sexta-feira, 31 de agosto de 2018

O diálogo como futuro das religiões


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Pensar o futuro das religiões hoje é pensar em meios para que estas convivam em harmonia dialogando entre si para encontrar soluções para os problemas que afetam a sociedade como um todo.
*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante
  
Em um mundo cada vez mais polarizado e plural, pensar a questão do futuro das religiões se torna algo importante. Há desde os/as que desejam voltar a um aspecto religioso de séculos passados, em que a hegemonia cristã e a Cristandade eram a ordem da vez, até aqueles e aquelas que pensam que deve haver o fim de todas as religiões, porque elas são somente instrumentos para alienação das pessoas e, em não poucos casos, meios para enriquecimento de seus líderes.

Diante deste cenário, é necessário pensar no papel da religião na contemporaneidade. Ainda há lugar para as religiões em tempos atuais? Se sim, que tipo de religião é esta e que postura ela deve ter diante do mundo?

Responder a estas perguntas não se mostra como tarefa fácil. Há o grande risco de se dar respostas simplistas e de se propor soluções rápidas, como se todas as religiões fossem iguais e tivessem os mesmos problemas para resolver, esquecendo-se de que culturas diferentes, necessariamente, geram religiões de matrizes diferentes.

Tentando responder à primeira pergunta, podemos dizer que sim, há lugar para as religiões no mundo futuro. Se partirmos do pressuposto de que toda religião é fruto de uma cultura na qual ela nasce, então podemos pensar que toda cultura, necessariamente, tentará de alguma forma, dar razões à sua história e a seus sofrimentos e isto, sem dúvida, passa pelo aspecto religioso o que, consequentemente, nos leva a afirmar a presença das religiões no mundo futuro.

A resposta à segunda pergunta nos parece mais clara, embora de maior dificuldade de execução. No mundo plural em que vivemos não há espaço para uma religião que se feche em si mesma e que se considere como dona da verdade última a respeito de tudo. Mesmo que seja uma grande tentação para todas elas, fugir disso se mostra como tarefa imprescindível para que qualquer religião sobreviva no mundo globalizado. Isto, por sua vez, não tem a ver com a negociação da própria identidade, antes, implica a ter o diálogo, em sua maneira honesta, como ponto de partida, de maneira que podemos dizer que o futuro das grandes religiões passa, necessariamente, pelo aspecto dialógico que estas serão capazes de desenvolver.

Que esta seja uma tarefa difícil, não podemos negar, uma vez que a religião que se coloca como disposta ao diálogo é uma religião que se permite ser questionada e depurada a partir da experiência e dos conceitos que as outras possuem o que, necessariamente, implica humildade e o abrir mão de toda tentativa de poder hegemônico no mundo. Ao mesmo tempo, pressupõe-se que esta religião aberta entendeu que a verdade pode ser percebida em perspectivas sem com isso se tornar relativística, ou seja, é uma religião para a qual o perguntar pela verdade ainda permanece como questão importante.

Pensar o futuro das religiões hoje é pensar em meios para que estas convivam em harmonia dialogando entre si para encontrar soluções para os problemas que afetam a sociedade como um todo, o que é chamado de diálogo inter-religioso indireto. Isto, por sua vez, não exclui o diálogo inter-religioso direto, no qual a preocupação se encontra no nível conceitual, preocupando-se em analisar e estudar os pontos convergentes e divergentes existentes nas diversas religiões que se colocam para dialogar.

 Nos dois casos, o diálogo se mostra fundamental, de maneira que é impossível pensarmos uma convivência pacífica entre as religiões, se esta não tiver como premissa o diálogo honesto entre si.’


Fonte :

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

E quando a nossa teologia é surda?


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

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*Artigo de Fabrício Veliq,
teólogo protestante


Um dos grandes desafios da teologia atual é de não se tornar uma teologia surda. Durante muito tempo, ao longo de sua história, o Cristianismo assumiu uma postura de não querer ouvir as vozes que lhe eram divergentes. Esta atitude, motivada pelas ideias de que se era a única religião verdadeira, e a porta-voz exclusiva da vontade divina na Terra, trouxe grandes prejuízos para a sociedade e também para o próprio Cristianismo.

