Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo de Pe. Raniero Cantalamessa, OFMCAP,
pregador oficial da Casa Pontifícia (Vaticano)
Tradução : Thácio Siqueira
Todas as manhãs, quando acordamos, temos uma experiência única, que quase
nunca notamos. Durante a noite, as coisas à nossa volta existiam, eram como as
tínhamos deixado na noite anterior : a cama, a janela, o quarto. Talvez o sol
já esteja brilhando lá fora, mas não o vemos porque nossos olhos estão fechados
e nossas cortinas estão abaixadas. Só agora, quando acordo, é que as coisas
começam ou voltam a existir para mim, porque me dou conta delas, as percebo.
Antes era como se elas não existissem, como se eu não existisse.
A mesma coisa acontece com Deus. Ele está sempre ali; ‘nele nos movemos, respiramos e somos’, disse Paulo aos atenienses
(At 17,28); mas geralmente isso acontece como no sono, sem que nos demos conta.
O espírito também precisa de um despertar, um aumento da consciência. É por
isso que a Escritura nos exorta tantas vezes a despertar do sono : ‘Acordai vós que dormis, despertai dos
mortos, e Cristo vos iluminará’ (Ef 5, 14), ‘Agora é tempo de vos despertar do sono!’ (Rm 13,11). É o que nos
propomos para continuar, na Quaresma, a busca do Deus vivo que começou no
Advento.
Idolatria antiga e nova
O Deus ‘vivo’ da Bíblia é assim
definido para distingui-lo dos ídolos que são coisas mortas. É a batalha que
une todos os livros do Antigo e do Novo Testamento. Basta abrir quase ao
acaso uma página dos profetas ou dos salmos para encontrar os sinais desta luta
épica em defesa do único Deus de Israel. A idolatria é a antítese exata do Deus
vivo. Dos ídolos, diz um salmo :
Os ídolos dos povos são
prata e ouro,
trabalho das mãos do
homem.
Eles têm boca e não
falam,
têm olhos e não conseguem
ver,
têm ouvidos e não ouvem,
têm narinas e não
cheiram.
Têm mãos e não apalpam,
têm pés e não andam;
Da garganta não fazem
barulho. (Sl
114, 3-7).
Do contraste com os ídolos, o Deus vivo aparece como um Deus que ‘faz o que quer’, que fala, que vê, que
ouve, um Deus ‘que respira’! O sopro
de Deus também tem um nome na Escritura : é chamado de Ruah Jahwe,
o Espírito de Deus. É o sopro que Deus soprou sobre Adão quando ainda era um
simulacro de argila (Gn 2, 7); é o sopro que o Ressuscitado soprou sobre os
discípulos na noite de Páscoa : ‘Soprou
sobre eles e disse : ‘Recebei o
Espírito Santo’’ (Jo 20, 22).
A batalha contra a idolatria infelizmente não terminou com o fim do
paganismo histórico; ela está sempre em ato. Os ídolos mudaram de nome, mas
estão mais presentes do que nunca. Mesmo dentro de cada um de nós, veremos, há
um que é o mais assustador de todos. Por conseguinte, vale a pena insistir, por
uma vez, neste problema, como um problema atual, e não apenas do passado.
Aquele que fez da idolatria a análise mais lúcida e profunda é o apóstolo
Paulo. Deixemo-nos guiar por ele para a descoberta do ‘bezerro de ouro’ que se esconde em cada um de nós. No início da
carta aos Romanos nós lemos estas palavras :
‘Na realidade, a ira de Deus é
revelada do céu contra toda a impiedade e toda injustiça dos homens que sufocam
a verdade na injustiça, pois o que pode ser conhecido de Deus é manifesto a
eles; o próprio Deus o manifestou a eles. Com efeito, desde a criação do mundo
em diante, as suas perfeições invisíveis podem ser contempladas com o intelecto
nas suas obras, como seu eterno poder e divindade; são, portanto,
indesculpáveis, porque, embora conheçam a Deus, não lhe deram glória nem graças
como Deus, mas vaguearam em seus raciocínios e as suas mentes obtusas foram
obscurecidas’ (Rm 1, 18-21).
