quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Thomas Merton e a Meditação

Por Dom Alexandre de Andrade, OSB

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A meditação cristã é uma versão cristã da meditação oriental silenciosa. Aqui o que mais importa é a experiência de silêncio e de interioridade – mais do que qualquer coisa que possa ser dito a respeito dessa experiência, além do ensinamento essencial de como fazê-la, que pode ser resumido simplesmente em três pontos :

  • procurar um lugar adequado e silencioso;
  • Sentar-se confortavelmente e fechar levemente os olhos;
  • Repetir mentalmente um mantra escolhido da Sagrada Escritura;
  • Concentrar-se sempre neste mantra e voltar a ele sempre que se perder;
  • Preferivelmente repetir este exercício duas vezes ao dia por 20 minutos : ao início das atividades do dia e ao início das atividades da noite.

Este formato de meditação silenciosa é recente no Cristianismo. Podemos dizer que seria uma tradução ou adaptação cristã da prática Oriental. Isso hoje é possível devido a alguns contextos, dos quais gostaríamos de comentar alguns.

Meditação Cristã é também o nome de uma comunidade cristã internacional – a WCCM – de natureza ecumênica e inter-religiosa que propõe o ensinamento da prática da meditação, tal como foi recomendado pelo seu idealizador e fundador, Dom John Main, um monge beneditino Inglês, falecido em 1982.

Hoje, a Comunidade Mundial de Meditação Cristã – WCCM – nos seus muitos Grupos de Meditação, promove iniciativas de formação contínua, que possibilita o amadurecimento e fundamentação a todos que têm o desejo de fazer este caminho espiritual, que é a prática da meditação, no contexto cristão, por meio de Retiros, Palestras, Cursos e Grupos semanais de prática.

Podemos encontrar semelhantes iniciativas contemplativas como a Contemplative Outreach, divulgada pelo Abade Thomas Keating OCSO, no formato da Oração Centrante. Também encontramos atualmente outros nomes, por exemplo ‘A Oração do Repouso' – como uma proposta de tradução e atualização de termos próprios deste tipo de espiritualidade.

Um dos objetivos da formação contínua, por exemplo, é a compreensão de alguns contextos que tornaram possível cristãos expressarem sua fé através de uma prática, percebida a princípio, como não cristã.

Embora não tenhamos pretensão de explicar em poucas linhas a complexidade da história das Tradições, podemos, ainda que sumariamente, ao menos considerar alguns pontos relevantes sobre mudança de paradigmas – no sentido mais amplo do termo. Por isso podemos sugerir ao menos três contextos cristãos  interessantes :

1) Estamos num contexto de celebração dos quinhentos anos da Reforma Protestante. A historiografia Católica do século XX consegue reconhecer que o monge agostiniano Lutero (1483-1546) não foi simplesmente um herético e um cismático, parecendo ter causado uma revolução na maneira medieval de compreensão do que poderia ser uma sociedade cristã e sobre o monopólio do sagrado. Embora nem Lutero e nem a Igreja Católica da época tenham sido exemplos de ecumenismo ou de diálogo inter-religioso no sentido moderno do termo, a história mostrou que pessoas corajosas e mártires, de ambos os lados, testemunharam que, para que uma Comunidade de fé possa amadurecer, é preciso reformar-se começando por dentro, pelo íntimo. A história pessoal de Lutero e dos reformadores é dramática o bastante para prová-lo. Poder ler o nosso texto sagrado em nossa própria língua foi uma das consequências desse drama pessoal de fé.

2) Pouco mais de cinquenta anos atrás, aconteceu uma outra revolução cristã, por assim dizer, de que talvez poucos cristãos conheçam a história : fazemos a  memória de um senhor pouco conhecido, o Papa João XXIII, falecido em 1963 e canonizado recentemente pelo Papa Francisco. Foi eleito para o trono papal aos 77 anos como uma proposta de transição. Para a surpresa de todos, inicia uma reforma interna na Igreja com uma expressão leve e informal dizendo que ’era preciso abrir as janelas e fazer o ar circular.’ 

Vale lembrar que há 1.700 anos atrás, o Abade Pastor, um monge do deserto Egípcio, deixou o seguinte registro : ‘Se você tiver um armário cheio de roupas e deixá-las lá por muito tempo, irão apodrecer. Acontecerá o mesmo com os pensamentos em seu coração. Se não os trouxermos para fora por meio de trabalho físico, após muito tempo eles estragam e tornam-se ruins.’ (Thomas Merton, A Sabedoria do Deserto, Martins Fontes  Ed., 2004, p. 47)

Assim aconteceu o Concílio Vaticano II (1962-65) e por causa disso, hoje podemos expressar o maior mistério de nossa fé – a Missa, a Celebração Eucarística – em nossa própria língua, o que nos permite compreender para crer melhor; podemos dialogar com o mundo moderno e com as várias Tradições religiosas e culturais; reconhecer e acolher os mais pobres, no sentido material e espiritual; voltar às fontes cristãs e descobrir que podemos e devemos, sim, meditar nos moldes orientais, fundamentados nos melhores mestres espirituais católicos, pois, de acordo com a mais recente edição do Catecismo da Igreja Católica, ‘O Homem é capaz de Deus’ (Catecismo da Igreja Católica n. 26 – Primeira Seção, Capítulo I).

