Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
A revista do Vaticano para o público feminino, a Women Church World, expôs, na sua edição de Março, a forma servil como são tratadas algumas freiras pelos cardeais e bispos da Igreja Católica, para quem trabalham e cozinham a troco de quase nada. |
‘Uma freira já não vai se confessar da mesma forma
que antes, depois que um padre italiano se aproveitou dela quando estava mais
vulnerável e contava ao sacerdote seus pecados em confissão em uma sala de aula
na universidade há quase 20 anos.
Naquela época, a freira contou o que aconteceu
apenas ao seu superior e seu diretor espiritual e foi silenciada pela cultura
do segredo da Igreja Católica, por seus votos de obediência e por seu próprio
medo, repulsa e vergonha.
‘Ele abriu uma
grande ferida dentro de mim’, disse a irmã à Associated Press AP. ‘Eu fingi que não havia acontecido’.
Depois de décadas de silêncio, a freira é uma das
muitas religiosas que tornaram pública uma questão que a Igreja Católica não
aceitou: o abuso sexual de freiras por padres e bispos.
Uma investigação da AP descobriu que casos como esse
surgiram na Europa, na África, na América do Sul e na Ásia, o que mostra que o
problema é global e extenso, em grande parte devido a uma tradição na qual as
mulheres são vistas como pessoas de segunda categoria na Igreja e sua
subordinação profundamente enraizada aos homens que as lideram.
Algumas freiras têm resistido, encorajadas pelo
movimento #MeToo (eu também) e o crescente reconhecimento de que os adultos
podem ser vítimas de abuso sexual quando há um desequilíbrio de poder em um
relacionamento. As freiras tornaram seus casos públicos, em parte, devido aos
vários anos de omissão por oficiais da Igreja, mesmo quando estudos importantes
sobre o problema na África foram relatados ao Vaticano na década de 1990.
A questão ganhou destaque no contexto de escândalos
envolvendo o abuso sexual de crianças e, mais recentemente, adultos, incluindo
revelações de que um dos cardeais norte-americanos mais proeminentes, Theodore
McCarrick, abusava sexualmente e assediava seminaristas.
As vítimas estão relutantes em denunciar abusos por
um medo bem fundamentado de que ninguém acreditará nelas, comentaram vários
especialistas à AP. Os líderes da Igreja resistem a reconhecer que alguns
sacerdotes e bispos simplesmente ignoram seus votos de celibato, sabendo que
seus segredos não serão revelados.
No entanto, esta semana aproximadamente uma meia
dúzia de freiras de uma pequena congregação religiosa do Chile fez públicas
suas histórias de abuso por padres e outras freiras na televisão nacional. Elas
relataram que seus superiores não fizeram nada para impedir as violações.
Uma freira na Índia recentemente entrou com uma ação
na polícia na qual acusou um bispo de estupro, algo que há um ano seria
impensável.
Na África, os casos surgem periodicamente. Em 2013,
por exemplo, um renomado sacerdote ugandense escreveu uma carta a seus
superiores em que falou de ‘sacerdotes
que têm relações amorosas com freiras’ e foi suspenso até oferecer um
pedido de desculpas em maio. A freira europeia conversou com a AP para ajudar a
esclarecer a questão.
‘Estou triste
que tenha demorado tanto tempo para isso vir à luz, porque há queixas já há um
tempo’, disse Karlijn Demasure à AP. Demasure, que é um dos principais
especialistas da Igreja em abuso sexual e abuso de poder disse : ‘espero que agora sejam tomadas medidas para
cuidar das vítimas e pôr fim a esses abusos.’
O Vaticano se recusou a comentar sobre as medidas
que tomou, se por acaso tomou alguma, para abordar o alcance do problema a
nível internacional e o que fez para punir os infratores e cuidar das vítimas.
Uma autoridade do Vaticano disse que os líderes da Igreja local são
responsáveis por punir padres que abusam sexualmente das freiras, mas que esses
crimes muitas vezes ficam impunes em tribunais civis e canônicos. O funcionário
falou sob condição de anonimato porque não estava autorizado a falar sobre o
assunto publicamente.
O principal obstáculo enfrentado pelas freiras que
foram abusadas é uma questão que deve ser levada a sério, de acordo com Demasure,
que até há pouco tempo era diretor executivo do Centro para a Proteção da
Criança na Pontifícia Universidade Gregoriana, a principal organização da
Igreja que lida com este tema.
‘(Os
sacerdotes) Eles sempre dizem que ‘elas queriam fazer isso’’, disse
Demasure. ‘E é difícil acreditar que é
sempre a mulher que seduz o homem e não o contrário.’
A freira que falou com a AP sobre seu incidente de
2000 durante sua confissão em uma universidade em Bolonha agarrou-se ao seu
rosário enquanto contava os detalhes.
Ela diz que ela e o padre estavam sentados de frente
um para o outro em uma sala de aula na universidade. Em um certo momento, o
padre levantou-se e tentou estuprá-la. Pequena, mas forte, ela o empurrou e o
afastou.
Então a confissão continuou. Mas o incidente, e
outro episódio em que outro padre fez insinuações sexuais um ano depois,
levou-a a não se confessar novamente com qualquer outro padre que não fosse seu
acompanhante espiritual, que mora em outro país.
‘O local da
confissão deve ser um lugar de salvação, liberdade e misericórdia’, disse a
freira. ‘Por causa dessa experiência, a
confissão tornou-se um lugar de pecado e abuso de poder.’
Ela indicou que em uma ocasião um padre a quem ela
contou o que aconteceu lhe ofereceu um pedido de desculpas ‘em nome da Igreja’. Mas ele disse que
nenhuma ação foi tomada contra seu agressor, que era um proeminente professor
universitário.
A mulher contou sua história a AP sem saber que
naquele momento o funeral do padre que tentou abusar dela 18 anos atrás estava
acontecendo.
A freira disse que a morte do padre combinada com
sua decisão de dar a cara a tapa tirou um grande peso dela.
‘Libertei-me
duas vezes : Tirei o peso da vítima e de uma mentira, assim como da violação de
um padre’, disse a freira. ‘Espero
que isso ajude outras irmãs a se libertarem e tirarem esse peso.’’
Fonte :
* Artigo na íntegra http://domtotal.com/noticia/1280523/2018/08/o-movimento-metoo-das-freiras-como-resposta-aos-abusos-clericais/
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