sexta-feira, 23 de agosto de 2019

O ecumenismo da amizade


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Papa Francisco e o patriarca Bartolomeu. 
*Artigo de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé


‘Muitos não sabem, mas papa Francisco e o patriarca ecumênico da Igreja Ortodoxa, Bartolomeu I, são amigos. Uma amizade que é canal de reaproximação entre os cristãos.

Bartolomeu I, patriarca ecumênico de Constantinopla e primaz da Ortodoxia. papa Francisco, o 266º pontífice da Igreja Católica. O primeiro, de acordo com a tradição cristã, seria o sucessor do apóstolo André. O segundo, por sua vez, seria o sucessor do apóstolo Pedro – a quem Jesus Cristo confiou a tarefa de dirigir a igreja nascente.

Pedro e André, segundo os evangelhos, eram irmãos. Nos inícios do cristianismo, eles se separaram por causa da missão que lhes foi confiada pelo mestre. Mil anos depois, tomaram rumos diferentes por causa de uma série de divergências que culminaram no Grande Cisma de 1054.

Do ponto de vista histórico e teológico, não há perspectivas de reunificação. Porém, na cabeça do Pedro e do André de hoje, há esperança. Talvez o ‘Que todos sejam um’, a grande invocação de Jesus Cristo, esteja fora de todos os parâmetros pré-estabelecidos. Quiçá, o ecumenismo de hoje fuja de todos os esquemas, como refletem alguns pensadores. O tempo, que urge por paz, dirá.

Depois do encontro histórico entre Paulo VI e Atenágoras, em 1964, a amizade entre Francisco e Bartolomeu merece nossa atenção, já que é um outro oásis em meio ao deserto da separação. Um ecumenismo mais encarnado que esse, meus caros, impossível. Ocidente e Oriente juntos em prol do que realmente importa. Os cristãos divididos jamais serão um testemunho para o mundo. Eles sabem bem disso.

O irmãos na fé têm se aproximado na simplicidade, longe dos holofotes. Os dois se preocupam com a incoerência dos cristãos de hoje. Ambos têm a consciência de que nasceram da mesma vertente e do mesmo chamado. Enquanto os teólogos das duas igrejas se debruçam em fórmulas para promover o diálogo a nível institucional, Francisco e Bartolomeu discutem, ‘numa mesa de café’, como resgatar o cristianismo que se perde no antro das ideologias nocivas.

No início do governo do primeiro pontífice latino-americano da história, ficou evidente que os frutos dessa união seriam abundantes. Para começar, foi a primeira vez, desde a separação entre essas duas tradições cristãs, que um patriarca ecumênico assistira à posse do bispo de Roma. Em resposta à cortesia, o papa não exitou em chamá-lo de ‘irmão André’ durante a audiência privada com os representantes das grandes religiões, um dia após à missa inaugural do seu papado.

Laudato si, a encíclica social de Francisco que trata de ecologia, resume o pensamento do Bartolomeu sobre o assunto. Não por acaso, lhe foi dado o justo crédito no texto. Os dois líderes possuem uma sintonia de pensamento jamais vista : são irmãos. O mundo precisa de irmãos, não de companheiros formais que se limitam a assinar tratados.

O ecumenismo de Francisco talvez incomode por isso. Na mesa de diálogo está, antes de mais nada, o respeito pelas diferenças e a reafirmação das identidades. Não se faz ecumenismo sem esse espírito familiar, sem o desejo prioritário de colaborar para que se estabeleça do reino de Deus. Não é a instauração da nova ordem mundial, como os fãs de teorias da conspiração gostam de interpretar. É amizade, é vida, é o que o mundo precisa. É o cristianismo retomando o frescor do cenáculo.


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