quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O movimento #MeToo das freiras como resposta aos abusos clericais


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

A revista do Vaticano para o público feminino, a Women Church World, expôs, na sua edição de Março, a forma servil como são tratadas algumas freiras pelos cardeais e bispos da Igreja Católica, para quem trabalham e cozinham a troco de quase nada.
A revista do Vaticano para o público feminino, a Women Church World,
expôs, na sua edição de Março, a forma servil como são tratadas
algumas freiras pelos cardeais e bispos da Igreja Católica,
para quem trabalham e cozinham a troco de quase nada. 

‘Uma freira já não vai se confessar da mesma forma que antes, depois que um padre italiano se aproveitou dela quando estava mais vulnerável e contava ao sacerdote seus pecados em confissão em uma sala de aula na universidade há quase 20 anos.

Naquela época, a freira contou o que aconteceu apenas ao seu superior e seu diretor espiritual e foi silenciada pela cultura do segredo da Igreja Católica, por seus votos de obediência e por seu próprio medo, repulsa e vergonha.

Ele abriu uma grande ferida dentro de mim’, disse a irmã à Associated Press AP. ‘Eu fingi que não havia acontecido’.

Depois de décadas de silêncio, a freira é uma das muitas religiosas que tornaram pública uma questão que a Igreja Católica não aceitou: o abuso sexual de freiras por padres e bispos.

Uma investigação da AP descobriu que casos como esse surgiram na Europa, na África, na América do Sul e na Ásia, o que mostra que o problema é global e extenso, em grande parte devido a uma tradição na qual as mulheres são vistas como pessoas de segunda categoria na Igreja e sua subordinação profundamente enraizada aos homens que as lideram.

Algumas freiras têm resistido, encorajadas pelo movimento #MeToo (eu também) e o crescente reconhecimento de que os adultos podem ser vítimas de abuso sexual quando há um desequilíbrio de poder em um relacionamento. As freiras tornaram seus casos públicos, em parte, devido aos vários anos de omissão por oficiais da Igreja, mesmo quando estudos importantes sobre o problema na África foram relatados ao Vaticano na década de 1990.

A questão ganhou destaque no contexto de escândalos envolvendo o abuso sexual de crianças e, mais recentemente, adultos, incluindo revelações de que um dos cardeais norte-americanos mais proeminentes, Theodore McCarrick, abusava sexualmente e assediava seminaristas.

As vítimas estão relutantes em denunciar abusos por um medo bem fundamentado de que ninguém acreditará nelas, comentaram vários especialistas à AP. Os líderes da Igreja resistem a reconhecer que alguns sacerdotes e bispos simplesmente ignoram seus votos de celibato, sabendo que seus segredos não serão revelados.

No entanto, esta semana aproximadamente uma meia dúzia de freiras de uma pequena congregação religiosa do Chile fez públicas suas histórias de abuso por padres e outras freiras na televisão nacional. Elas relataram que seus superiores não fizeram nada para impedir as violações.

Uma freira na Índia recentemente entrou com uma ação na polícia na qual acusou um bispo de estupro, algo que há um ano seria impensável.

Na África, os casos surgem periodicamente. Em 2013, por exemplo, um renomado sacerdote ugandense escreveu uma carta a seus superiores em que falou de ‘sacerdotes que têm relações amorosas com freiras’ e foi suspenso até oferecer um pedido de desculpas em maio. A freira europeia conversou com a AP para ajudar a esclarecer a questão.

Estou triste que tenha demorado tanto tempo para isso vir à luz, porque há queixas já há um tempo’, disse Karlijn Demasure à AP. Demasure, que é um dos principais especialistas da Igreja em abuso sexual e abuso de poder disse : ‘espero que agora sejam tomadas medidas para cuidar das vítimas e pôr fim a esses abusos.’

O Vaticano se recusou a comentar sobre as medidas que tomou, se por acaso tomou alguma, para abordar o alcance do problema a nível internacional e o que fez para punir os infratores e cuidar das vítimas. Uma autoridade do Vaticano disse que os líderes da Igreja local são responsáveis por punir padres que abusam sexualmente das freiras, mas que esses crimes muitas vezes ficam impunes em tribunais civis e canônicos. O funcionário falou sob condição de anonimato porque não estava autorizado a falar sobre o assunto publicamente.

O principal obstáculo enfrentado pelas freiras que foram abusadas é uma questão que deve ser levada a sério, de acordo com Demasure, que até há pouco tempo era diretor executivo do Centro para a Proteção da Criança na Pontifícia Universidade Gregoriana, a principal organização da Igreja que lida com este tema.

(Os sacerdotes) Eles sempre dizem que ‘elas queriam fazer isso’’, disse Demasure. ‘E é difícil acreditar que é sempre a mulher que seduz o homem e não o contrário.’

A freira que falou com a AP sobre seu incidente de 2000 durante sua confissão em uma universidade em Bolonha agarrou-se ao seu rosário enquanto contava os detalhes.

Ela diz que ela e o padre estavam sentados de frente um para o outro em uma sala de aula na universidade. Em um certo momento, o padre levantou-se e tentou estuprá-la. Pequena, mas forte, ela o empurrou e o afastou.

Então a confissão continuou. Mas o incidente, e outro episódio em que outro padre fez insinuações sexuais um ano depois, levou-a a não se confessar novamente com qualquer outro padre que não fosse seu acompanhante espiritual, que mora em outro país.

O local da confissão deve ser um lugar de salvação, liberdade e misericórdia’, disse a freira. ‘Por causa dessa experiência, a confissão tornou-se um lugar de pecado e abuso de poder.’

Ela indicou que em uma ocasião um padre a quem ela contou o que aconteceu lhe ofereceu um pedido de desculpas ‘em nome da Igreja’. Mas ele disse que nenhuma ação foi tomada contra seu agressor, que era um proeminente professor universitário.

A mulher contou sua história a AP sem saber que naquele momento o funeral do padre que tentou abusar dela 18 anos atrás estava acontecendo.

A freira disse que a morte do padre combinada com sua decisão de dar a cara a tapa tirou um grande peso dela.

Libertei-me duas vezes : Tirei o peso da vítima e de uma mentira, assim como da violação de um padre’, disse a freira. ‘Espero que isso ajude outras irmãs a se libertarem e tirarem esse peso.’’


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