Em dias atuais, dada toda polarização crescente em nosso país, começa-se a surgir diversos discursos que seguem na mesma linha de uma história passada, mostrando que, infelizmente, ainda não se aprendeu com ela. As posturas de fechamento em relação ao diferente, de xenofobia, de discriminação contra minorias, que são fomentadas em nossos dias por parte de muitos que se dizem cristãos revelam que, em muitos casos, tem crescido um Cristianismo que decide, por si mesmo, fechar os ouvidos às diversas vozes da sociedade, por considerá-las como não dignas de fala.

Essas posturas, claramente, não são ensinadas por Jesus. Muito pelo contrário, na narrativa dos Evangelhos, a diferença não é vista como algo que deve ser evitado, antes, como algo que faz parte da sociedade mesma. Discussões eram comuns no tempo de Jesus; os rabinos discutiam entre si sobre as diversas interpretações possíveis do texto bíblico, e isso não era visto como algo negativo, mas como algo de extrema importância e honra. De alguma forma, é possível para nós dizer que na sociedade judaica do tempo de Jesus só se discutia com quem se respeitava, sendo a própria discussão uma manifestação deste respeito.

Atentar-se a este caráter revela algo muito importante. Não existe discussão produtiva se não se está disposto a escutar o que o outro tem a dizer, e se não se está disposto a, até mesmo, mudar de opinião, caso os argumentos apresentados pela outra pessoa ou grupo sejam mais interessantes e mais bem fundamentados do que os que carregamos. Inserir-se nesta abertura da discussão implica, necessariamente, um ouvido que esteja disposto a ouvir posições que são diferentes das que se carrega para, por meio disso, poder depurar o próprio conhecimento e, até mesmo, mudar de posição em relação a determinados assuntos.

 Somente um Cristianismo que não se coloque como surdo será capaz de ser uma voz que tenha chance de ser ouvida e fazer diferença na sociedade em que está inserida, uma vez que falará a partir do que ouviu, tentando dar respostas a perguntas que lhe são feitas. Considerar-se como dono da verdade e, por este motivo, como único digno de fala e de ensino, é mostrar-se como não conhecedor do exemplo de Jesus Cristo, que estava sempre perguntando e sendo perguntado ao longo de seu ministério. Uma teologia que surge de um Cristianismo surdo, provavelmente também será surda, não podendo assim, falar de maneira que faça sentido para homens e mulheres de nosso tempo. A teologia é sempre chamada a ouvir, a ponderar sobre as posições diferentes e a viver em abertura para com todo/a aquele/a que chega até ela. Somente assim, poderá se mostrar como voz em uma sociedade cada vez mais plural e cada vez mais ansiosa por quem as escute e tenha algo a dizer, não como dogma, mas como fruto da empatia que surge desse ouvido aberto e disposto a, antes de falar, escutar.’


Fonte :

terça-feira, 28 de agosto de 2018

Emigração religiosa da África para a Europa: perigo para as Igrejas locais


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

Templo católico em São Tomé e Príncipe
Templo católico em São Tomé e Príncipe  (AFP or licensors)

Ir para a Europa, viver na Europa, abandonar a África tornou-se uma ideologia muito perigosa que destrói os espíritos, dos mais vulneráveis aos mais sólidos como o dos religiosos’, disse à agência missionária Fides o sacerdote da Sociedade Missões Africanas, Padre Donald Zagore.

Crescente número de sacerdotes e religiosos que trocam a África pela Europa

É triste, mas é importante reconhecer que o fenômeno da imigração na Europa diz respeito não somente a nossas sociedades africanas, mas também a numerosas dioceses e comunidades religiosas. Há muitos sacerdotes e religiosos que abandonam o continente africano para servir nos países europeus e americanos. A emigração da África para a Europa, na sua forma religiosa, é um fenômeno que está se tornando cada vez mais importante em nosso continente’, continua o missionário.

Fenômeno já denunciado por vários bispos

No início de 2017, o bispo da Diocese de Daloa, na Costa do Marfim, Dom Marcelin Yao Kouadio, durante uma de suas homilias citou os casos de duas dioceses africanas particularmente atingidas pelo fenômeno.’

Em maio de 2018, também o bispo de Katiola e presidente da Conferência episcopal marfinense, Dom Ignace Bessi Dogbo, durante a abertura da Assembleia plenária dos bispos ebúrneos, denunciou o fenômeno dos ‘padres vagantes’ : sacerdotes que se refutaram voltar para a África após os estudos ou depois de uma missão na Europa.’

