segunda-feira, 2 de abril de 2018

Prostituição e tráfico de menores africanos entre máfias e redes sociais


Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Com mais e mais jovens nas ruas, organizações católicas se comprometem com sua causa.
*Artigo de Francesco Peloso,
jornalista


 ‘Ela é uma menina entre 14 e 20 anos, como qualquer outra, sozinha ou de uma família que tem problemas econômicos, no sul da Nigéria. Ela é abordada por uma ‘maman’, uma mulher de 40 anos que tem uma aparência rica, que a convida para ir à Europa prometendo-lhe um emprego e dinheiro fácil. Ela também pode ser abordada em uma das muitas igrejas pentecostais que foram construídas recentemente, onde acha que pode encontrar um ambiente seguro, neste caso, pode até ser um ‘pastor’ que fala com ela o mesmo que a maman. Às vezes, aproximam-se a elas através de uma mensagem via Facebook ou Whatsapp vindo de um futuro ‘namorado’, que lhe diz que está esperando por ela na Itália e já pediu asilo e, além disso, a convida a se juntar a ele. Em outros casos, ela passa por rituais mágicos durante os quais faz promessas que não podem ser quebradas ou de outra forma algo ruim aconteceria com seus familiares.

A viagem para a Itália é longa, da Nigéria ela chega ao Níger, depois à Líbia, a Trípoli, depois sobe na balsa que a levará para a Itália em uma viagem indescritível. Ela quase certamente será estuprada, até pela polícia que patrulha as fronteiras, enquanto uma rede de organizadores, os ‘drivers’, constantemente acompanham sua jornada. São eles que a ‘ajudam’ a atravessar fronteiras e chegar as costas italianas. Uma vez na Itália, depois de cruzar as portas de um centro de recepção, a menina deverá ligar para um número de telefone que lhe foi dado no início de sua provação, assim ela entrará em contato com aqueles que a abordaram no princípio prometendo trabalho, dinheiro e outras coisas. O sonho de uma vida melhor, mas em vez disso a colocarão no inferno da prostituição nas ruas italianas. A ‘maman’ é outra traficante de seres humanos : jovens e minores da África, detidos por organizações criminosas étnicas e italianas que exploram as fraquezas do sistema de acolhimento, uma rede transnacional que gera lucros vertiginosos - e, obviamente, totalmente ilegais -, de modo que é difícil dizer quantas meninas estão nas ruas, certamente dezenas de milhares, entre 50 e 100 mil.

A história é mais ou menos sempre a mesma, com poucas variações : no fundo, ameaças à família, tortura em caso de rebelião, o risco muito real de morrer. A questão da prostituição ligada ao tráfico de seres humanos voltou a ser atual quando o Papa, em 19 de março passado, em uma reunião preparatória do próximo Sínodo dos Jovens (outubro de 2018), falou com Blessing Okoedion, uma jovem vítima do tráfico, da Nigéria, que perguntou ao Papa Francisco : ‘O que mais me preocupa é a alta demanda, há muitos clientes e muitos deles, como já foi dito, são católicos’. ‘Pergunto-me e lhe pergunto : a Igreja é ainda tão chauvinista até o ponto de não ser capaz de se perguntar com sinceridade sobre essa alta demanda de clientes católicos?A resposta de Bergoglio foi bastante longa e complexa, até severa : ‘É um crime contra a humanidade, é um crime mesmo contra a humanidade e nasceu de uma mentalidade doentia que crê que as mulheres devam ser exploradas’, afirmou.

Francisco falou então de uma clientela feita de muitos ‘batizados’. O tema é claramente dramático por causa de suas muitas implicações, mas há aqueles que há muito tempo lutam contra o duplo flagelo do tráfico e da prostituição, como a Comunidade do Papa João XXIII. ‘As meninas são contatadas hoje também por meio das redes sociais, em especial do Facebook e do Whatsapp - explica Irene Ciambezi, comprometida com a comunidade e autora do livro ‘Não estamos à venda’, sobre escravos adolescentes que são atraídos - meninas que nem concluíram ainda o ensino médio, têm 14 a 15 anos de idade - pois estão em um estágio de suas vidas em que ainda não desenvolveram uma personalidade e não têm objetivos claros para o futuro.

A origem desta situação pode ser um contexto familiar muito pobre, para o qual faltam recursos suficientes para terminar a escola. ‘Quando não é possível avançar na educação’, explica Irene, ‘facilmente terminam nas redes de traficantes. Eles atraem crianças, meninas de diferentes faixas etárias diferente de anos passados, quando as vítimas tinham entre 24 e 25 anos. A promessa de um trabalho fácil na Europa está na base; durante a viagem, então - usando um telefone celular, redes sociais - elas confiam em alguém que ‘guia’ sua migração’.

A rota principal ainda é a Líbia, que agora está mudando para a Argélia, mas sempre através do Níger : Ao longo do caminho há toda uma rede de intermediários que acompanham a garota, quem carrega um número de celular com o qual ela terá que entrar em contato assim que chegar na Itália. Os intermediários organizam, por exemplo, a travessia de várias fronteiras, como a fronteira entre o Níger e a Líbia. Uma vez na costa, elas têm que esperar pela embarcação, atravessar o Mar Mediterrâneo, chegar à costa italiana e depois serem transferidas para os vários centros. Nesse momento - as garotas são instruídas a ligar para o número que lhes foi dado no começo. E é nesse ponto que surge o ‘driver’ final, a pessoa que as levará ao trecho final de seu destino.

