quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Por que a Eucaristia parece confusa para muitos católicos?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Os cardeais alemães Rainer Maria Woelki, de Colônia, e Reinhard Marx, de Munique, elevam a Eucaristia durante missa na catedral de Fulda, em 23 de setembro de 2014.
Os cardeais alemães Rainer Maria Woelki, de Colônia, e
Reinhard Marx, de Munique, elevam a Eucaristia durante
missa na catedral de Fulda, em 23 de setembro de 2014

*Artigo de James T. Keane e Sam Sawyer 
Tradução : Ramón Lara

‘Em O hábito de ser : as cartas de Flannery O'Connor, uma carta de O'Connor, famosa escritora católica americana, para um destinatário identificado apenas como ‘A’ conta a história de um jantar em que O'Connor participou em 1955 :

Bem, ao longo da manhã começamos a conversar sobre a Eucaristia, que eu, sendo católica, obviamente deveria defender. A Senhora Broadwater disse que quando era criança e recebeu a hóstia, pensou nela como sendo o Espírito Santo, sendo ele a pessoa ‘mais portável’ da Trindade; agora pensava nisso como um símbolo e insinuava que era muito bom. Eu então disse, com uma voz muito trêmula : ‘Bem, se é um símbolo ou não, tanto faz!’

Uma diferença fundamental durante os séculos, desde a Reforma Protestante, entre os ensinamentos, a prática da Igreja Católica e a prática da maioria das denominações protestantes centrou-se no que se acredita que acontece na celebração da Eucaristia. Diferentemente de (muitos de seus) irmãos protestantes, os católicos professam que, na Eucaristia, o pão e o vinho no altar realmente se tornam o corpo e o sangue de Cristo. Além de apontar para a realidade de Cristo (no sentido de um símbolo), o corpo e sangue são também eles mesmos uma fonte de graça santificante (um sacramento) porque Cristo é real e verdadeiro (não meramente um símbolo) presente neles.

Mas os católicos realmente acreditam nisso? Uma pesquisa recente do Pew Research Center descobriu que ‘a maioria dos católicos autodenominados assim não acredita neste ensinamento central. De fato, quase sete em cada dez católicos (69%) dizem acreditar pessoalmente que durante a missa católica, o pão e o vinho usados na Comunhão são símbolos do corpo e do sangue de Jesus Cristo’’. Em outras palavras, ‘apenas um terço dos católicos norte-americanos (31%), no caso, afirma acreditar que durante a missa católica, o pão e o vinho se tornam o corpo e o sangue de Jesus’.

Esse resultado poderia desanimar Flannery O'Connor, e isso também leva a uma grande preocupação entre catequistas, pastores e leigos, porque sugere uma falha institucional e pastoral em comunicar uma doutrina fundamental da fé a várias gerações de católicos. Também levou a algumas manchetes alarmantes e algumas alegres, em foma desses caça cliques on-line (não, não vamos vincular a nenhum deles aqui) : ‘A maioria dos católicos dos EUA rejeita a ideia de que a Eucaristia é o corpo literal de Cristo’; ‘Segundo a pesquisa, 7 em cada 10 católicos dos EUA não acreditam na presença real’; ‘a maioria dos católicos acredita que o vinho e o pão são simplesmente simbólicos’.

Não é nada novo, e talvez não seja tão preciso entender essa distinção

Isso não é novidade. Em um artigo de 1994 no The New York Times, o correspondente de religião, Peter Steinfels, relatou o seguinte : ‘No entanto, quando perguntaram para uma amostra representativa de católicos norte-americanos qual afirmação chega mais perto de ‘o que você acredita que ocorre na missa’, apenas 1 de 3 escolheu o pão e o vinho são transformados no corpo e sangue de Cristo’’. Em outras palavras, a porcentagem de católicos norte-americanos que expressaram uma crença na Eucaristia que se alinha inteiramente com o ensinamento da Igreja Católica sobre a transubstanciação não mudou em um quarto de século.

Fora das manchetes chamativas que sugerem que a crença católica na Eucaristia entrou em colapso recentemente, há outros problemas com essa pesquisa e com a forma como foi analisada. Por exemplo, 43% dos entrevistados na pesquisa do Pew acreditavam que a Eucaristia é um símbolo e aceitam aquilo que a igreja ensina. Em outras palavras, enquanto apenas um em cada três católicos entendem bem a teologia, outros quatro em cada dez se identificam como pessoas que acreditam no que (eles pensam) que a igreja ensina. Longe de ‘rejeitar’ a crença na Presença Real, muitos desses católicos provavelmente afirmariam isso, se a sua compreensão do ensinamento da igreja fosse esclarecida ou se a questão fosse mais clara.