Em entrevista concedida ao Lacroix, em 7 de agosto, o arcebispo de Rouen, na França, Dom Dominique Lebrun, ex-presidente do grupo de trabalho sobre ‘Sacerdotes de fora’ (Pretres venus d’ailleurs), reconheceu a existência de tal fenômeno.

Várias razões levam sacerdotes africanos a emigrar

As razões mais clássicas permanecem sendo a busca do bem material e do prestígio, prossegue Padre Zagore. ‘Muitos fogem da África por causa da situação deles de miséria e precariedade em vista de países ricos. Ademais, muitos africanos pensam ser superiores aos outros, especialmente nos âmbitos eclesiásticos, porque vivem, trabalham ou estudam na Europa. Por vezes uma nomeação ou ulteriores estudos na Europa assumem a forma de resgate. É dramático pensar que a essência africana alcance a plenitude de sua realização quando goza do prestígio europeu’, pondera o missionário.

Um grande perigo para a Igreja na África

Este conceito comporta um enorme perigo para a Igreja católica na África, que aos poucos vai se esvaziando devido a falta de sacerdotes além da proliferação de vocações que podem não ser sinceras. Hoje é preciso pensar que não é mais necessário tornar-se sacerdote para servir aos pobres em Cristo. Aquilo que tem valor é a corrida desenfreada pelos bens materiais e a glória, que causam conflitos e divisões em nossas Igrejas na África’, continua Padre Zagore.

Urgentes medidas para conter a emigração de sacerdotes e religiosos da África

Em nossas dioceses, em nossas comunidades religiosas, urgem ações concretas para conter a emigração dos eclesiásticos. Em primeiro lugar, é preciso uma consciência coletiva do perigo representado. Em segundo lugar, as autoridades eclesiásticas precisam avaliar atentamente as motivações que levam a escolher a vida sacerdotal ou religiosa, e examinar também as nomeações.’

Sacerdócio e vida religiosa não podem ser trampolim

Por fim, deve ser dito de modo claro e contundente, citando o bispo Marcelin Kouadio : ‘o sacerdócio e a vida religiosa não podem ser um trampolim para fugir da África porque é pobre’, conclui o religioso da Sociedade Missões Africanas, Padre Zagore.’


Fonte :

domingo, 26 de agosto de 2018

Franciscanos transformam vagões de trem em convento

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
  
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Quando pensamos em um convento, imaginamos uma construção formada por claustro, pátios, capela e outros espaços. Este não é o caso de um grupo de frades franciscanos no Sul da Itália, que adaptou vagões de trem para o uso religioso.

O convento dos Frades Menores Renovados, conhecido como ‘A estação da alma’, está localizado no bairro de Scampia, uma das regiões mais perigosas e pobres da cidade de Nápoles, Itália.

No local, há cinco vagões que são utilizados como claustro, capela e espaços comuns. Também há um jardim, um contêiner, que foi adaptado para receber as visitas e uma oficina.

O superior do convento, Frei Carlo, disse ao jornal ‘Corriere del Mezzogiorno’ que estes vagões foram doados pela Ferroviária Estatal, que os colocou com gruas no terreno, que foi doado por um morador local.

Nós não escolhemos viver nos vagões, não foi algo programado. Quando chegamos aqui, esperávamos contêineres e enquanto aguardávamos, adaptamos estes vagões abandonados, que datam da década de 40. Era uma situação provisória, mas que se converteu em nosso estilo de vida’, disse à rede de televisão italiana Rai1 outro grupo de frades.

Segundo Frei Carlo, os oito religiosos da comunidade não tem recursos próprios. ‘Não temos dinheiro, sobrevivemos graças a generosidade dos napolitanos que nos trazem comida e dividimos o que nos resta com os necessitados’.

O trem representa o caminho itinerante, mas também a simplicidade e a precariedade’, afirmou o superior ao portal ‘Famiglia Cristiana’.

Com estes valores buscamos recuperar a espiritualidade e os ensinamentos de São Francisco. Também como viajamos constantemente, porque nada é nosso, não podemos fixar raízes em nada’, acrescentou.

Como parte de seu apostolado, os Frades Menores Renovados colaboram com uma paróquia local, onde celebram missas, visitam hospitais, presídios e casas.