Esta ‘viagem’, custa entre 35 e 40 mil euros, uma quantia muito elevada, afinal é uma característica do tráfico para fins sexuais, mais uma forma de exploração para a qual existem muitos intermediários a pagar, desde a ‘maman’ até os ‘drivers’, e muitos outros tipos de máfias. O fenômeno está sempre mudando : até agora o importante papel desempenhado por essas mamans, mulheres na faixa dos 40 anos, que viajam de Itália a Nigéria e de volta, para organizar o tráfego. ‘Hoje, no entanto - observa Irene Ciambezi - há também igrejas que nascem de maneira absolutamente autônoma e que não têm nenhuma relação com o mundo protestante, igrejas pentecostais nas quais os próprios pastores são organizadores ou intermediários dessas formas de exploração. O papel desses ‘namorados’ que enganam e atraem também está crescendo. Os próprios namorados estão na rede de requerentes de asilo’.

A partir da experiência no campo e da colaboração com as Forças da Lei e da Ordem, surge cada vez mais uma conivência entre as organizações criminosas africanas e italianas, como a 'Ndrangheta e a Camorra’, em particular nas regiões do sul. O relatório da Comissão de Investigação Anti-Mafia de 2017 também fala disso. Mas o fenômeno atravessa os centros de recepção : ‘Os traficantes e exploradores conhecem nosso sistema de recepção e como se organizar para pegarem as vítimas assim que recebem a ligação da garota. Depois disso, elas serão treinadas para ficarem nas ruas’.

Para combater a exploração - diz Irene - acreditamos que precisamos de uma rede de colaboração muito forte, temos 25 unidades de rua em toda a Itália, devidamente treinadas, mas também temos muitos voluntários, entre eles os que vêm do Agesci, dos Focolares, da Ação Católica. Precisamos então cooperar com a polícia. No entanto, assim que uma menina é tirada da rua, ela é substituída por outra, a rotação é muito alta. As histórias são quase diárias, apenas recentemente, uma garota que afirmava ter 20 anos de idade entrou em contato com a Comunidade do Papa João XXIII; depois de uma série de entrevistas, estabeleceu-se uma relação de confiança e descobriu-se facilmente que tinha apenas 17 anos de idade. Ela pediu ajuda e foi levada para outra região por razões de segurança. Mas, igualmente importante, é o trabalho que deve ser feito com a família de origem, as ameaças de retaliação são de fato muito fortes. Quando possível, os membros da família na Nigéria também devem ser ajudados a mudar de região e moradia. De muitas maneiras, a redescoberta de uma dimensão religiosa é importante.

No fundo, o tema da alta demanda permanece, o verdadeiro motor dos lucros da prostituição. É evidente - salienta Irene - que os clientes estão agora à procura de pessoas mais vulneráveis porque vão submeter-se ao que querem e pedem, são moças que vêm de outros países, por isso é mais fácil pedir serviços sexuais de qualquer tipo. A idade também é cada vez mais baixa, há um problema de dignidade da pessoa e também igualdade de gênero porque as mulheres menores de idade são mais exploradas. Várias associações estão propondo a introdução de uma sanção administrativa, após o modelo francês - para os clientes. Um passo crucial para começar a lidar com esse fenômeno.

Gabriella Bottani, uma religiosa de origem comboniana da rede internacional de organizações religiosas antitráfico, ‘Thalita Kum’, aponta que o fenômeno assumiu uma dimensão mundial. O recrutamento, explica ela, ocorre explorando as necessidades econômicas, aproveitando-se das famílias e, às vezes, com o envolvimento das igrejas pentecostais. Outro capítulo é o dos rituais mágicos. A garota - explica a irmã Bottani - é colocada diante de um líder religioso e pedaços de sua roupa e cabelo são tirados dela. Ela deve então prometer não se rebelar e permanecer fiel ao compromisso assumido. Se esta restrição for quebrada, algo de ruim pode acontecer com ela ou com os membros de sua família. É por isso que a pessoa não se revolta, tem medo.

No entanto, ‘é a presença de uma clientela - a religiosa aponta - que produz um enorme fluxo de dinheiro’. Essa grande quantidade de dinheiro é o que move esse tipo de mercado e a razão pela qual o tráfego é continuamente alimentado e as pessoas são ‘consumidas’ através do sexo. Não sei até que ponto os clientes estão cientes de que estão consumindo uma pessoa, além disso, na frente de menores, não há dúvidas de que estamos enfrentando um crime. ‘Há uma reversão das coisas - observa a irmã Bottani - os adultos devem ser as pessoas que cuidam de menores, mas agora temos menores que cuidam das necessidades e desejos dos adultos, sem mencionar que um limite está quebrado, o de sexualidade’.

A reintegração das meninas que são tiradas do caminho da prostituição não é óbvia nem fácil : ‘A reintegração é possível quando há meninas que não têm feridas profundas, que já têm educação prévia e têm caminhos de vida mais sólidos. São caminhos difíceis e não são muitas as que conseguem repensar e reorganizar suas vidas’.’


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