Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
João XXIII foi acusado de ser comunista por fundamentalistas.
(Vatican Media)
*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista e mestre em História da Igreja, uma das
poucas brasileiras
credenciadas como vaticanista junto à Sala de
Imprensa da Santa Sé
‘Era
a época da Guerra Fria. Um papa corajoso teve a coragem de romper os muros
erguidos pela polarização. Seu nome é associado à revolução do diálogo gerada
pelo Concílio Vaticano II. Em outras épocas, foi apresentado como papa de
transição. Hoje, os documentos do seu magistério foram jogados num ‘arquivo
morto’ por grupos que acusam-no de comunista até hoje. Um papa falar de
reconciliação, hoje em dia, é pedir para ser chamado de herege. Foi assim com
com João XXIII, o 261º pontífice da Igreja Católica para o qual dedicaremos
esta reflexão.
Ele
era o ‘papa bom’ e, para muitos, ficou só o slogan. O que está por trás
da quase negação dessa figura por parte de alguns católicos na atualidade? Por
que a voz profética de Giuseppe Roncalli – seu nome de batismo – incomoda
tantos cristãos das ‘cruzadas’ contemporâneas?
Há
quem diga que o tal título lhe foi conferido para sobrepor o seu sucessor, Pio
XII, o pontífice que não agradou muito a opinião pública. Mas na interpretação
dos especialistas nesse pontificado, seu estilo pastoral fez dele um pontífice
bastante peculiar e digno desse apelido carinhoso. Ele revolucionou o papado,
sobretudo no modo de se relacionar com as pessoas. Os encontros com doentes,
crianças e presidiários causaram enorme comoção popular. O povo foi conquistado
pela humanidade daquele ‘papa diferente’ para os moldes de uma época, de
uma mentalidade dominante.
Além
de preparar a Igreja Católica para os novos tempos, através do Concílio
Vaticano II, convocado três meses após assumir o pontificado, João XXIII
escreveu uma encíclica que precisa ser reproposta com urgência. Estamos falando
da Pacem in terris, a primeira encíclica moderna no real sentido da
palavra, no tocante à linguagem e às categorias teológicas utilizadas. Para se
ter ideia, foi o primeiro documento magisterial da história voltado não somente
para os católicos, mas ‘aos homens de boa vontade’, como vemos no
prefácio.
‘Os
elementos (da encíclica) visam atrair o consenso de todos os homens
inteligentes e livres, também daqueles que não partilham a fé e a visão
sobrenatural da Igreja Católica’, disse João XXIII no dia da promulgação do
documento.
O
grande elemento de ruptura do texto, escrito e maturado em meio às primeiras
sessões do concílio, foi o apelo para que todos os católicos trabalhassem
juntos pelo bem comum, independentemente do espectro político. Portanto, no
documento há uma distinção clara entre as ideologias – condenadas pela Igreja
Católica – e os movimentos políticos que atuam na história, os quais, na visão
desse papa, podem reunir as mais justas aspirações do ser humano,
independentemente do ‘lado’ de proveniência.
Sendo
assim, tomar os documentos de magistério anteriores a essa visão colaborativa
de João XXIII é um prato cheio a essa visão maniqueísta e ideológica que divide
o cenário político entre anjos e demônios. E o pior : que divide a Igreja entre
‘condenados ao inferno’ e ‘homens de bem’, que é o que observamos
hoje.
O
próprio João XXIII, assim como Pio XII, condenou a filosofia marxista e seu
sistema, mas não é bem quisto pelos grupos católicos fundamentalistas por causa
da sua abertura à conciliação entre partidos opostos em prol da sociedade. Sem
contar que o capitalismo selvagem, enquanto componente de um sistema, também
foi condenado pela Igreja Católica : algo que fazem questão de não citar.
O
papa entendeu que não se ‘endireita’ a sociedade com uma eterna ‘dança
das cadeiras’ entre ideologias. Se quem cria polarização e incentiva a
divisão é considerado ‘homem de bem’ e o papa atual é tido como inimigo
da humanidade na tentativa de evitar a próxima guerra, estamos mais fadados ao
fracasso do que nunca. Tempos sombrios.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1379159/2019/08/o-papa-que-lutou-contra-a-polarizacao/
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