*Artigo
de Ivonete Rosa
‘Nos meus tempos de infância, assisti, incontáveis vezes, o meu
pai preparando a terra para o plantio. Tão logo caía a primeira chuva, lá
estava ele, revirando a terra para, deixando-a pronta para as novas sementes.
A terra, antes de ser arada, era submetida à queima para ficar
mais fértil e livre das ervas daninhas. Após todo esse processo, vinha a fase
do plantio, na qual eu também participava, depositando as sementes nas covas e
tampando-as com os pés descalços. Alguns dias depois, os brotos surgiam das
covas, a coisa mais linda de se ver, juro que aquilo me deixava encantada.
Ficava claro ali, diante dos meus olhos, a vida nascendo do
caos. A terra que teve toda a sua vegetação destruída pelo fogo, estava ali nos
presenteando com novas vidas em forma de mudas que, em breve, trariam o
alimento para toda a nossa família. O que, meses antes era só o carvão,
transformava-se em uma linda paisagem, tudo verdinho, cheio de brotos e naquela
atmosfera encantadora de resiliência e fertilidade. A terra parecia gritar:
tentaram me destruir, porém, ressurgi mais fértil ainda.
E a ‘vingança’ dela
pelo sofrimento oriundos da queima, e dos cortes pelas lâminas de uma enxada
era a oferta de alimentos dali a poucos meses. Então, nessa experiência do
plantio, é plenamente possível extrair dois ensinamentos que podemos trazer
para a nossa condição humana : a) é possível nos tornamos mais fortes e férteis
após um grande sofrimento (analogia com a queima da terra); b) podemos optar
por devolver, a quem nos feriu, o que temos de melhor, ao invés de nos
vingarmos (a terra devolveu alimentos a quem a queimou).
Traçando um paralelo da condição humana com a natureza, é
possível, sim, perceber que também somos dotados desse poder de resiliência e
superação. Podemos sair mais fortalecidos das circunstâncias que agem como um
arado em nossa alma. Podemos, sim, florescer após grandes dores, decepções e
golpes dolorosos da vida.
Tudo é uma questão de escolha, cabe a cada um de nós decidir o
que fazer com aquilo que chega em nossas mãos e em nossas vidas. Em muitas
situações, experimentamos a sensação de ter a alma incendiada e transformada em
cinzas, então, caberá a nós, a decisão de transformar essas cinzas em adubo
nutritivo para germinar novas sementes, ou simplesmente permitir que a
esterilidade venha assumir o lugar da vida. Podemos ser um manancial ou um
deserto, a escolha está em nossas mãos.
A natureza é uma grande e sagrada escola, as lições estão em
todos os lugares possíveis, basta a sensibilidade para enxergar, aprender e
praticar. Cada um de nós carrega uma infinidade de sementes ávidas por germinar
em forma de amor, solidariedade, perdão, superação, amizade, compaixão,
caridade etc. Entretanto, por vezes, falta a disposição do dono das sementes
para plantá-las num terreno devidamente preparado, bem como faltam a coragem e
a paciência para cuidar delas após o plantio.
A nossa alma, ainda que machucada, não perde as condições de
fertilidade e renovação. As sementes da resiliência são preservadas num recôndito
intocável, prontas para germinar, brotar, crescer, florescer e frutificar no
tempo certo. É possível, sim, sairmos mais fortes, inteiros e férteis após uma
grande dor, eu aprendi isso percebendo que uma terra queimada transforma cinzas
em verde, alimento e vida.’
Fonte :
* Artigo na íntegra https://pt.aleteia.org/2017/11/10/a-terra-arada-e-a-alma-machucada-possuem-fertilidade-para-novas-sementes/
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