‘A
meditação cristã é uma versão cristã da meditação oriental silenciosa. Aqui o
que mais importa é a experiência de silêncio e de interioridade – mais do que
qualquer coisa que possa ser dito a respeito dessa experiência, além do
ensinamento essencial de como fazê-la, que pode ser resumido simplesmente em
três pontos :
- procurar
um lugar adequado e silencioso;
- Sentar-se
confortavelmente e fechar levemente os olhos;
- Repetir
mentalmente um mantra escolhido da Sagrada Escritura;
- Concentrar-se
sempre neste mantra e voltar a ele sempre que se perder;
- Preferivelmente repetir este exercício duas vezes ao dia por 20 minutos : ao início das atividades do dia e ao início das atividades da noite.
Este formato de meditação silenciosa é
recente no Cristianismo. Podemos dizer que seria uma tradução ou adaptação
cristã da prática Oriental. Isso hoje é possível devido a alguns contextos, dos
quais gostaríamos de comentar alguns.
Meditação Cristã é também o nome de
uma comunidade cristã internacional – a WCCM – de natureza ecumênica e
inter-religiosa que propõe o ensinamento da prática da meditação, tal como foi
recomendado pelo seu idealizador e fundador, Dom John Main, um
monge beneditino Inglês, falecido em 1982.
Hoje, a Comunidade Mundial de Meditação Cristã – WCCM – nos seus muitos Grupos de
Meditação, promove iniciativas de formação contínua, que possibilita o
amadurecimento e fundamentação a todos que têm o desejo de fazer este caminho
espiritual, que é a prática da meditação, no contexto cristão, por meio de Retiros,
Palestras, Cursos e Grupos semanais de prática.
Podemos encontrar semelhantes
iniciativas contemplativas como a Contemplative
Outreach, divulgada pelo Abade Thomas Keating
OCSO, no formato da Oração Centrante. Também encontramos
atualmente outros nomes, por exemplo ‘A Oração do Repouso' – como uma proposta de tradução e atualização de termos próprios deste
tipo de espiritualidade.
Um dos objetivos da formação contínua,
por exemplo, é a compreensão de alguns contextos que tornaram possível cristãos
expressarem sua fé através de uma prática, percebida a princípio, como não
cristã.
Embora não tenhamos pretensão de
explicar em poucas linhas a complexidade da história das Tradições, podemos,
ainda que sumariamente, ao menos considerar alguns pontos relevantes sobre
mudança de paradigmas – no sentido mais amplo do termo. Por isso podemos
sugerir ao menos três contextos cristãos interessantes :
1) Estamos num contexto de celebração
dos quinhentos anos da Reforma Protestante. A historiografia Católica do século
XX consegue reconhecer que o monge agostiniano Lutero (1483-1546) não foi
simplesmente um herético e um cismático, parecendo ter causado uma revolução na
maneira medieval de compreensão do que poderia ser uma sociedade cristã e sobre
o monopólio do sagrado. Embora nem Lutero e nem a Igreja Católica da época
tenham sido exemplos de ecumenismo ou de diálogo inter-religioso no sentido
moderno do termo, a história mostrou que pessoas corajosas e mártires, de ambos
os lados, testemunharam que, para que uma Comunidade de fé possa
amadurecer, é preciso reformar-se começando por dentro, pelo íntimo.
A história pessoal de Lutero e dos reformadores é dramática o bastante para
prová-lo. Poder ler o nosso texto sagrado em nossa própria língua foi uma das
consequências desse drama pessoal de fé.
2) Pouco mais de cinquenta anos atrás,
aconteceu uma outra revolução cristã, por assim dizer, de que talvez poucos
cristãos conheçam a história : fazemos a memória de um senhor pouco
conhecido, o Papa João XXIII, falecido em 1963 e canonizado recentemente pelo
Papa Francisco. Foi eleito para o trono papal aos 77 anos como uma proposta de
transição. Para a surpresa de todos, inicia uma reforma interna na Igreja com
uma expressão leve e informal dizendo que ’era preciso abrir as janelas
e fazer o ar circular.’
Vale lembrar que há 1.700 anos atrás,
o Abade Pastor, um monge do deserto Egípcio, deixou o seguinte registro : ‘Se
você tiver um armário cheio de roupas e deixá-las lá por muito tempo, irão
apodrecer. Acontecerá o mesmo com os pensamentos em seu coração. Se não os
trouxermos para fora por meio de trabalho físico, após muito tempo eles
estragam e tornam-se ruins.’ (Thomas Merton, A Sabedoria do
Deserto, Martins Fontes Ed., 2004, p. 47)
Assim aconteceu o Concílio Vaticano II
(1962-65) e por causa disso, hoje podemos expressar o maior mistério de nossa
fé – a Missa, a Celebração Eucarística – em nossa própria língua, o que nos
permite compreender para crer melhor; podemos dialogar com o mundo moderno e
com as várias Tradições religiosas e culturais; reconhecer e acolher os mais
pobres, no sentido material e espiritual; voltar às fontes cristãs e descobrir
que podemos e devemos, sim, meditar nos moldes orientais, fundamentados nos
melhores mestres espirituais católicos, pois, de acordo com a mais recente
edição do Catecismo da Igreja Católica, ‘O
Homem é capaz de Deus’
(Catecismo da Igreja Católica n. 26 – Primeira Seção, Capítulo I).
