Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Sergio Centofanti,
Cidade do Vaticano
‘O anúncio da modificação
do Catecismo da Igreja Católica sobre o tema da pena de morte tem gerado um
intenso debate ao redor do mundo. Cada desenvolvimento
da doutrina na história da Igreja suscitou consensos ou críticas
construtivas, mas também resistências e rejeições.
Hoje pode provocar barulho uma nota da Amoris
laetitia ou um novo ensinamento sobre a pena de morte, mas olhando para
trás, percorrendo rapidamente 2.000 anos de cristianismo, vemos que muitas
coisas mudaram e hoje chegamos a supor que sempre tenha sido assim. O fato é
que toda mudança pode gerar escândalo e confusão.
A pena de morte na Bíblia
Basta ler a Bíblia para compreender quanto caminho
foi percorrido. Hoje ficamos horrorizados diante de certas ordens dadas por
Deus a Moisés, conforme relatado pelas Sagradas Escrituras. Em Levítico
(Capítulo 20), o Senhor ordena matar idólatras, adúlteros, sodomitas,
incestuosos e mesmo aqueles que maltratam o pai ou a mãe deve ser condenados à
morte. É certo que Moisés viveu mais de 3.000 anos atrás. Naturalmente, essas
ordens estão contidas no Antigo Testamento, mas no final da leitura sempre
dizemos : Palavras do Senhor.
Progressos doutrinais na primeira comunidade cristã
Pensemos no trauma vivido pelos primeiros cristãos
convertidos do judaísmo: quanta coragem que tiveram ao ter de abandonar as leis
fundamentais do seu povo, como a circuncisão. Quanta abertura de mente e de
espírito para aceitar os pagãos na Igreja, na época algo considerado ilícito.
Pedro - narram os Atos dos Apóstolos - já havia
recebido o Espírito Santo, mas ainda não o entendia. Somente diante de um
centurião romano, Cornélio, e sua família, é iluminado e diz : ‘Em verdade, reconheço que Deus não faz
distinção de pessoas, mas em toda nação lhe é agradável aquele que o temer e
fizer o que é justo. Deus enviou a sua palavra aos filhos de Israel,
anunciando-lhes a boa nova da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de
todos.’
Nesta frase, ‘eu
reconheço’ há todo o gradual progresso de nosso conhecimento da verdade de
Deus. Um caminho que não termina enquanto durar a história. Cresce a
inteligência da fé.
Primeiros Concílios Ecumênicos
Pense no caminho da Igreja nos primeiros Concílios
Ecumênicos ao estabelecer os fundamentos das verdades cristãs, a partir da
Trindade e dos dogmas cristológicos. Tantas as lutas contra as heresias neste
período sob o lema ‘Extra ecclesiam nulla
salus’ (fora da Igreja não há salvação).
Nenhum paraíso, portanto, para os não-batizados.
No entanto, pouco a pouco se compreendeu de maneira
mais profunda este conceito, como diz a Declaração Dominus
Jesus assinada pelo cardeal Ratzinger :
‘Quanto ao modo como a graça
salvífica de Deus, dada sempre através de Cristo no Espírito e em relação
misteriosa com a Igreja, atinge os não cristãos, o Concílio Vaticano II
limitou-se a afirmar que Deus a dá por caminhos só por Ele conhecidos’
(n.21). Entendemos sempre melhor que Deus quer salvar a todos.
Heresias e violência
A luta contra os heréticos, contra aqueles que
pensam de maneira diferente, sabemos disto, trouxe terríveis consequências na
história : guerras religiosas, fogueira, inquisição. Ainda que muitas lendas obscuras
promovidas pela propaganda anticatólica tenham sido desmascaradas por
historiadores, não nos escondamos atrás de um dedo : a Igreja, filha de seu
tempo, muitas vezes compartilhou a sua mentalidade.
Hoje trememos ao ler a Bula pontifícia ‘Ad Extirpanda’, promulgada em 1252 pelo
Papa Inocêncio IV e confirmada pelo Papa Alexandre IV em 1259 e pelo Papa
Clemente IV em 1265 : o documento aprovava a tortura dos suspeitos de heresia,
embora muito reduzida quando comparada com o que foi feito por contemporâneos :
não devia buscar mutilações, nem derramamento de sangue, nem a morte. Tudo isso
porque a salvação da alma era considerada acima de todas as coisas. Quantas
mudanças desde então.
