*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘A sociedade sofre com as consequências das mentalidades
equivocadas de seus cidadãos, particularmente dos atores políticos, formadores
de opinião e líderes diversos. Incontestavelmente, as percepções,
interpretações e juízos definem dinâmicas e rumos, determinam avanços e
retrocessos. E as perdas não são poucas, pesam sobre a vida de todos. Esse
passivo relaciona-se com graves problemas na articulação entre conhecimentos,
informações, interesses, sentido social e político, exercício da cidadania. Por
subjugar-se a mentalidades questionáveis, a sociedade brasileira não aproveita
todo o seu potencial, considerando o privilégio das riquezas naturais que
integram o tesouro do Brasil. Perde-se a chance de edificar uma nação mais
solidária, fraterna, com apreço à justiça e à cultura da paz.
Na contramão dessas possibilidades todas, a sociedade brasileira
desconsidera suas riquezas naturais, culturais, artísticas e relacionadas à
religiosidade, que poderiam qualificar sua identidade. Com isso, naufraga no
lamaçal da corrupção, da indiferença com os mais pobres, dos interesses que
favorecem oligarquias. As mentalidades oligárquicas - um sentido falso de
cidadania - impedem o surgimento de novos cenários no contexto nacional. Não há
compromisso com a igualdade e, desse modo, convive-se passivamente com
situações de miséria. A doença da ganância limita entendimentos, impede que
demandas urgentes sejam consideradas, gerando, assim, incompetência para que se
dê um passo novo no caminho que leva ao bem de todos.
A falta de dinâmicas capazes de imprimir velocidade no
desenvolvimento integral do conjunto da sociedade não se deve à carência de
referências tecnológicas ou de recursos intelectuais. Um percurso acadêmico, a
conquista de conhecimentos técnicos, pouco valem para promover avanços sociais
se não houver também qualificada mentalidade, pois se torna inviável o lúcido
entendimento do contexto atual, da cultura e das oportunidades para que o bem
de todos seja alcançado. Se o conhecimento técnico não se alicerça em valores,
princípios e inventividades que configurem o compromisso com o bem comum, os
retrocessos são inevitáveis. Esse conhecimento permanece enjaulado nos
interesses mesquinhos ou na leitura equivocada da realidade.
Fenômeno estarrecedor é a distorcida visão de indivíduos que não
conseguem enxergar ‘para além de um palmo
adiante do nariz’, conforme o dito popular. Essa cegueira causa impactos
não apenas no âmbito pessoal, mas também no contexto familiar, na comunidade
religiosa, nas dinâmicas de uma cidade - grande ou pequena. Sem enxergar o que está para além dos
próprios interesses, todos permanecem na mediocridade e sacrificam o bem comum.
E diante dessa situação, a sociedade continua a conviver de forma apática com
os retrocessos.
A falta de lucidez tem sérias consequências que requerem muito
tempo e esforço para serem reparadas. Urge um tratamento sistêmico da
mentalidade vigente, sobretudo no mundo da política e em todos os outros
segmentos que deveriam ser construtores de uma sociedade pluralista. Trata-se
de caminho que leva à clarividência necessária para compreender o verdadeiro
sentido de desenvolvimento integral. Trilhá-lo permitirá conquistar práticas e
legislações que poderão tirar o Brasil da obscuridade.
Muitas situações devem ser ponto de partida para romper com a
mediocridade, que se manifesta, claramente, nas dificuldades que a
representação política tem para elaborar as reformas, a exemplo da trabalhista,
para que sejam vetores de avanços, e nunca de retrocessos, no respeito à
dignidade humana. Entre muitos parâmetros e princípios, a mentalidade
contemporânea precisa orientar-se pela busca do bem comum. Esse é o fundamento
da ética social, que possibilita o respeito à vida humana, o reconhecimento de
sua sacralidade. A ética social, quando assumida como princípio, resulta no
desabrochar da competência para a criatividade e o discernimento, permitindo o
aproveitamento das oportunidades que levam a novas e esperadas respostas. Por
isso, desafiadora e muito necessária é a tarefa de retrabalhar mentalidades
para que, em lugar de retrocessos, a sociedade deslize sobre os trilhos dos
avanços.’
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