  








Aqui sempre nos visitam, vem e pegam o que serve para elas. Também alguns de nossos frades caminham pelo bairro e conhecem a realidade das pessoas da região. Nós tratamos de dar consolo e falar com eles. Especialmente buscamos escutá-los e fazer com que eles vejam a vida com olhos mais cristãos’, expressou o superior da comunidade.

Frei Carlo disse ao ‘Corriere del Mezzogiorno’ que no bairro de Scampia ‘a degradação e o envolvimento com o crime é muito intenso. No entanto, muitos fiéis estão dispostos a sair desta realidade e nos buscam para ter consolo. Alguns gostariam de sair do ‘sistema’, mas poucos conseguem, porque já estão muito envolvidos’.

A Ordem dos Frades Menores Renovados está presente em outras partes da Itália e em países como Colômbia e Tanzânia. Eles não estão ligados à Ordem dos Frades Menores.

Confira reportagem em italiano :


 Fonte :

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Thomas Merton e a Meditação

Por Dom Alexandre de Andrade, OSB

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A meditação cristã é uma versão cristã da meditação oriental silenciosa. Aqui o que mais importa é a experiência de silêncio e de interioridade – mais do que qualquer coisa que possa ser dito a respeito dessa experiência, além do ensinamento essencial de como fazê-la, que pode ser resumido simplesmente em três pontos :

  • procurar um lugar adequado e silencioso;
  • Sentar-se confortavelmente e fechar levemente os olhos;
  • Repetir mentalmente um mantra escolhido da Sagrada Escritura;
  • Concentrar-se sempre neste mantra e voltar a ele sempre que se perder;
  • Preferivelmente repetir este exercício duas vezes ao dia por 20 minutos : ao início das atividades do dia e ao início das atividades da noite.

Este formato de meditação silenciosa é recente no Cristianismo. Podemos dizer que seria uma tradução ou adaptação cristã da prática Oriental. Isso hoje é possível devido a alguns contextos, dos quais gostaríamos de comentar alguns.

Meditação Cristã é também o nome de uma comunidade cristã internacional – a WCCM – de natureza ecumênica e inter-religiosa que propõe o ensinamento da prática da meditação, tal como foi recomendado pelo seu idealizador e fundador, Dom John Main, um monge beneditino Inglês, falecido em 1982.

Hoje, a Comunidade Mundial de Meditação Cristã – WCCM – nos seus muitos Grupos de Meditação, promove iniciativas de formação contínua, que possibilita o amadurecimento e fundamentação a todos que têm o desejo de fazer este caminho espiritual, que é a prática da meditação, no contexto cristão, por meio de Retiros, Palestras, Cursos e Grupos semanais de prática.

Podemos encontrar semelhantes iniciativas contemplativas como a Contemplative Outreach, divulgada pelo Abade Thomas Keating OCSO, no formato da Oração Centrante. Também encontramos atualmente outros nomes, por exemplo ‘A Oração do Repouso' – como uma proposta de tradução e atualização de termos próprios deste tipo de espiritualidade.

Um dos objetivos da formação contínua, por exemplo, é a compreensão de alguns contextos que tornaram possível cristãos expressarem sua fé através de uma prática, percebida a princípio, como não cristã.

Embora não tenhamos pretensão de explicar em poucas linhas a complexidade da história das Tradições, podemos, ainda que sumariamente, ao menos considerar alguns pontos relevantes sobre mudança de paradigmas – no sentido mais amplo do termo. Por isso podemos sugerir ao menos três contextos cristãos  interessantes :

1) Estamos num contexto de celebração dos quinhentos anos da Reforma Protestante. A historiografia Católica do século XX consegue reconhecer que o monge agostiniano Lutero (1483-1546) não foi simplesmente um herético e um cismático, parecendo ter causado uma revolução na maneira medieval de compreensão do que poderia ser uma sociedade cristã e sobre o monopólio do sagrado. Embora nem Lutero e nem a Igreja Católica da época tenham sido exemplos de ecumenismo ou de diálogo inter-religioso no sentido moderno do termo, a história mostrou que pessoas corajosas e mártires, de ambos os lados, testemunharam que, para que uma Comunidade de fé possa amadurecer, é preciso reformar-se começando por dentro, pelo íntimo. A história pessoal de Lutero e dos reformadores é dramática o bastante para prová-lo. Poder ler o nosso texto sagrado em nossa própria língua foi uma das consequências desse drama pessoal de fé.

