*Artigo
de Mirticeli Dias de Medeiros,
jornalista
e mestre em História da Igreja, uma das poucas brasileiras
credenciadas
como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé
Tardiamente,
no século XIX, o papa Leão XIII chegou à conclusão de que limitar o acesso ao
arquivo histórico da Santa Sé prejudicaria a própria Igreja enquanto
instituição, uma vez que cada qual poderia hipotisar os acontecimentos do
passado pela falta de contato com os documentos. A historiografia pontifícia o
considera um papa humanista por ter sido o primeiro líder máximo da Igreja
Católica a publicar uma encíclica de cunho social, a Rerum Novarum, mas também por permitir que os estudiosos
explorassem o famoso arquivo histórico da Santa Sé, cujas portas se abriram a
todos os pesquisadores do mundo em 1881. Desde então, cabe ao papa autorizar a
abertura de determinados fundos arquivísticos, os quais são divididos por
pontificados e distribuídos em outras seções. No total, a Santa Sé possui 650
fundos arquivísticos que correspondem a 85 km de prateleiras repletas de
papiros, pergaminhos e livros.
Como
vimos recentemente, a última autorização oficial de abertura aconteceu no dia 4
de março deste ano, quando Papa Francisco anunciou que, a partir de 2020, os
estudiosos poderão ter acesso a todos os documentos relacionados ao governo e à
atividade pastoral de Pio XII, famoso por causa do seu suposto silêncio diante
do Holocausto. Muitos historiadores aguardam respostas mais precisas a respeito
da atuação da Igreja Católica durante a Segunda Guerra mundial, de modo a
confirmar os reais motivos que levaram à omissão pública desse pontífice. Por
outro lado, será possível oficializar, de uma vez por todas, que houve uma
atuação concreta da Igreja Católica no salvamento de judeus, algo já confirmado
por diversas fontes históricas do período.
Esse
tom de mistério em torno do Archivum
Secretum Apostolicum Vaticanum - Arquivo secreto apostólico vaticano -,
protagonizado muitas vezes pela ficção, é exagerado, ouso dizer. A começar pelo
nome ‘arquivo secreto’, que na
tradução para a língua portuguesa transmitiu a ideia de ‘secreto’ ou de ‘segredo’.
A verdade é que, no latim medieval, ‘secretum’
refere-se a privado ou pessoal. Portanto, se trata do arquivo pessoal ou
privado do Romano Pontífice, na linguagem oficial. Sendo assim, na atualidade,
não é justo interpretarmos que haja uma intenção de reter informação por parte
da Santa Sé (como no passado), mas de uma certa lentidão na divulgação desses
documentos, o que dificulta o trabalho de muitos pesquisadores. Para se ter uma
ideia, em se tratando de acesso ao arquivo vaticano, teremos, a partir do ano
que vem, dados até 1958, ano da morte de Pio XII. Depois disso, não teremos
previsão a respeito do acesso ao fundo arquivístico de João XXIII, o sucessor
do ‘pastor angélico’.
Tudo
depende do estilo de governo do papa atual e se aquela determinada figura
histórica, cujo legado será explorado pelo público acadêmico, de certa forma
atenderá aos anseios do papado no presente. Abrir o arquivo de Pio XII, em um
momento no qual Francisco almeja uma aproximação mais concreta com a comunidade
judaica, sem dúvida alguma é bastante oportuno. Em 2006, Bento XVI já havia
colocado à disposição dos historiadores o fundo arquivístico de Pio XI, com o
intuito de mostrar ao mundo que esse pontífice, apesar das controvérsias a
respeito de sua relação com o fascismo, foi um opositor ferrenho do nazismo e
símbolo da autonomia e da soberania do Estado da cidade do Vaticano, criado em
1929 a partir do Tratado de Latrão. De
certa forma, a Santa Sé acaba seguindo a tendência de todas as instituições :
abre os arquivos cuja memória histórica já não possa ser manipulada pelos jogos
políticos da atualidade.’
Fonte
:
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1338410/2019/03/o-segredo-do-arquivo-secreto-do-vaticano/
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