Nas mentes dos que estudaram teologia, estas palavras estão quase
exclusivamente ligadas à tese da cognoscibilidade natural da existência de Deus
a partir das criaturas. Portanto, uma vez resolvido este problema, ou depois de
ter deixado de ser tão atual como no passado, acontece que estas palavras
raramente são lembradas e valorizadas. Mas a do conhecimento natural de Deus é,
no contexto, um problema completamente marginal. As palavras do Apóstolo têm
muito mais a nos dizer; elas contêm um desses ‘trovões de Deus’ capazes de derrubar também os cedros do Líbano.
O Apóstolo está empenhado em demonstrar a situação da humanidade antes de
Cristo e fora dele; em outras palavras, onde começa o processo de redenção. Ele
não parte de zero, da natureza, mas de subzero, do pecado. Todos pecaram,
ninguém excluído. O Apóstolo divide o mundo em duas categorias : Gregos e
judeus, isto é, pagãos e crentes, e começa sua acusação precisamente a partir
do pecado dos pagãos. Identifica o pecado fundamental do mundo pagão na
impiedade e na injustiça. Diz que este é um ataque à verdade; não a esta ou
aquela verdade, mas à verdade original de todas as coisas.
O pecado fundamental, o objeto primário da ira divina, é identificado
na asebeia, isto é, na impiedade. Em que consiste exatamente esta
impiedade, o Apóstolo explica imediatamente, dizendo que consiste na recusa de ‘glorificar’ e de ‘agradecer’ a Deus. Em outras palavras, ao recusar reconhecer Deus
como Deus, ao não lhe dar a consideração que lhe é devida. Consiste, poderíamos
dizer, em ‘ignorar’ a Deus, onde, no
entanto, ignorar não significa tanto ‘não
saber que existe’ mas ‘fazer como se ele não existisse’.
No Antigo Testamento ouvimos Moisés que grita ao povo : ‘Reconhece que Deus é Deus!’ (cf. Dt 7,9)
e um salmista retoma este grito, dizendo : ‘Reconhecei
que o Senhor é Deus : Ele fez-nos e nós somos seus!’ (Sl 100,3). Reduzido
ao seu núcleo germinativo, o pecado é negar este ‘reconhecimento’; é a tentativa, por parte da criatura, de anular a
diferença qualitativa infinita que existe entre a criatura e o Criador,
recusando-se a depender dele. Esta recusa tomou forma, concretamente, na
idolatria, em que a criatura é adorada em vez do Criador (cf. Rm 1, 25). Os
pagãos, continua o Apóstolo, ‘vaguearam
nos seus raciocínios e escureceram as suas mentes obtusas. Como se declararam
sábios, tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível com a
imagem e a figura do homem corruptível, dos pássaros, quadrúpedes e répteis’
(Rm 1,22-23).
O Apóstolo não quer dizer que todos os pagãos, sem distinção, devam ter
vivido subjetivamente neste tipo de pecado (mais tarde ele falará de pagãos que
se tornam aceitos a Deus seguindo a lei de Deus escrita em seus corações, cf.
Rm 2,14 ss); ele só quer dizer qual é a situação objetiva do homem diante de
Deus depois do pecado. O homem, criado ‘reto’ (no sentido físico
de ereto e no sentido moral de justo), com o
pecado tornou-se ‘curvo’, isto é, dobrado sobre si mesmo, e ‘perverso’,
orientado para si mesmo, mais do que para Deus.
Na idolatria, o homem não ‘aceita’
Deus, mas se faz um deus. As partes são invertidas : o homem torna-se o oleiro
e Deus o vaso que molda ao seu gosto (cf. Rm 9, 20 ss.). Em tudo isto há uma
referência, pelo menos implicitamente, ao relato da criação (cf. Gn 1,
26-27). Ali se diz que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança; aqui
se diz que o homem trocou por Deus a imagem e a figura do homem corruptível. Em
outras palavras, Deus fez o homem à sua imagem, agora o homem faz Deus à sua
imagem. Porque o homem é violento, eis que fará da violência um deus, Marte;
porque é cobiçoso, fará da luxúria uma deusa, Vênus, e assim por diante. Faz de
Deus a projeção de si mesmo.
‘Tu és esse homem!’