2) Pouco mais de cinquenta anos atrás, aconteceu uma outra revolução cristã, por assim dizer, de que talvez poucos cristãos conheçam a história : fazemos a  memória de um senhor pouco conhecido, o Papa João XXIII, falecido em 1963 e canonizado recentemente pelo Papa Francisco. Foi eleito para o trono papal aos 77 anos como uma proposta de transição. Para a surpresa de todos, inicia uma reforma interna na Igreja com uma expressão leve e informal dizendo que ’era preciso abrir as janelas e fazer o ar circular.’ 

Vale lembrar que há 1.700 anos atrás, o Abade Pastor, um monge do deserto Egípcio, deixou o seguinte registro : ‘Se você tiver um armário cheio de roupas e deixá-las lá por muito tempo, irão apodrecer. Acontecerá o mesmo com os pensamentos em seu coração. Se não os trouxermos para fora por meio de trabalho físico, após muito tempo eles estragam e tornam-se ruins.’ (Thomas Merton, A Sabedoria do Deserto, Martins Fontes  Ed., 2004, p. 47)

Assim aconteceu o Concílio Vaticano II (1962-65) e por causa disso, hoje podemos expressar o maior mistério de nossa fé – a Missa, a Celebração Eucarística – em nossa própria língua, o que nos permite compreender para crer melhor; podemos dialogar com o mundo moderno e com as várias Tradições religiosas e culturais; reconhecer e acolher os mais pobres, no sentido material e espiritual; voltar às fontes cristãs e descobrir que podemos e devemos, sim, meditar nos moldes orientais, fundamentados nos melhores mestres espirituais católicos, pois, de acordo com a mais recente edição do Catecismo da Igreja Católica, ‘O Homem é capaz de Deus’ (Catecismo da Igreja Católica n. 26 – Primeira Seção, Capítulo I).

3) Neste contexto propício, podemos perceber uma outra revolução na esfera da expressão da fé, mais discreta, silenciosa na prática, possibilitada pelo monge beneditino Inglês, Dom John Main, mencionado anteriormente. Tendo aprendido a meditar por ocasião de sua viagem à Malásia, a serviço da Coroa Britânica, foi orientado, pela delicadeza de seu Mestre oriental, a fazer a prática da meditação usando um ‘mantra’ que poderia ser tirado do texto sagrado da sua própria tradição, a Bíblia judaico-cristã. Dom John Main tinha muito apreço pela palavra sagrada ‘Maranäthä’ que se encontra no final do Livro do Apocalipse (Ap. 22, 20).

Mais tarde, inspirado pela curiosidade religiosa de um de seus alunos sobre a possibilidade de praticar a meditação oriental no contexto cristão, teve como sistematizar a prática, encontrando na história da própria Tradição Cristã, as Raízes  teológico-espirituais para o ensinamento seguro e eficaz da prática da Meditação a  todos que sentem necessidade de preencher essa lacuna na expressão de sua fé cristã.

Além da compreensão dos contextos, a formação contínua proposta pela Escola da Meditação Cristã – WCCM – bem como pelo GETM – Grupo de Estudos Thomas Merton– consiste em estudar e tornar conhecidos os textos dos muitos mestres espirituais da sabedoria mística cristã.

Por exemplo, poderíamos dizer, em grandes linhas, que no contexto cristão, a ideia da prática da meditação, na forma oriental tal como conhecemos hoje, começa a aparecer discreta e oficialmente nos escritos do monge Trapista americano Thomas Merton, falecido durante uma peregrinação ao Oriente em 1968. Num dos seus escritos (de uma tradução Brasileira de 1962) ele diz :

A meditação é mais do que pensar.’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 64)

A meditação é, na realidade, coisa simples e não há necessidade de técnicas complicadas para nos ensinar como nos sairmos bem nessa tarefa. Mas isso não significa que possa ser praticada sem uma constante disciplina interior.’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 93)

Para meditar, tenho que afastar meu pensamento de tudo que me impeça de estar atento a Deus presente em meu coração. Ora, isso é impossível se não recolho meus sentidos.’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 94)

A Fé é o primeiro passo, porque é um tipo de conhecimento que adere, na obscuridade, sem imagens nem representações, por meio de uma identificarão amorosa ao Deus vivo.’ (Thomas Merton, Novas Sementes de Contemplação, Fisus Ed., 1999, p. 134)

