quarta-feira, 20 de abril de 2016

A crise dos direitos humanos - Desiludidos pela última utopia

Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)



‘«A Europa é a pátria dos direitos humanos, e quem quer que pise a terra europeia deveria podê-lo experimentar», recordou o Papa acompanhando os refugiados de Lesbos à Itália. É uma frase que faz refletir, porque recorda que precisamente a Europa – pátria dos direitos humanos, matriz cultural daquela Declaração assinada na esteira dos desastres da segunda guerra mundial, documento que deveria ter posto fim às formas mais ferozes de exploração do homem pelo seu semelhante – hoje está muito longe de os respeitar.

Com aquela frase Francisco tocou o cerne do problema, colocou o dedo na ferida : nunca como neste momento histórico os direitos humanos parecem ser desrespeitados, em cada canto do globo.

E não só os governantes de muitos países de cultura não ocidental afirmam candidamente que os consideram inaplicáveis nas suas sociedades, confessando que os acham uma imposição «imperialista» em relação a eles, mas na própria Europa crescem de hora em hora os sinais da sua degradação. Com efeito, também aqui, os modos como são tratados os migrantes ou o mercado de seres humanos, que alimenta a prostituição, revelam pouca atenção relativamente a estes direitos, embora sejam considerados garantes da dignidade humana.

Portanto, a crise dos direitos humanos é grave e profunda, e aponta uma situação geral ainda mais dramática : a falta de um horizonte moral de esperança compartilhada para o qual olhar com confiança. Como tinha denunciado com perspicácia Marcel Gauchet alguns anos depois da queda do muro de Berlim, com a falência do comunismo os direitos humanos tinham-se tornado a única proposta política aceitável e capaz de conquistar consenso e colaboração.

Todos apelavam-se aos direitos humanos, que pareciam a bússola segura para resolver qualquer situação, e a perspectiva de os tornar reais e realmente válidos para todos constituía um horizonte utópico que podia alimentar as esperanças das novas gerações. Certamente, nos decénios que se seguiram à proclamação da Declaração dos direitos em 1948, as intervenções que visavam limitá-los – por exemplo a ab-rogação do direito de conversão a outra religião – ou ampliá-los artificialmente com perspectivas econômico-sociais que pouco tinham a ver com o projeto ideal originário, enfraqueceram fortemente o seu impacto ideal. A tudo isso devemos acrescentar o fato de que alguns países desde o início os assinaram com muitas reservas.

Mas, não obstante estes limites, a proposta por algumas décadas pareceu ser válida, ou seja, continuou a ser considerada digna de toda a atenção e respeito. Hoje, infelizmente, a Declaração parece deixar vazar por todos os lados, sobretudo por causa das condições de emergência que estamos a viver. E enquanto o direito internacional produz formas cada vez mais requintadas, infelizmente só abstratas, de garantia para os indivíduos inspiradas nos direitos, a realidade atual induz a esquecê-los, a comportar-se como se ninguém os tivesse proclamado e assinado.

O Papa Francisco, regressando de um dos epicentros da crise, o campo de refugiados da ilha de Lesbos, mesmo apelando-se a esta reconhecida garantia internacional, com os seus gestos revela ao mundo que, superior ao direito e à utopia, é sempre a misericórdia e que só ela pode salvar o ser humano.’


Fonte :
* Artigo na íntegra


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