Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘Em síntese : são treze as principais
diferenças doutrinárias e disciplinares que distanciam católicos e ortodoxos
orientais uns dos outros. Os ortodoxos não aceitam o primado e a infalibilidade
do Papa, a processão do Espírito Santo a partir do Filho, o purgatório póstumo,
os dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção de Maria Santíssima, o Batismo
por infusão (e não por imersão), a falta da epiclese na Liturgia Eucarística, o
pão ázimo (sem fermento) na celebração eucarística, a Comunhão eucarística sob
a espécie do pão apenas, o sacramento da Unção dos Enfermos como é ministrado
no Ocidente, a indissolubilidade do matrimônio, o celibato do clero. Como se
pode ver, nem todos esses pontos diferenciais são da mesma importância. O mais
ponderoso é o da fidelidade ao Papa como Pastor Supremo, assistido pelo
Espírito Santo em matéria de fé e de moral.
Seja observado,
logo de início, que, em geral, os orientais têm por ideal a volta da Igreja ao
que ela era até o sétimo Concílio Geral (Niceia II em 787), pois só aceitam os
Concílios de Niceia I (325), Constantinopla I (381), Éfeso (431), Calcedônia
(451), Constantinopla II (553), Constantinopla III (681) e Niceia II (787). O
Concílio de Constantinopla IV, que excomungou o Patriarca Fócio em 869/870, é
rejeitado pelos orientais.
1. Primado do Papa
Alega a teologia
ortodoxa que a jurisdição universal e suprema do Papa implica que os outros
bispos são subordinados a ele como seus representantes.
A esta concepção
responde o Concílio do Vaticano II : ‘Aos Bispos é confiado plenamente o
ofício pastoral ou o cuidado habitual e cotidiano das almas. E, porque gozam de
um poder que lhes é próprio e com toda razão são antístites dos povos que eles
governam, não devem ser considerados vigários (representantes) do Romano
Pontífice’(Constituição Lumen Gentium 27).
O primado do Bispo
de Roma ou do Papa garante a unidade e a coesão da Igreja, preservando-a de
iniciativas meramente pessoais e subjetivas.
2. Infalibilidade papal
Em 1870, fazendo
eco a antiga crença dos cristãos, o Concílio do Vaticano I declarou o Papa
infalível quando fala em termos definitivos para a Igreja inteira em matéria de
fé de Moral. – A teologia ortodoxa oriental alega que esta definição extingue a
autoridade dos Concílios.
Respondemos que os
Concílios gerais ou universais têm plena razão de ser, desde que o Papa deles
participe (por si ou por seus delegados) e aprove as suas conclusões. Em nossos
dias mais e mais se tem insistido sobre a colegialidade dos Bispos.
3. A processão do
Espírito Santo a partir do Filho (‘Filioque’)
Esta concepção da
Igreja Católica decorre do fato de que ‘em Deus não há distinções a não ser
onde haja oposição relativa’. Se, portanto, entre o Filho e o Espírito Santo
não há a distinção de Espirante e espirado, um não se distingue do outro ou o
Filho e o Espírito Santo são uma só Pessoa em Deus. Verdade é que Jesus em Jo
15, 26 diz que o Espírito procede do Pai; o Senhor, porém, não tenciona propor
aí uma teologia sistemática, mas põe em relevo um aspecto da verdade sujeito a
ser completado pela reflexão.
Na verdade, a
questão em foco é mais de linguagem do que de doutrina, como foi demonstrado em
PR 442/1999, pp. 120ss. Os orientais preferem dizer que o Espírito Santo
procede do Pai através do Filho – o que pode ser conciliado com a posição dos
ocidentais.
NdR : ‘Filioque’ é
o termo latino que quer dizer ‘e do Filho’, rezado no Credo quando fala do
Espírito Santo : ‘Qui ex Patre Filioque procedit’, ou seja, ‘que procede do Pai
e do Filho’.
4. Purgatório
Os orientais não
tiveram dificuldade para aceitá-lo até o século XIII. Em 1231 ou 1232, o
metropolita Georges Bardanes, de Corfu, pôs-se a impugnar o presumido fogo do
purgatório, pois na verdade não há fogo no purgatório. Os teólogos orientais
subseqüentes apoiaram a contestação (muito justificada) de G. Bardanes. Mas nem
por isto negaram um estado intermediário entre a vida terrestre e a
bem-aventurança celeste para as almas daqueles que morrem com resquícios de
pecado; estes seriam perdoados por Deus em vista da oração da Igreja; estariam
assim fundamentados os sufrágios pelos defuntos.
A absoluta recusa
do purgatório só ocorreu entre os orientais no século XVII sob a influência de
autores protestantes. Daí por diante a teologia oriental está dividida; há
muitos teólogos ortodoxos que admitem um estado intermediário entre a morte e a
bem-aventurança celeste como também reconhecem o valor dos sufrágios pelos
defuntos.