Seria fácil mostrar que esta é também a situação em que, de certa forma,
nos encontramos, no Ocidente, do ponto de vista religioso e a partir da qual o
ateísmo moderno começou com a famosa máxima de Feuerbach : ‘Não foi Deus quem criou o homem à sua
imagem, mas foi o homem que criou Deus à sua imagem’. Em certo sentido,
temos de admitir que esta afirmação é verdadeira! Sim, deus é verdadeiramente
um produto da mente humana. O problema, porém, é saber de que deus se trata.
Certamente não é o Deus vivo da Bíblia, mas apenas um substituto.
Imaginemos que hoje um homem desequilibrado comece a dar marteladas na
estátua do David de Michelangelo em frente ao Palazzo della Signoria em
Florença, e depois comece a gritar com um ar de triunfo : ‘Eu destruí o David de Michelangelo! O David não existe mais! O David
não existe mais!’. Não sabe, pobre iludido, que este era apenas um modelo,
uma cópia para turistas apressados, porque o verdadeiro David de Michelangelo,
após um ataque do tipo que aconteceu no passado, tinha sido retirado de
circulação e colocado em um lugar seguro na Galleria dell'Accademia. Foi o que
aconteceu a Nietzsche quando, pela boca de um de seus personagens, ele
proclamou : ‘Nós matamos Deus!’[1]. Ele não percebeu que não tinha
matado o verdadeiro Deus, mas uma cópia de ‘gesso’ dele.
Basta uma simples observação para se convencer de que o ateísmo moderno
não tem a ver com o Deus da fé cristã, mas com uma ideia deformada dele. Se a
ideia do Deus Uno e Trino tivesse sido mantida viva na teologia (em vez de
falar de um vago ‘Ser Supremo’) não
teria sido tão fácil para Feuerbach fazer triunfar a sua tese de que Deus é uma
projeção que o homem faz de si mesmo e de sua própria essência. Que necessidade
teria o homem de se dividir em três : Pai, Filho e Espírito Santo? É o deísmo
vago que é demolido pelo ateísmo moderno, não a fé no Deus uno e trino.
Mas vamos passar a outra coisa. Não estamos aqui para refutar o ateísmo
moderno ou para um curso de teologia pastoral; estamos aqui para fazer um
caminho de conversão pessoal. Que parte temos nós - refiro-me agora a ‘nós’ no sentido de nós que estamos aqui,
de nós crentes -, na tremenda acusação da Bíblia contra a idolatria? De acordo
com o que foi dito até agora, pareceria, de fato, que temos, acima de tudo, um
papel de acusadores. Mas ouçamos bem o que segue na Carta de Paulo aos Romanos.
Depois de ter arrancado a máscara do rosto do mundo, nela o Apóstolo arranca
também a máscara do nosso rosto e vemos como.
‘Assim, és inescusável, ó homem,
quem quer que sejas, que te arvoras em juiz. Naquilo que julgas a outrem, a ti
mesmo te condenas; pois tu, que julgas, fazes as mesmas coisas que eles. Ora,
sabemos que o juízo de Deus contra aqueles que fazem tais coisas corresponde à
verdade. Tu, ó homem, que julgas os que praticam tais coisas, mas as cometes
também, pensas que escaparás ao juízo de Deus?’ (Rm 2,1-3).
A Bíblia conta esta história. O rei Davi havia cometido um adultério; para
encobri-lo, tinha feito morrer o marido da mulher na guerra, de modo que,
naquele momento, tomá-la por esposa podia até parecer um ato de generosidade,
por parte do rei, para com um soldado que havia morrido lutando por ele. Uma
verdadeira cadeia de pecados. Então, aproximou-se dele o profeta Natã, enviado
por Deus, e contou-lhe uma parábola (mas o rei não sabia que era uma parábola).
Havia, na cidade, um homem muito rico que tinha rebanhos de ovelhas e havia
também um homem pobre que tinha apenas uma ovelha muito querida para ele, da
qual tirava o seu sustento e que dormia com ele. Um hóspede chegou ao rico e
ele, economizando as suas ovelhas, pegou para si as ovelhas do pobre e mandou
matá-las para preparar a mesa do hóspede. Ao ouvir esta história, a ira de Davi
se desencadeou contra o homem e ele disse : ‘Quem fez isso merece morrer! Então Natan, abandonando de repente a
parábola e apontando seu dedo para ele, disse a Davi : ‘Você é esse homem!’’