3) Neste contexto propício, podemos
perceber uma outra revolução na esfera da expressão da fé, mais discreta,
silenciosa na prática, possibilitada pelo monge beneditino Inglês, Dom
John Main, mencionado anteriormente. Tendo aprendido a meditar por ocasião
de sua viagem à Malásia, a serviço da Coroa Britânica, foi orientado, pela
delicadeza de seu Mestre oriental, a fazer a prática da meditação usando
um ‘mantra’ que poderia ser tirado do texto sagrado da sua
própria tradição, a Bíblia judaico-cristã. Dom John Main tinha muito apreço
pela palavra sagrada ‘Maranäthä’ que se encontra no final do
Livro do Apocalipse (Ap. 22, 20).
Mais tarde, inspirado pela curiosidade
religiosa de um de seus alunos sobre a possibilidade de praticar a meditação
oriental no contexto cristão, teve como sistematizar a prática, encontrando na
história da própria Tradição Cristã, as Raízes teológico-espirituais para
o ensinamento seguro e eficaz da prática da Meditação a todos que sentem
necessidade de preencher essa lacuna na expressão de sua fé cristã.
Além da compreensão dos contextos, a
formação contínua proposta pela Escola da Meditação Cristã –
WCCM – bem como pelo GETM – Grupo de Estudos Thomas
Merton– consiste em estudar e tornar conhecidos os textos dos muitos
mestres espirituais da sabedoria mística cristã.
Por exemplo, poderíamos dizer, em
grandes linhas, que no contexto cristão, a ideia da prática da meditação, na
forma oriental tal como conhecemos hoje, começa a aparecer discreta e
oficialmente nos escritos do monge Trapista americano Thomas Merton,
falecido durante uma peregrinação ao Oriente em 1968. Num dos seus escritos (de
uma tradução Brasileira de 1962) ele diz :
‘A
meditação é mais do que pensar.’ (Thomas Merton, Direção Espiritual
e Meditação, Vozes Ed., 1962, p. 64)
‘A
meditação é, na realidade, coisa simples e não há necessidade de
técnicas complicadas para nos ensinar como nos sairmos bem nessa tarefa. Mas
isso não significa que possa ser praticada sem uma constante disciplina
interior.’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação,
Vozes Ed., 1962, p. 93)
‘Para
meditar, tenho que afastar meu pensamento de tudo que me impeça de
estar atento a Deus presente em meu coração. Ora, isso é impossível se
não recolho meus sentidos.’ (Thomas Merton, Direção
Espiritual e Meditação, Vozes Ed., 1962, p. 94)
‘A
Fé é o primeiro passo, porque é um tipo de conhecimento que adere, na
obscuridade, sem imagens nem representações, por meio de uma identificarão
amorosa ao Deus vivo.’ (Thomas Merton, Novas Sementes de
Contemplação, Fisus Ed., 1999, p. 134)
‘O
Filho Pródigo da parábola evangélica (Lc 15, 11ss) pode servir-nos de modelo :
depois de ter esbanjado seus bens em terras longínquas, morria de fome, sem
conseguir alimentar-se nem mesmo com os restos lançados ao porcos que cuidava.
Mas ‘entrando em si’,
meditou sobre sua condição. A
meditação foi curta. Disse de si para si : ‘Voltarei a casa de meu
Pai e lhe direi : ‘Pai, pequei contra o céu e contra ti; não sou mais digno de
ser chamado teu filho. O senhor me receberia como um dos teus empregados?’’
(Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes Ed.,
1962, p. 96)
‘De modo geral, a melhor
posição para meditar é sentado, mas a alguém que deseja seriamente
meditar deve se permitir certa liberdade nessa matéria. Citamos
como prova desse fato um trecho de Richard Rolle, um simpático
místico Inglês do século XIV, no seu ‘Form of Perfect Living :
‘Tem me agradado muito estar
sentado; não por penitência ou fantasia, ou por desejo de que falem de mim
ou algo semelhante, mas só por saber que assim mais amava a Deus e por
mais tempo demorava em mim a consolação do amor, do que quando andava, ou
estava em pé, ou ajoelhado. Pois, sentado, estou em maior repouso e meu
coração mais se eleva. Todavia, pode acontecer a outro não estar bem quando
sentado (como a mim sucede – e pretendo continuar até a morte) a não ser que
esteja ele nas mesmas disposições de alma em que acho.’’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes
Ed., 1962, p. 100).
‘A
meditação está contida quase inteiramente nesta única ideia : despertar
o nosso ser interior, sintonizando-nos intimamente com o Espírito
Santo, de maneira a correspondermos a Sua graça.’(Thomas Merton, Direção
Espiritual e Meditação, Vozes Ed., 1962, p. 125)
‘A
verdadeira finalidade da meditação cristã é praticamente a mesma da oração
litúrgica e a recepção dos sacramentos, isto é, uma união mais profunda,
pela graça e a caridade, com o Verbo da Vida, a pessoa
de Jesus Cristo.’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e
Meditação, Vozes Ed., 1962, p. 123)’
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