O Filho Pródigo da parábola evangélica (Lc 15, 11ss) pode servir-nos de modelo : depois de ter esbanjado seus bens em terras longínquas, morria de fome, sem conseguir alimentar-se nem mesmo com os restos lançados ao porcos que cuidava. Mas ‘entrando em si’, meditou sobre sua condição. A meditação foi curta. Disse de si para si : ‘Voltarei a casa de meu Pai e lhe direi : ‘Pai, pequei contra o céu e contra ti; não sou mais digno de ser chamado teu filho. O senhor me receberia como um dos teus empregados?’’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 96)

‘De modo geral, a melhor posição para meditar é sentado, mas a alguém que deseja seriamente meditar deve se permitir certa liberdade nessa matéria. Citamos como prova desse fato um trecho de Richard Rolle, um simpático místico Inglês do século XIV, no seu  ‘Form of Perfect Living :

Tem me agradado muito estar sentado; não por penitência ou fantasia, ou por desejo de que falem de mim ou algo semelhante, mas só por saber que assim mais amava a Deus e por mais tempo demorava em mim a consolação do amor, do que quando andava, ou estava em pé, ou ajoelhado. Pois, sentado, estou em maior repouso e meu coração mais se eleva. Todavia, pode acontecer a outro não estar bem quando sentado (como a mim sucede – e pretendo continuar até a morte) a não ser que esteja ele nas mesmas disposições de alma em que acho.’’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 100).

A meditação está contida quase inteiramente nesta única ideia : despertar o nosso ser interior, sintonizando-nos intimamente com o Espírito Santo, de maneira a correspondermos a Sua graça.’(Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 125)

A verdadeira finalidade da meditação cristã é praticamente a mesma da oração litúrgica e a recepção dos sacramentos, isto é, uma união mais profunda, pela graça e a caridade, com o Verbo da Vida, a pessoa de Jesus Cristo.’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 123)


Fonte :

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Qual é o meu chamado? Como discernir sem uma sarça ardente

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Eu gostaria de dizer que imediatamente ouvi uma voz estrondosa ou que alguma das minhas plantas de casa pegou fogo espontaneamente. Infelizmente, não foi assim.
*Artigo de Jennifer Goodyer,
escritora e artista

Algum tempo atrás, ouvi um sermão sobre dizer ‘sim’ ao chamado de Deus, no qual o pastor nos perguntou como reagiríamos se tivéssemos um momento como o de Moisés com a sarça ardente. Teríamos a coragem de dizer ‘sim’ ou nós, como Moisés, pediríamos desculpas e sugeriríamos educadamente que Deus perguntasse a outra pessoa?

Foi um bom sermão, encorajando a oração reflexiva sobre onde Deus poderia estar nos chamando. Infelizmente para mim, veio em um momento em que estava fervorosamente orando por orientação vocacional, buscando desesperadamente respostas para perguntas que não iam embora. Eu sentia um chamado para algo, sabia que estava à beira de algo novo, mas não sabia o que, não tinha ainda consistência. Quando rezei, houve um silêncio ensurdecedor. Tudo o que eu conseguia pensar era em como Moisés foi afortunado por receber um momento em que seu chamado se tornasse absolutamente inequívoco. Naquela noite, orei para que Deus falasse comigo, para que pedisse qualquer coisa para mim, para que me desse clareza.

Eu gostaria de dizer que imediatamente ouvi uma voz estrondosa ou que alguma das minhas plantas de casa pegou fogo espontaneamente. Infelizmente, não foi assim. Em vez disso, houve mais silêncio. Inscrevi-me para a direção espiritual e durante o meu primeiro encontro disse à minha diretora sobre o meu sentimento de um chamado ainda sem consistência e expus toda a extensão da minha angústia. Ela ouviu com paciência, compreensão e compaixão. No final, ela fez uma reflexão em resposta para o que eu tinha partilhado, eu estava claramente sendo levada a algum lugar, mas me sentia em uma luta constante para não perder a paciência enquanto o 'para onde' se tornava claro. Inicialmente fiquei desapontada; eu já sabia disso e estava secretamente esperando que ela, a minha acompanhante espiritual, tivesse algum tipo de mensagem profética para mim. Mas então percebi o quanto ela estava certa. Lembrei-me de uma citação de um dos meus heróis espirituais, Henri Nouwen : ‘Você não pode ver todo o caminho à frente, mas geralmente há luz suficiente para dar o próximo passo’.