Compreensão gradual da liberdade de consciência
E quanto caminho foi percorrido em relação à
doutrina da Encíclica Mirari
vos do Papa Gregório XVI, de 1832. É óbvio, estamos em um contexto
histórico muito difícil para o papado, passaram-se quase 200 anos, mas algumas
frases nos fizeram compreender melhor as razões dos progressos doutrinais.
Gregorio XVI define a liberdade de consciência como
um ‘delírio’ um ‘erro venenoso’, que abre o caminho para ‘aquela total e irrestrita liberdade de opinião, que aumenta cada vez
mais em detrimento da Igreja e do Estado’, em acréscimo ‘àquela péssima, nunca suficientemente
execrável, detestável e abominável ‘liberdade da imprensa’ em divulgar escritos
de qualquer tipo’. A Igreja aprendeu melhor a entender o que é a liberdade
também daqueles que não estão na Igreja.
Escandalizado por uma doutrina em mudança
O escândalo do desenvolvimento da doutrina esconde
um problema central da fé : uma Lei que não muda dá segurança e poder ao homem
que, desta forma, consegue controlar os seus comportamentos religiosos e também
a manipular as exigências das normas divinas. Uma Lei que muda, tira esse poder
e o coloca nas mãos de um Outro. Esta foi a grande batalha de Jesus com os
fariseus. Jesus se colocou como Lei viva, enquanto os fariseus pediam uma Lei
escrita e silenciosa que eles pudessem administrar.
Se a Lei é viva, ela não deixa de falar e de dizer
coisas novas e, acima de tudo, nos força a mudar. Isto não nos agrada, porque
em cada um de nós existe sempre um fariseu que aparece com as suas razões
imutáveis e imóveis. A lei do amor, no entanto, nos move, nos impele a um
contínuo êxodo do eu para o tu. É um contínuo progredir no conhecimento da
verdade absoluta que é Deus e Deus é amor. E o amor nos obriga a mudar para o
outro. A beleza é que também Deus - que é o mesmo ontem, hoje e sempre - mudou
por amor a nós : e se fez homem.
Pertencer à verdade
Voltando Pedro perante os pagãos, estava aprendendo
que não era ele o mestre da verdade, mas que ele pertencia à Verdade. Enquanto
falava, o Espírito Santo desceu sobre todos os que ouviam seu discurso : ‘Os fiéis da circuncisão, que tinham vindo
com Pedro, profundamente se admiraram, vendo que o dom do Espírito Santo era
derramado também sobre os pagãos; pois eles os ouviam falar em outras línguas e
glorificar a Deus. Então Pedro tomou a palavra : Porventura pode-se negar a
água do batismo a estes que receberam o Espírito Santo como nós?’. É Deus
que nos faz compreender sempre melhor a Si mesmo. Nos faz compreender que a
essência do cristianismo é o amor.
Nenhum Pedro será contra a Igreja
Por fim, para aqueles que contrapõe Bento XVI e João
Paulo II a Francisco, podemos recordar as reconfortantes palavras pronunciadas
pelo Papa Ratzinger em 27
de maio de 2006 em Cracóvia, diante de um milhão de jovens.
Aos jovens crescidos na fé fé pelo Papa Wojtyla,
Papa Bento XVI diz com força : ‘Não tenha
medo de construir sua vida na Igreja e com a Igreja! Tenha orgulho do amor por
Pedro e pela Igreja que lhe foi confiada. Não se deixe enganar por aqueles que
querem se opor a Cristo para a Igreja! (...) Vocês jovens conheceram bem o
Pedro dos nossos tempos. Não tenhais medo de construir a vossa vida na Igreja e
com a Igreja! Sede orgulhosos do amor a Pedro e à Igreja que lhe foi confiada
(...). Vós, jovens, conhecestes bem o Pedro dos nossos tempos. Por isso, não
vos esqueçais que nem aquele Pedro que da janela de Deus Pai está a observar o
nosso encontro, nem este Pedro que agora se encontra diante de vós, nem
qualquer Pedro sucessivo jamais será contra vós, nem contra a construção de uma
casa duradoura sobre o rochedo. Ao contrário, ele há-de empenhar o seu coração
e ambas as suas mãos para vos ajudar a edificar a vossa vida sobre Cristo e com
Cristo’.’
Fonte :
* Artigo na íntegra https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2018-08/doutrina-pena-de-morte-catecismo-papa-francisco.html
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