segunda-feira, 27 de novembro de 2017

O que é normal?

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)

 Imagem relacionada
*Artigo de Evaldo D´Assumpção,
médico e escritor


‘Depois de três dias chuvosos, a manhã permitiu que o sol brilhasse preguiçoso, entre nuvens. Em minha caminhada matinal, alguém comentou comigo : ‘Parece que hoje teremos um dia normal’.  Sua frase ficou martelando em minha cabeça : o que seria um dia normal? Por acaso, a chuva, assim como o sol brilhante, não seriam coisas normais em um dia? E a normalidade do dia, não seria o conjunto de fatos ‘normais’ a compô-lo?
A partir desse questionamento interior, comecei a percorrer um tortuoso caminho de reflexões. A todo momento ouvimos alguém afirmar; ‘Fulano não é normal!’ Ou então : ‘Isso que está acontecendo não é normal!’ E me veio então a pergunta fundamental : e o que é normal? Que parâmetros usamos para fazer tais avaliações tão sérias? Afinal, se digo que algo ou alguém não é normal, estou afirmando que aquilo, ou ele, é anormal. Será justo esse julgamento?
Resolvi procurar uma definição de normal, e entre tantas encontrei estas : ‘Normal é um adjetivo que qualifica algo como comum, regular e usual, significando que não foge aos padrões ou a norma’; e : ‘Normal vem de norma que significa regra. Na maioria dos casos, ser normal quer dizer estar dentro da média’. E por aí vai. Contudo, chamou-me a atenção uma coisa comum em quase todas as definições que encontrei : normal é seguir as regras. E então surgiu outra dúvida : e que são as regras? Quem as define, se considerarmos que somos uma multidão de indivíduos, miríades de crenças, milhares de ideologias? Nessas situações, a estatística passa a ser o recurso mais comumente utilizado : verifica-se o que é padrão na maior parte do grupo em estudo, e o que ganhar torna-se a regra, e consequentemente o parâmetro para se definir a normalidade.  Com isso verificamos que não será possível definir uma normalidade universal. Hábitos milenares no oriente, são absurdos totais no ocidente. Como definir então quem é normal, eles ou nós? A saída será dizer que eles são normais lá, não aqui. Com isso estabelecemos uma indesejável postura agressiva, belicosa. Afinal, não aceitamos que nos considerem anormais, se para nós os anormais são eles. Muitas guerras tiveram início, e desastrosos fins, por essa razão.
Criei esta barafunda mental, propositadamente, para abordar a situação hoje vivida no mundo inteiro : o conflito entre normais, chegando as raias da agressão e até do ódio homicida. Cada pessoa se acredita normal e pretende condenar o outro que tem aparência física, comportamento, etnia, ou gostos e opções diferentes. A intolerância para com o diferente está atingindo níveis assustadores em nosso tempo. Quanto mais civilizados nos acreditamos, mais bestiais e ferozes nos tornamos.
Não vou me deter em nenhuma condição particular onde isso acontece, mesmo porque a lista seria vasta, e portanto maçante. Por outro lado, a simples menção à alguma condição de diferença já provocaria, nos dois lados, uma forte animosidade, inclusive contra esse escriba. Afinal, por mais normal que cada um se julgue, ele sempre será taxado de anormal por algum outro com pensamentos diversos dos seus, o que certamente provocará reações imprevisíveis. 
Contudo, permito-me fazer algumas observações, sem a menor intenção de atingir quem quer que seja. A primeira, é a importância de suspendermos nossos julgamentos sempre que vier à nossa mente que aquilo, ou aquele, é anormal. A normalidade é uma utopia, algo inalcançável. Uso uma citação de Freud : ‘Um ego normal é como a normalidade geral, uma ficção ideal’. Portanto, classificar alguém de anormal é a suprema pretensão de se julgar normal. Afinal, eu me estarei usando como padrão para julgar o outro. O que já será uma anormalidade deplorável.
A segunda, é não se julgar no direito de ter comportamentos bizarros, considerando não o conceito de normalidade, mas de habitualidade do meio em que se vive, ou em que se encontra. Na grande maioria das vezes, esses comportamentos são apenas uma manifestação de agressividade contra os outros, estatisticamente considerados normais. Agindo em público, de modo escandaloso, fora dos padrões majoritariamente seguidos por aquela comunidade, quase sempre isso será feito de modo totalmente artificial, e portanto com o intuito precípuo de provocar reações alheias. Imagine a saída de torcidas de um estádio, e um torcedor do time A, vestindo seu uniforme e portando bandeiras ou assemelhados do seu clube, ostensivamente entrando no meio da torcida do time B, e ainda gritando loas ao time A. Será um comportamento bizarro, agressivo e provocativo aos demais, o que certamente lhe trará consequências drásticas. Não caberá aqui qualquer classificação de normal ou anormal, mas simplesmente de uma tremenda e estúpida provocação. O pior é quando, para justificar tal procedimento, as pessoas recorrem ao artigo 5º alínea XV da Constituição brasileira, que fala do direito da livre locomoção, ou seja, o desgastado direito de ir e vir, esquecendo-se de que todo direito é bilateral, e sempre traz deveres consigo. Muitas das agressões, divergências, e até homicídios a toda hora ocupando espaços da mídia, têm raiz nessa luta pela conquista do direito de ser e agir como ‘normal’. Normalidade que realmente não existe, como já vimos, e que só se justifica recorrer a ela, quando se está respeitando o direito do outro, de também querer ser ‘normal’.’

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