3) Neste contexto propício, podemos perceber uma outra revolução na esfera da expressão da fé, mais discreta, silenciosa na prática, possibilitada pelo monge beneditino Inglês, Dom John Main, mencionado anteriormente. Tendo aprendido a meditar por ocasião de sua viagem à Malásia, a serviço da Coroa Britânica, foi orientado, pela delicadeza de seu Mestre oriental, a fazer a prática da meditação usando um ‘mantra’ que poderia ser tirado do texto sagrado da sua própria tradição, a Bíblia judaico-cristã. Dom John Main tinha muito apreço pela palavra sagrada ‘Maranäthä’ que se encontra no final do Livro do Apocalipse (Ap. 22, 20).

Mais tarde, inspirado pela curiosidade religiosa de um de seus alunos sobre a possibilidade de praticar a meditação oriental no contexto cristão, teve como sistematizar a prática, encontrando na história da própria Tradição Cristã, as Raízes  teológico-espirituais para o ensinamento seguro e eficaz da prática da Meditação a  todos que sentem necessidade de preencher essa lacuna na expressão de sua fé cristã.

Além da compreensão dos contextos, a formação contínua proposta pela Escola da Meditação Cristã – WCCM – bem como pelo GETM – Grupo de Estudos Thomas Merton– consiste em estudar e tornar conhecidos os textos dos muitos mestres espirituais da sabedoria mística cristã.

Por exemplo, poderíamos dizer, em grandes linhas, que no contexto cristão, a ideia da prática da meditação, na forma oriental tal como conhecemos hoje, começa a aparecer discreta e oficialmente nos escritos do monge Trapista americano Thomas Merton, falecido durante uma peregrinação ao Oriente em 1968. Num dos seus escritos (de uma tradução Brasileira de 1962) ele diz :

A meditação é mais do que pensar.’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 64)

A meditação é, na realidade, coisa simples e não há necessidade de técnicas complicadas para nos ensinar como nos sairmos bem nessa tarefa. Mas isso não significa que possa ser praticada sem uma constante disciplina interior.’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 93)

Para meditar, tenho que afastar meu pensamento de tudo que me impeça de estar atento a Deus presente em meu coração. Ora, isso é impossível se não recolho meus sentidos.’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 94)

A Fé é o primeiro passo, porque é um tipo de conhecimento que adere, na obscuridade, sem imagens nem representações, por meio de uma identificarão amorosa ao Deus vivo.’ (Thomas Merton, Novas Sementes de Contemplação, Fisus Ed., 1999, p. 134)

O Filho Pródigo da parábola evangélica (Lc 15, 11ss) pode servir-nos de modelo : depois de ter esbanjado seus bens em terras longínquas, morria de fome, sem conseguir alimentar-se nem mesmo com os restos lançados ao porcos que cuidava. Mas ‘entrando em si’, meditou sobre sua condição. A meditação foi curta. Disse de si para si : ‘Voltarei a casa de meu Pai e lhe direi : ‘Pai, pequei contra o céu e contra ti; não sou mais digno de ser chamado teu filho. O senhor me receberia como um dos teus empregados?’’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 96)

‘De modo geral, a melhor posição para meditar é sentado, mas a alguém que deseja seriamente meditar deve se permitir certa liberdade nessa matéria. Citamos como prova desse fato um trecho de Richard Rolle, um simpático místico Inglês do século XIV, no seu  ‘Form of Perfect Living :

Tem me agradado muito estar sentado; não por penitência ou fantasia, ou por desejo de que falem de mim ou algo semelhante, mas só por saber que assim mais amava a Deus e por mais tempo demorava em mim a consolação do amor, do que quando andava, ou estava em pé, ou ajoelhado. Pois, sentado, estou em maior repouso e meu coração mais se eleva. Todavia, pode acontecer a outro não estar bem quando sentado (como a mim sucede – e pretendo continuar até a morte) a não ser que esteja ele nas mesmas disposições de alma em que acho.’’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 100).

A meditação está contida quase inteiramente nesta única ideia : despertar o nosso ser interior, sintonizando-nos intimamente com o Espírito Santo, de maneira a correspondermos a Sua graça.’(Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 125)

A verdadeira finalidade da meditação cristã é praticamente a mesma da oração litúrgica e a recepção dos sacramentos, isto é, uma união mais profunda, pela graça e a caridade, com o Verbo da Vida, a pessoa de Jesus Cristo.’ (Thomas Merton, Direção Espiritual e Meditação, Vozes  Ed., 1962, p. 123)


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