5. A Imaculada Conceição
de Maria
Esta é, por vezes,
confundida com um pretenso nascimento virginal de Maria Santíssima (Santa Ana
teria concebido sua filha sem a colaboração de São Joaquim). Já que tal
concepção virginal carece de sólido fundamento, também a Imaculada Conceição é
posta em dúvida pelos orientais. Ocorre, porém, que a literatura e a Liturgia
dos ortodoxos enaltecem grandemente a total pureza de Maria, professando a
mesma coisa que os ocidentais, ao menos de modo implícito, sem chegar a
formular um dogma de fé a respeito.
6. A Assunção de Maria
Santíssima
Foi proclamada
como dogma de fé em 1950 pelo Papa Pio XII, de acordo com a tradição teológica
ocidental e oriental. Merece especial atenção a iconografia oriental, que
representa de maneira muito expressiva a Virgem sendo assumida aos céus por seu
Divino Filho. Na verdade, o que fere os orientais, não é a proclamação da
Assunção; mas a promulgação do dogma (como no caso da Imaculada Conceição).
7. Batismo por infusão ou
aspersão da água
Dizem os teólogos
ocidentais que o importante no Batismo é o contato da água com o corpo da
pessoa, simbolizando purificação. Se o sacramento é um sinal que realiza o que
significa, a água batismal significa e realiza a purificação da alma.
8. Epiclese
Os orientais
julgam essencial na Liturgia Eucarística a Invocação do Espírito Santo
(epiclese) antes das palavras da consagração; ora estas faltam no Cânon Romano
(Oração Eucarística nº 1), pois os latinos julgam que a consagração do pão e do
vinho se faz pela repetição das palavras de Cristo : ‘Isto é o meu corpo…
Isto é o meu sangue…’.
Acontece, porém,
que as Orações Eucarísticas compostas depois do Concílio (1962-65) têm a
epiclese não para corrigir uma pretensa falha anterior, mas para guardar uma
antiga tradição.
9. Pão ázimo
Jesus, em sua
última ceia, observou o ritual da Páscoa judaica, que prescrevia (e prescreve)
o uso do pão ázimo ou não fermentado. A Igreja Católica guardou o costume na
celebração da Eucaristia. Está bem respaldada. O uso do pão fermentado não é
excluído, pois, em última análise, se trata sempre de pão.
10.
A Comunhão Eucarística sob as espécies do pão apenas
Até o século XII a
Comunhão era ministrada sob as duas espécies; o uso foi abolido por causa de
inconvenientes que gerava (profanação, sacrilégios…).
Todavia, após o
Concílio, já é permitido dar a Comunhão sob as duas espécies a grupos
devidamente preparados.
11. Unção dos Enfermos
Baseados em Tg 5,
14s, os orientais ortodoxos têm a Unção dos Enfermos como sacramento. Divergem,
porém, dos ocidentais em dois pontos :
·
a Unção não é reservada aos gravemente enfermos nem tem a marca
de preparação para a morte, mas, ao contrário, vem a ser um rito de cura para
qualquer enfermo;
·
a Unção, no Oriente, tem forte caráter penitencial, a tal ponto
que ela é conferida também aos pecadores, mesmo sadios, a título de satisfação
pelos pecados.
Pode-se dizer,
portanto, que a Unção ‘dos Enfermos’
nas comunidades orientais ortodoxas é dada a todos os fiéis que tenham algum
problema de saúde corporal ou espiritual. Isto ocorre especialmente na Semana
Santa entre os russos.
Essas diferenças,
que não são das mais graves, foram muito exploradas nos debates entre latinos e
gregos. Os ocidentais reservam a Unção para os casos de moléstias graves ou
sério perigo de vida.
12. Divórcio
Baseados em Mt 5,
32 (= Mt 19, 9) e contrariamente ao que se lê em Mc 10, 11s; Lc 16, 18; 1Cor 7,
10s, os ortodoxos reconhecem o divórcio. A Igreja Católica não interpreta São
Mateus em sentido contrário ao de Marcos, Lucas e Paulo; portanto não reconhece
o divórcio de um matrimônio sacramental validamente contraído e consumado, mas
julga que em Mt 5 e 19 se trata da dissolução de um casamento tido pela Lei de
Moisés como ilícito. Ulteriores dados podem ser encontrados em PR 473/2001, pp.
453ss.
13. Celibato do Clero
Seria ‘uma restrição imposta nos séculos
posteriores, contrária à decisão do primeiro Sínodo Ecumênico (325)’. Que
há de verídico nisso?
O celibato do
clero tem seu fundamento em 1Cor 7, 25-35, onde São Paulo recomenda a vida una
ou indivisa. Esta foi sendo praticada espontaneamente pelo clero até que, em
306 aproximadamente, o Concílio regional de Elvira (Espanha) a sancionou para
os eclesiásticos de grau superior. A legislação de Elvira foi-se propagando no
Ocidente por obra de outros concílios regionais.
