Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Fabrício Veliq,
teólogo protestante
‘Dialogar
nunca foi algo fácil de fazer. Qualquer pessoa que tenha que conviver com
outra, em algum momento, enfrentará o desafio de comunicar a si mesma e, ao
mesmo tempo, ouvir a comunicação que venha da outra pessoa com quem se convive.
Um
dos pontos mais comuns, e talvez menos perceptível numa suposta tentativa de
diálogo, é a questão da superioridade. E, logicamente, a palavra suposta aqui
tem um papel importante. Isso porque todo diálogo pressupõe a igualdade de
dignidade entre as pessoas que vão para esse diálogo. Se um dialogante se
considera superior ao outro, dificilmente dali se espera que saia um diálogo
nos moldes tradicionais. No lugar, geralmente o que ocorre são tentativas de
convencimento da outra pessoa, ou falsas disposições de ouvir o que esta tem a
dizer.
No
que tange ao diálogo interreligioso o mesmo acontece. É muito comum,
principalmente no meio cristão ocidental, este se considerar superior às outras
religiões com as quais propõe um diálogo. Na maioria das tentativas, ao longo
da história, o cristianismo sempre se colocou como aquele que detém a verdade
absoluta e como o responsável por anunciar essa verdade a todas as nações.
Nesse
bojo, consequentemente estão as nações cuja religião majoritária não é o
cristianismo. Assim, tornou-se comum que quando uma pessoa cristã chega à
determinada região em que o cristianismo não é a religião oficial, sinta-se
impelida a converter toda aquela área para aquela que considera a religião mais
suprema de todas e que, coincidentemente, é a dele.
Quando
isso acontece, as propostas de diálogo vão para o lado proselitista, ou seja,
tenta-se de todos os modos mostrarem que as outras religiões estão erradas e o
cristianismo possui todas as respostas corretas para todas as questões da
humanidade. As outras religiões, por sua vez, se mostrariam como tentativas de
dar respostas sem, contudo, alcançar a profundidade delas, necessitando, assim,
que o cristianismo chegue e anuncie os termos e conceitos corretos e
necessários para se agradar a Deus.
Essa
posição de superioridade inviabiliza todo o diálogo e, ao mesmo tempo, está
longe do conceito de encarnação proposto por Jesus, e anunciado nos Evangelhos.
A encarnação, que quer dizer ‘assumir a carne do mundo’ revela que Deus
se fez humano ou, em outras palavras, assumiu a realidade do mundo como sua
própria realidade, a fim de revelar quem ele realmente é, ou seja, total doação
e total amor para com aqueles e aquelas a quem ama.
Esse
humilhar-se do Criador ao nível da criatura revela que toda pretensão de
superioridade deve ser, a exemplo de Cristo, deixada de lado, o que sem
dúvidas, tem consequências para toda e qualquer proposta de diálogo, seja
comum, seja interreligioso. A encarnação mostra que para revelar Deus é
necessário estar disposto a se entregar como ele também se entregou e amar como
ele amou. Em outras palavras, a encarnação revela que é somente no amor e por
meio dele que é possível dizer quem Deus é.
Assim,
se a identidade cristã está baseada na identidade de Cristo, então toda pessoa
cristã, quando se propuser a dialogar, deve abandonar a ideia de se considerar
melhor do que aquele ou aquela com quem se dialoga. No nível macro, o
cristianismo deve abrir mão de sua pretensão de superioridade e se colocar como
a menor religião de todas, a mais humilde, a que está disposta a aprender com
as outras em reciprocidade, considerando essas religiões tão dignas de fala
como o próprio cristianismo se considera, sem com isso perder sua identidade,
que é Cristo e seu modo de ser, que é amor. Ao fazer isso, coloca em prática
aquilo que Jesus ensinou quando disse : ‘quem quiser ser o primeiro entre
vós, seja o último e servo de todos’ (Mc 9,35).
Abrir
mão da pretensa superioridade, talvez, seja uma das tarefas mais difíceis para
o cristianismo contemporâneo, que durante muito tempo se acostumou a ser a
maior religião do mundo e o responsável por ditar os padrões éticos, morais,
sociais e culturais da humanidade.
Ainda
que a partir da modernidade isso não seja mais uma realidade, permanece em
muitos líderes e pessoas cristãs a ideia de que o mundo precisa se converter ao
cristianismo para que ele seja um lugar melhor, esquecendo que, seguindo os
ensinamentos de Jesus, não devemos pretender ter um império cristão sobre os
outros, mas, como sal na comida, desaparecer no mundo para, por meio do amor,
fazer a real diferença que esta terra aguarda ansiosamente.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra https://domtotal.com/noticia/1381629/2019/08/nao-e-crista-a-pretensa-superioridade-do-cristianismo/
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