Eu tinha esquecido que deste lado do céu andamos à luz de tochas. Eu estava esperando a luz do dia. Como nos diz São Paulo, ‘agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho; mas, então, veremos face a face’ (1 Cor 13,12).

Esse limite colocado em nossa visão pode às vezes parecer mal-intencionado e talvez, em tempos sombrios, até cruel, mas na verdade é o oposto : um presente para nosso próprio bem. Se fôssemos ver todo o caminho, provavelmente nos afastaríamos com medo ou cairíamos no conformismo. Ambos seriam más notícias para o nosso desenvolvimento espiritual. Em vez disso, Deus graciosamente nos dá o que precisamos para dar o próximo passo ao longo da jornada, assim como um pai amoroso gradualmente revela gentilmente as verdades sobre os caminhos do mundo.

Mas mesmo quando aceitamos que devemos andar à luz de tochas, é provável que na maioria das vezes ainda fiquemos lutando contra essa realidade. Essa luta tem dois lados. Às vezes, ficamos para trás, onde a luz está brilhando, com medo ou sem vontade de dar o próximo passo, dizendo ‘sim’ para uma nova oportunidade, um relacionamento mais profundo ou um pedido de ajuda. Como diz Brené Brown, recusamo-nos a aparecer e ser vistos. Esta foi a luta de Moisés e muitas vezes é a nossa também. Nesses momentos, podemos até chegar ao ponto de evitar a oração porque já sabemos o que essa voz ainda pequena nos sussurra em nossos corações.

Em outras ocasiões, nos recusamos a permanecer no umbral da luz das tochas porque estamos ansiosos para avançar. Queremos ver todo o caminho, não apenas o próximo passo. Sentimos que Deus está aprontando alguma coisa e queremos saber o que. Abrimos nossas Bíblias, lemos livros, perguntamos a amigos, Google. Nestes momentos, nossa vida de oração está provavelmente mais fervorosa e exigente. Até certo ponto, tudo isso é bom. Jesus encoraja a persistência na oração, e se nós sentimos um chamado sem consistência ainda, devemos estar inclinados a isso e nos abrir para ouvir o que Deus está nos dizendo.

Como Nouwen explica em seu livro sobre discernimento, Deus está nos falando o tempo todo, convidando-nos a um conhecimento mais profundo dele e de nós mesmos; tudo o que nos resta é aprender a ler os sinais da vida cotidiana. Mas às vezes nosso desejo por respostas torna-se ansioso e egoísta e nos tornamos frustrados e incapazes de estar presentes. Nesses momentos, precisamos desacelerar, esperar e voltar para a luz da tocha, onde apenas o próximo passo é claro.

Inicialmente, isso pode parecer decepcionante : estamos prontos para agir e esperar é improdutivo e entediante. Contudo, se perdermos nossa disposição de esperar, também perderemos nossa capacidade de sermos liderados. Em vez de permitir que a luz nos guie, começamos a tentar controlá-la. Se estamos constantemente nos esforçando para ir além da luz, esquecemos de nos deliciar com a luz. E prazer que devemos, porque a luz que nos guia é a Luz do mundo. É o próprio Jesus quem segura a tocha que guia nosso caminho.

Quer estejamos lutando para permanecer na luz, porque estamos com medo ou porque somos impacientes, podemos estar confiantes de que a luz nunca nos deixará. Ele sempre brilha na escuridão da nossa incerteza e nos lembra que ele é o Emanuel, o Deus conosco.


Fonte :

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

História de São Bernardo Claraval


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
  
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São Bernardo nasceu em 1090, no Castelo de Fontaine, região de Borgonha, França. Filho de um nobre chamado Tescelin Sorrel, o Vermelho e de Aleth de Monthbard, mulher virtuosa venerada como bem aventurada. Teve sete irmãos dentre os quais era o terceiro. Bernardo sempre se destacou pela inteligência e pela beleza física. Aos 9 anos foi para a escola canônica, e destacou-se principalmente na literatura.

A vocação de São Bernardo

Em 1112, aos 22 anos, Bernardo entra na Abadia de Cister, também em Borgonha. Esta abadia era um mosteiro cisterciense fundado por São Roberto de Molesme.