Ao contrário, os
orientais estipularam que, após a ordenação, os clérigos de grau superior (ou
do diaconato para cima não poderiam contrair matrimônio, mas eram autorizados a
manter o uso do matrimônio os que tivessem casado antes da ordenação. O
Concílio de Niceia I (325) rejeitou a proposta segundo a qual o celibato no
Oriente seria observado sem exceções, como no Ocidente; isto, por protesto do
Bispo egípcio Pafnúncio, o qual guardava pessoalmente o celibato. Os Bispos
orientais são todos celibatários e, por isto, recrutados entre os monges.
Como se vê,
algumas das diferenças apontadas são disciplinares e não impedem a volta à
unidade de cristãos orientais e ocidentais. Podem-se admitir o pão fermentado
na Eucaristia, a obrigatoriedade da epiclese, o clero casado… O maior obstáculo
é o do primado do Papa. Paulo VI e João Paulo II demonstraram ter consciência
do problema, que poderá ser resolvido satisfatoriamente. Eis o que escreve João
Paulo II em sua encíclica Ut Unum Sit datada de 25/05/95 :
‘Entre todas as Igrejas e Comunidades
Eclesiais, a Igreja Católica está consciente de ter conservado o ministério do
sucessor do Apóstolo Pedro, o Bispo de Roma, que Deus constituiu como perpétuo
e visível fundamento da unidade e que o Espírito ampara para que torne
participantes deste bem essencial todos os outros. Segundo a feliz expressão do
Papa Gregório Magno, o meu ministério é de servus servorum Dei… Por outra
parte, como pude afirmar por ocasião do Encontro do Conselho Mundial das
Igrejas em genebra aos 12 de junho de 1984, a convicção da Igreja Católica de,
na fidelidade à Tradição apostólica e à fé dos Padres, ter conservado, no
ministério do Bispo de Roma, o sinal visível e o garante da unidade, constitui
uma dificuldade para a maior parte dos outros cristãos, cuja memória está
marcada por certas recordações dolorosas. Por quanto sejamos disso
responsáveis, como o meu Predecessor Paulo VI, imploro perdão’ (N] 88).
‘Com o poder e a autoridade sem os quais tal
função seria ilusória, o Bispo de Roma deve assegurar a comunhão de todas as
Igrejas. Por este título, ele é o primeiro entre os servidores da unidade. Tal
primado é exercido em vários níveis, que concernem à vigilância sobre a
transmissão da Palavra, a celebração sacramental e litúrgica, a missão, a
disciplina e a vida cristã. Compete ao sucessor de Pedro recordar as exigências
do bem comum da Igreja, se alguém for tentado a esquecê-lo em função dos
interesses próprios. Tem o dever de advertir, admoestar e, por vezes, declarar
inconciliável com a unidade da fé esta ou aquele opinião que se difunde. Quando
as circunstâncias o exigirem, fala em nome de todos os Pastores em comunhão com
ele. Pode ainda – em condições bem precisas, esclarecidas pelo Concílio do
Vaticano I – declarar ex cathedra que uma doutrina pertence ao depósito da fé.
Ao prestar este testemunho à verdade, ele serve à unidade’ (Nº 94).
‘Dirigindo-me ao Patriarca Ecumênico Sua
Santidade Dimitrios I, disse estar consciente de que, ‘por razões muito
diferentes, e contra a vontade de uns e outros, o que era um serviço pôde
manifestar-se sob uma luz bastante diversa’. Mas … é com o desejo de obedecer
verdadeiramente à vontade de Cristo que eu me reconheço chamado, como Bispo de
Roma, a exercer este ministério… O Espírito Santo nos dê sua luz e ilumine
todos os pastores e os teólogos das nossas Igrejas, para que possamos procurar,
evidentemente juntos, as formas mediante as quais este ministério possa
realizar um serviço de amor, reconhecido por uns e por outros’ (nº 95).
Como se vê, o Papa
não abdica (nem pode abdicar) do seu ministério, que garante a unidade da
Igreja, mas pede que os estudiosos proponham modalidades de exercício desse
ministério que satisfaçam a todos os cristãos. – Queira o Espírito inspirar os
responsáveis para que realmente colaborem para a solução das dificuldades que
os cristãos não católicos enfrentam no tocante ao primado do Papa!
A propósito, muito
se recomenda a leitura da encíclica Ut Unum Sint (Que todos
sejam um), sobre o empenho de São João Paulo II em favor da união dos cristãos.’
______________________
A partir de artigo
de D. Estevão Bettencourt, OSB na revista Pergunte e Responderemos,
nº 480, ano 2002, pág. 200.
Fonte :
* Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2018/04/20/as-13-diferencas-entre-os-catolicos-e-os-orientais-ortodoxos/
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