a atenção para as distinções técnicas
metafísicas, as pessoas contemporâneas provavelmente saltam para algo como ‘empiricamente’
como seu significado. Mas a diferença entre ‘realmente’ e ‘empiricamente’
é exatamente o que a doutrina da transubstanciação chama nossa atenção.
É
por isso que alguns teólogos católicos da segunda metade do século XX, embora
afirmando o ensinamento da Igreja sobre a presença real, tentaram encontrar
novas maneiras de descrever a Eucaristia que usava a linguagem mais próxima dos
entendimentos filosóficos e teológicos contemporâneos da realidade. Edward
Schillebeeckx, O.P., propus uma teoria da ‘transignificação’, enquanto
Karl Rahner, S.J., sugeriu ‘transfinalização’, mas essas abordagens
encontraram pouca atração quando confrontadas com o peso de séculos de
linguagem tomista usada para descrever a Eucaristia.
Superando a
compreensão
A
realidade pode ser que para a maioria dos católicos que se aproximam da
Eucaristia, uma descrição teologicamente precisa do que ‘realmente aconteceu’
no altar é menos importante do que a fé no sacramento, um senso de compartilhamento
na comunidade, uma experiência de ação de graças – que é o significado literal
da palavra ‘eucaristia’ no grego helenístico – ou uma experiência de
oração de comunhão com o divino. A teologia da Eucaristia é um pouco parecida
com o que os maiores pensadores da Igreja Católica disseram toda vez que alguém
tentou definir a doutrina da Trindade : é um mistério.
O
teólogo sistemático australiano Gerald O'Collins, SJ, deu uma resposta bastante
sensata aos EUA em 2015 para a questão de como entender a Eucaristia : ‘Como
o maior dos sacramentos e o ato central de adoração na vida da igreja’ Ele
disse ‘a Eucaristia nunca pode ser resumida de forma clara’.’
Fonte
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