Uma razão para esperar que muitos dos ‘céticos’ encontrados pelo Pew possam realmente acreditar é que outras pesquisas recentes com perguntas de palavras diferentes obtenham resultados muito diversos. Como Mark Gray, do Centro de Pesquisa Aplicada no Apostolado, explica, segundo um estudo em 2011 apontou que 46% dos católicos compreendiam o ensinamento da Igreja e acreditavam na Presença Real, e outros 17% acreditavam nela sem entender o ensinamento. (Isso coincide com os dados dos levantamentos do CARA em 2001 e 2008, que descobriram que cerca de 6 em cada 10 católicos acreditavam que Jesus estava realmente presente na Eucaristia). O que poderia explicar a diferença?

As pesquisas que encontraram maior concordância usaram os termos ‘realmente se torna’ ou ‘realmente presente’, enquanto o Pew usou ‘de fato se torna’. E ao descrever a opção ‘símbolo’, foram um pouco mais claros sobre o que isso significava também – a pesquisa de 2011 descreveu essa opção como o pão e o vinho sendo ‘apenas símbolos’, e nas pesquisas de 2001 e 2008, a opção era ‘pão e vinho são símbolos de Jesus, mas Jesus não está realmente presente’. Quando os estudos usam uma linguagem mais familiar aos católicos e as pesquisas são mais claras sobre o que está sendo negado pela resposta do ‘símbolo’, a crença na Eucaristia de acordo com o ensinamento da igreja é quase o dobro do que o Pew encontrou.

Confusão de termos

Outra questão é que os termos usados com frequência nos ensinamentos da igreja podem ser confusos, porque têm múltiplos significados. Por exemplo, o Catecismo da Igreja Católica declara que ‘‘o mais abençoado sacramento da Eucaristia’ o corpo e o sangue, junto à alma e à divindade, de nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, todo Cristo, está verdadeira, real e substancialmente contido nesse momento’. Esta presença é chamada de ‘real’ - pela qual não se pretende excluir os outros tipos de presença como se não pudessem ser ‘reais’ também, mas porque é presença no sentido de ser uma presença substancial pela qual Cristo, Deus e o homem, se faz total e inteiramente presente. Em outras palavras, a Igreja Católica acredita que o pão e o vinho realmente se tornam o corpo e o sangue de Cristo, mas que não significa que as características que fazem deles pão e vinho para nós não estejam mais lá de uma maneira real.

Outro problema é o filosófico. A Igreja Católica tradicionalmente expressava sua compreensão da Eucaristia usando os termos da teologia tomista, essa teologia deriva das ideias filosóficas de Platão e Aristóteles. Nesse contexto, toda coisa criada tem tanto uma ‘substância’ (sua verdadeira realidade) quanto ‘acidentes’, aquelas características que realmente percebemos, como sua aparência física, mas que podem mudar.

Nesse sentido, na consagração, a ‘substância’ do pão e do vinho se torna o corpo e o sangue de Cristo, enquanto os ‘acidentes’ continuam sendo os do pão e do vinho – e é por isso que os experimentamos fisicamente como inalterados. Essa distinção entre substância e acidentes, no entanto, é uma característica da linguagem técnica sobre metafísica, não da descrição cotidiana. E sabemos que a linguagem técnica, ‘substância’ e ‘acidentes’ não está mais em uso difundido entre filósofos e teólogos fora dos círculos tomistas (exceto, talvez, em referência à Eucaristia).

Quando as palavras ‘realmente’ e ‘de fato’ são usadas, como estavam nessas pesquisas anteriores, sem chamar a atenção para as distinções técnicas metafísicas, as pessoas contemporâneas provavelmente saltam para algo como ‘empiricamente’ como seu significado. Mas a diferença entre ‘realmente’ e ‘empiricamente’ é exatamente o que a doutrina da transubstanciação chama nossa atenção.

É por isso que alguns teólogos católicos da segunda metade do século XX, embora afirmando o ensinamento da Igreja sobre a presença real, tentaram encontrar novas maneiras de descrever a Eucaristia que usava a linguagem mais próxima dos entendimentos filosóficos e teológicos contemporâneos da realidade. Edward Schillebeeckx, O.P., propus uma teoria da ‘transignificação’, enquanto Karl Rahner, S.J., sugeriu ‘transfinalização’, mas essas abordagens encontraram pouca atração quando confrontadas com o peso de séculos de linguagem tomista usada para descrever a Eucaristia.

Superando a compreensão

A realidade pode ser que para a maioria dos católicos que se aproximam da Eucaristia, uma descrição teologicamente precisa do que ‘realmente aconteceu’ no altar é menos importante do que a fé no sacramento, um senso de compartilhamento na comunidade, uma experiência de ação de graças – que é o significado literal da palavra ‘eucaristia’ no grego helenístico – ou uma experiência de oração de comunhão com o divino. A teologia da Eucaristia é um pouco parecida com o que os maiores pensadores da Igreja Católica disseram toda vez que alguém tentou definir a doutrina da Trindade : é um mistério.

O teólogo sistemático australiano Gerald O'Collins, SJ, deu uma resposta bastante sensata aos EUA em 2015 para a questão de como entender a Eucaristia : ‘Como o maior dos sacramentos e o ato central de adoração na vida da igreja’ Ele disse ‘a Eucaristia nunca pode ser resumida de forma clara’.


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