(cf. 2 Sam 12,1 ss).
Isso é o que o Apóstolo Paulo faz conosco. Depois de nos ter arrastado
atrás dele numa justa indignação e horror perante a impiedade do mundo,
passando do primeiro capítulo ao segundo capítulo da sua Carta, como se de
repente se tivesse voltado para nós, repete-nos : ‘Tu és aquele homem!’ O reaparecimento, neste ponto, do termo ‘indesculpável’ (anapologetos),
usado acima para os pagãos, não deixa dúvidas sobre as intenções de Paulo.
Enquanto julgavas os outros - ele vem dizer -, te condenavas a ti mesmo. O horror
que concebeste para com a idolatria é hora de voltá-lo contra ti próprio.
O ‘juiz’, no decorrer do
capítulo dois, revela-se como o judeu que aqui, porém, é tomado, mais do que
qualquer outra coisa, como um tipo. O ‘judeu’
é o não-grego, o não-pagão (cf. Rm 2, 9-10); é o homem piedoso e crente que,
fortalecido pelos seus princípios e na posse de uma moral revelada, julga o
resto do mundo e, julgando, sente-se seguro. Neste sentido, ‘Judeu’ é cada um de nós. Orígenes dizia
até mesmo que, na Igreja, são os bispos, sacerdotes e diáconos, que são visados
por estas palavras do Apóstolo, ou seja, os guias, os mestres[2].
O próprio Paulo experimentou esse choque quando, como fariseu, se tornou
cristão, e por isso pode agora falar com tal certeza e mostrar aos crentes o
caminho para sair do farisaísmo. Ele desmascara a estranha e frequente ilusão
das pessoas piedosas e religiosas de se considerarem protegidas da ira de Deus,
somente porque têm uma ideia clara do bem e do mal, conhecem a lei e,
ocasionalmente, sabem como aplicá-la aos outros, enquanto, no que se refere a
si mesmos, pensam que o privilégio de estar do lado de Deus ou, em todo caso, a
‘bondade’ e a ‘paciência’ de Deus, que conhecem bem, fazem uma exceção para eles.
Vamos imaginar esta cena. Um pai está corrigindo um de seus filhos por
alguma transgressão; um outro filho, que cometeu a mesma falta, acreditando que
iria ganhar a simpatia do pai e escapar da reprovação, começa a repreender
também, em voz alta, o seu irmão, enquanto o pai esperava algo completamente
diferente, ou seja, que ouvindo-o repreender o irmão e vendo a sua bondade e
paciência para com ele, ele corresse para se jogar a seus pés, confessando que
ele também era culpado da mesma falta e prometendo-lhe se corrigir.
‘Ou desprezas as riquezas da sua
bondade, tolerância e longanimidade, desconhecendo que a bondade de Deus te
convida ao arrependimento? Mas, pela tua obstinação e coração impenitente, vais
acumulando ira contra ti, para o dia da cólera e da revelação do justo juízo de
Deus’ (Rm 2,4-5).
Acontece como quando um jurista tem toda a intenção de analisar uma famosa
sentença de condenação emitida no passado e que, de repente, observando melhor,
ele percebe que a sentença também se aplica a ele e ainda está em pleno vigor :
subitamente muda o humor e o coração deixa de ter a certeza de si mesmo. Aqui a
palavra de Deus está engajada em um verdadeiro tour de force; ela
deve inverter a situação de quem a está tratando. Não há escapatória aqui :
devemos ‘desmoronar’ e dizer como
Davi : ‘Eu pequei!’ (2 Sam 12,13), ou
ocorre um endurecimento adicional do coração e a impenitência é fortalecida. Da
escuta desta palavra de Paulo sai-se convertido ou endurecido.
Mas qual é a acusação específica que o Apóstolo faz contra os ‘piedosos’? Que - diz ele - façam ‘as mesmas coisas’ que julgam nos outros.