Foi então que Bernardo convenceu mais de trinta homens, irmãos, tios e vários amigos a entrarem para a ordem, causando enorme surpresa e alegria para a Abadia e para Santo Estevão Harding, abade sucessor do fundador São Roberto.

São Bernardo de Claraval

Bernardo era homem de estudo e oração, praticando com austeridade a regra do mosteiro, a mesma escrita por São Bento. Bernardo dedicava-se à oração e ao ensino da catequese. Tinha grande dom de oratória e convertia muitos com quem conversava, tanto que levou o para o mosteiro o irmão mais novo e seu pai.

Após dois anos em Cister, Bernardo foi enviado para o vale de Langres em 1115, com a missão de fundar a Abadia de Claraval, (vale claro), tornando o seu primeiro Abade, com apenas 25 anos. Em pouco tempo a Abadia ficou conhecida em toda a França e posteriormente por toda a Europa como um lugar onde se vivia a oração, o trabalho, a humildade, a caridade e a cultura profunda.

Bernardo e os monges de Claraval viviam com amor e integridade os votos de pobreza, castidade e obediência. Certa vez teve uma visão : um menino envolto numa luz divina disse a ele : fala aos outros sempre, pois serás inspirado pelo Espírito Santo e receberás a graça especial de compreender as fraquezas das pessoas e ajudá-las. Assim, Bernardo conseguiu muitas vocações para Claraval. O Mosteiro chegou a ter 700 monges, inclusive Henrique de França, irmão do Rei Luís Vll, que mais tarde foi bispo e arcebispo de Reims.

As obras de São Bernardo

Com o passar dos anos, São Bernardo fundou 72 casas da ordem dos Cistercienses na França e em vários países da Europa. Participou ativamente do Concílio de Latrão, como secretário. Participou também do Concílio de Troyes, onde exerceu grande influência, e do Concílio de Reims, sempre a pedido do Papa, para tratar de todos os assuntos da Igreja.

A convite do Papa, pregou a segunda cruzada. Era conhecido como o Pai dos fiéis, a Coluna da Igreja, o Apoio da Santa Sé, o Anjo Tutelar do Povo de Deus.

Sua devoção para com a Virgem Maria era incomparável. Quando estava na Alemanha, na catedral de Spira, ajoelhou-se por 3 vezes dizendo : Ó Clemente; Ó Piedosa; Ó Doce Virgem Maria!, invocações que foram acrescentadas ao final da oração Salve Rainha.

Por causa de sua fama de santidade e sabedoria reconhecida, São Bernardo torna-se uma personalidade importante e respeitada em toda a Europa. Tanto que ele intervém em assuntos públicos, defende os direitos da Igreja contra abusos de Reis e é chamado para aconselhar Papas e Reis.

Os Milagres de São Bernardo

Bernardo reformou a Ordem Cisterciense e levou-a a ser o que é até hoje, quase mil anos depois. Ele mesmo fundou muitos mosteiros na Europa : 35 na França, 14 na Espanha, 10 na Inglaterra e Irlanda, 6 em Flandres, 4 na Itália, 4 na Dinamarca, 2 na Suécia e 1 na Hungria, além de muitos outros que se filiaram à Ordem. Sua Ordem chegou aos cinco continentes.

No Brasil, no Estado de Minas Gerais, existe uma cidade chamada Claraval, que nasceu ao redor de um grande mosteiro da ordem dos Cistercienses.

Durante o concílio de Troyes, Bernardo conseguiu o reconhecimento para a Ordem do Templo, os Templários, cujos estatutos ele mesmo escreveu. Além disso, São Bernardo escreveu grandes obras, tratados de teologia, obras defendendo a Fé Católica e a Igreja contra heresias, além de inúmeros tratados sobre Nossa Senhora.

O falecimento

Quando estava para morrer e os monges rezando para que Deus não deixasse, ele disse :

Porque desejais reter aqui um homem tão miserável? Usai da misericórdia para comigo e deixai-me ir para Deus. Assim, São Bernardo faleceu no dia 20 de agosto de 1153, aos 63 anos de idade.

Devoção a São Bernardo

São Bernardo foi canonizado em 18 de junho de 1174, pelo Papa Alexandre lll e declarado Doutor da Igreja pelo Papa Pio Vlll, em 1830, por causa de suas pregações e obras escritas.


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