Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
*Artigo
de Fabrício Veliq,
teólogo
protestante
‘Um dos grandes desafios da teologia
atual é de não se tornar uma teologia surda. Durante muito tempo, ao longo de
sua história, o Cristianismo assumiu uma postura de não querer ouvir as vozes
que lhe eram divergentes. Esta atitude, motivada pelas ideias de que se era a
única religião verdadeira, e a porta-voz exclusiva da vontade divina na Terra,
trouxe grandes prejuízos para a sociedade e também para o próprio Cristianismo.
Em dias atuais, dada toda polarização
crescente em nosso país, começa-se a surgir diversos discursos que seguem na
mesma linha de uma história passada, mostrando que, infelizmente, ainda não se
aprendeu com ela. As posturas de fechamento em relação ao diferente, de
xenofobia, de discriminação contra minorias, que são fomentadas em nossos dias
por parte de muitos que se dizem cristãos revelam que, em muitos casos, tem
crescido um Cristianismo que decide, por si mesmo, fechar os ouvidos às
diversas vozes da sociedade, por considerá-las como não dignas de fala.
Essas posturas, claramente, não são
ensinadas por Jesus. Muito pelo contrário, na narrativa dos Evangelhos, a
diferença não é vista como algo que deve ser evitado, antes, como algo que faz
parte da sociedade mesma. Discussões eram comuns no tempo de Jesus; os rabinos
discutiam entre si sobre as diversas interpretações possíveis do texto bíblico,
e isso não era visto como algo negativo, mas como algo de extrema importância e
honra. De alguma forma, é possível para nós dizer que na sociedade judaica do
tempo de Jesus só se discutia com quem se respeitava, sendo a própria discussão
uma manifestação deste respeito.
Atentar-se a este caráter revela algo
muito importante. Não existe discussão produtiva se não se está disposto a
escutar o que o outro tem a dizer, e se não se está disposto a, até mesmo,
mudar de opinião, caso os argumentos apresentados pela outra pessoa ou grupo
sejam mais interessantes e mais bem fundamentados do que os que carregamos.
Inserir-se nesta abertura da discussão implica, necessariamente, um ouvido que
esteja disposto a ouvir posições que são diferentes das que se carrega para,
por meio disso, poder depurar o próprio conhecimento e, até mesmo, mudar de
posição em relação a determinados assuntos.
Somente um Cristianismo que não se coloque
como surdo será capaz de ser uma voz que tenha chance de ser ouvida e fazer
diferença na sociedade em que está inserida, uma vez que falará a partir do que
ouviu, tentando dar respostas a perguntas que lhe são feitas. Considerar-se
como dono da verdade e, por este motivo, como único digno de fala e de ensino,
é mostrar-se como não conhecedor do exemplo de Jesus Cristo, que estava sempre
perguntando e sendo perguntado ao longo de seu ministério. Uma teologia que
surge de um Cristianismo surdo, provavelmente também será surda, não podendo
assim, falar de maneira que faça sentido para homens e mulheres de nosso tempo.
A teologia é sempre chamada a ouvir, a ponderar sobre as posições diferentes e
a viver em abertura para com todo/a aquele/a que chega até ela. Somente assim,
poderá se mostrar como voz em uma sociedade cada vez mais plural e cada vez
mais ansiosa por quem as escute e tenha algo a dizer, não como dogma, mas como
fruto da empatia que surge desse ouvido aberto e disposto a, antes de falar,
escutar.’
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