Em que sentido ‘as mesmas coisas’? No
sentido de materialmente as mesmas coisas? Isto também (cf. Rm
2,21-24); mas sobretudo as mesmas coisas, em termos de substância, que é a
impiedade e a idolatria. O Apóstolo sublinha-o melhor no decurso do resto da
sua Carta, quando denuncia a pretensão de se salvar pelas próprias obras e de
se tornar assim os credores e de Deus o devedor. Se tu, chega a dizer,
observares a lei e fizeres todo tipo de obras boas, mas para afirmar a tua
justiça, te colocas no lugar de Deus. Paulo só repete com outras palavras o que
Jesus, no Evangelho, tentou dizer com a parábola do fariseu e do publicano no
templo e de inúmeras outras maneiras.
Aplicamos tudo isso para nós cristãos, dado que, como dissemos, o
adversário de Paulo não é tanto os hebreus como povo, mas o homem religioso no
geral e no caso específico os assim chamados ‘judeus-cristãos’. Há uma idolatria oculta que mina o homem
religioso. Se a idolatria é ‘adorar a
obra das próprias mãos’ (cf. Is 2, 8; Os 14, 4), se idolatria é ‘colocar a criatura no lugar do Criador’,
eu sou idólatra quando coloco a criatura - a minha criatura, a
obra das minhas mãos - no lugar do Criador. A minha criatura
pode ser a casa ou a igreja que construo, a família que crio, o filho que dei à
luz (quantas mães, até mesmo cristãs, sem perceber, fazem do seu filho,
especialmente se filho único, o seu deus!); pode ser o instituto religioso que
eu fundei, o cargo que eu ocupo, o trabalho que eu faço, a escola que eu
dirijo, para mim que vos falo, o livro que escrevi precisamente sobre a Carta
aos Romanos.
No fundo de toda idolatria está a autolatria, o culto a si próprio, o amor
próprio, o colocar-se no centro e no primeiro lugar no universo, sacrificando a
ele todo o resto. Basta que aprendamos a nos escutar enquanto falamos para
descobrir como se chama o nosso ídolo, porque, como diz Jesus, ‘a boca fala do que o coração está cheio’
(Mt 12, 34). Nos daremos conta de quantas das nossas frases começam com a palavra
‘eu’.
O resultado é sempre a impiedade, o não glorificar a Deus, mas sempre e só
a si mesmo, o fazer servir também o bem, também o serviço que prestamos a Deus
- até Deus! - ao seu próprio sucesso e afirmação pessoal. Muitas árvores altas
têm o talo, uma raiz central que desce perpendicularmente debaixo do caule e
torna a planta firme e inabalável. Até que não se coloque o machado naquela
raiz, pode-se cortar todas as raízes laterais, mas a árvore não cai. Aquele
lugar é muito estreito, não há lugar para dois : ou há o meu eu, ou há Cristo.
Talvez, voltando a mim próprio, estou pronto, neste momento, para
reconhecer a verdade, ou seja, que até agora tenho vivido ‘para mim mesmo’, que eu também estou envolvido no mistério da
impiedade. O Espírito Santo ‘convenceu-me do pecado’. Começa para mim o milagre
sempre novo da conversão. Se o pecado, como nos explicou Agostinho, consistiu
num voltar-se a si mesmo, a conversão mais radical consiste em ‘endireitar-nos’ e voltar-nos a Deus. Não
podemos fazê-lo no decurso de um sermão ou de uma Quaresma; mas podemos, pelo
menos, tomar a decisão séria de o fazer, e isso já é, de alguma forma, para
Deus, como se o tivéssemos feito.
Se eu me coloco do lado de Deus, contra o meu ‘eu’, serei seu aliado; serão dois, então, combatendo contra o mesmo
inimigo e a vitória está assegurada. O nosso eu, como um peixe arrancado de sua
água, ainda pode mover-se e debater-se por um pouco, mas está destinado a
morrer. Mas não é uma morte, mas um nascimento. ‘Quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida
por minha causa, encontrá-la-á’ (Mt 16, 25). Na medida em que o homem velho
morre, ‘o novo homem nasce em nós, criado
segundo Deus em justiça e verdadeira santidade’ (Ef 4 :24). O homem ou a
mulher que todos nós secretamente queremos ser. Que Deus nos ajude a
realizar sempre de novo o verdadeiro empreendimento da vida que é a nossa
conversão.
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