*Artigo de Dom Walmor Oliveira de Azevedo,
Arcebispo
Metropolitano de Belo Horizonte, MG
‘O maior e mais
grave desafio da sociedade brasileira é recompor o tecido da cultura, cheio de
buracos. Aí está um dos mais relevantes desarranjos a serem enfrentados para
encontrar saídas diante dos muitos problemas que afligem o país. A cultura
sustenta as dinâmicas da sociedade e, por isso, os muitos buracos em seu tecido
são preocupantes. Não se pode deixar de constatar que a extrema fragilidade no
mundo da política deve-se a este horrendo fenômeno : o esgarçamento da cultura.
No conjunto de tudo o que precisa ser corrigido está a política partidária,
atualmente uma das mais potentes ameaças ao tecido cultural. Fragilizado, esse
tecido não contribui suficientemente para o surgimento de líderes capazes de
apontar novos rumos e promover a união.
Pensar o Brasil,
neste momento, não é apenas uma questão de intervenção no mundo da política.
Incontestavelmente, isso se configura em necessidade urgente em razão do
lamaçal que se permitiu formar. Contudo, é preciso ir além e considerar o
seríssimo problema de ordem antropológica, que é mais abrangente. A cultura
brasileira precisa de reparos, seu tecido carece de remendos para que não
aumentem os rasgões. Necessita de investimento para recompô-la, permitindo-a
sustentar dinâmicas exigidas pela complexidade da vida moderna. No palco das
discussões e preocupações não podem estar simplesmente mudanças de poder
partidário, nem mesmo o considerável e relevante cumprimento da Constituição. A
sociedade brasileira precisa de algo mais : uma correção de relevância
antropológica que qualifique a cultura, sustentáculo indispensável para o
funcionamento social, configuração com capacidade para fazer surgir ações
inspiradas no bem e na justiça.
Essa urgente
necessidade precisa estar na pauta de todos os segmentos da sociedade. Não se
pode ficar somente, e o tempo todo, vendo ‘o circo pegar fogo’ na política.
Desconsiderar a importância de reformular a cultura é assistir passivamente o
suicídio de uma sociedade, com tristes consequências. Todos estão ameaçados
diante dos graves desarranjos culturais, como a generalizada indiferença
relativista, apontada pelo Papa Francisco na sua Exortação Apostólica Alegria
do Evangelho, relacionada com a desilusão e a crise de ideologias. Por um lado,
há uma reação a tudo o que parece totalitário. Por outro, recrudescem-se os
fundamentalismos, inclusive religiosos, que alavancam terrorismos de todo o
tipo. A vida social está prejudicada,
portanto, não apenas pelos números da economia, mas, dentre outros fatores, por
uma cultura em que cada um pretende ser portador da verdade. Isso compromete a
cidadania, pois inviabiliza a união de cidadãos em busca de projetos comuns,
necessários ao bem de todos, que estão além de simplesmente contemplar ambições
pessoais.
Os desgastes da
cultura que a incapacitam na tarefa de sustentar o bem e a justiça têm uma
lista enorme de razões.
Consequentemente,
para corrigi-la, várias atitudes precisam ser assumidas, a cada dia, e por
todos. Uma exigência que pede, de todos os segmentos, urgente inovação para que
possam contribuir na busca da solução dos problemas da contemporaneidade. É
triste constatar que instituições - religiosas, governamentais, educacionais e
tantas outras - continuem a funcionar como há trinta, quarenta anos, sem se
atualizar. Gastam muito, inclusive tempo e a paciência alheia, e não trazem
novas respostas. Não conseguem ser força para refazer o tecido da cultura e
alavancar mudanças. As consequências são muitas e graves, a exemplo da
crescente violência, claro reflexo do desgaste da cultura. O número de
homicídios na capital mineira ultrapassa índices de guerra. No entanto, parece
algo normal. Há lugares na região metropolitana que, em apenas uma noite, já se
alcança o patamar de tolerância indicado pela ONU. Imagine se essa realidade
for ainda mais temperada por fundamentalismos, pela cultura das facções e pelo
ódio. A cultura brasileira não pode, inclusive, viver mais da ilusão de se
considerar como pacata, de índole fortemente solidária e outros adjetivos que
não correspondem aos cenários de desafeição, desrespeito e massacre, sobretudo
dos indefesos e mais pobres. A situação é grave. Há de se incluir diariamente
na pauta, e envolver, a partir de programas e ações, as instituições e
segmentos todos da sociedade brasileira na recomposição do tecido de nossa
cultura.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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