‘«A Europa é a pátria dos direitos humanos, e
quem quer que pise a terra europeia deveria podê-lo experimentar», recordou
o Papa acompanhando os refugiados de Lesbos à Itália. É uma frase que faz
refletir, porque recorda que precisamente a Europa – pátria dos direitos
humanos, matriz cultural daquela Declaração assinada na esteira dos desastres
da segunda guerra mundial, documento que deveria ter posto fim às formas mais
ferozes de exploração do homem pelo seu semelhante – hoje está muito longe de
os respeitar.
Com aquela frase Francisco tocou o cerne do problema, colocou o dedo
na ferida : nunca como neste momento histórico os direitos humanos parecem ser
desrespeitados, em cada canto do globo.
E não só os
governantes de muitos países de cultura não ocidental afirmam candidamente que
os consideram inaplicáveis nas suas sociedades, confessando que os acham uma
imposição «imperialista» em relação a
eles, mas na própria Europa crescem de hora em hora os sinais da sua
degradação. Com efeito, também aqui, os modos como são tratados os migrantes ou
o mercado de seres humanos, que alimenta a prostituição, revelam pouca atenção
relativamente a estes direitos, embora sejam considerados garantes da dignidade
humana.
Portanto, a crise
dos direitos humanos é grave e profunda, e aponta uma situação geral ainda mais
dramática : a falta de um horizonte moral de esperança compartilhada para o
qual olhar com confiança. Como tinha denunciado com perspicácia Marcel Gauchet
alguns anos depois da queda do muro de Berlim, com a falência do comunismo os
direitos humanos tinham-se tornado a única proposta política aceitável e capaz
de conquistar consenso e colaboração.
Todos apelavam-se
aos direitos humanos, que pareciam a bússola segura para resolver qualquer
situação, e a perspectiva de os tornar reais e realmente válidos para todos
constituía um horizonte utópico que podia alimentar as esperanças das novas
gerações. Certamente, nos decénios que se seguiram à proclamação da Declaração
dos direitos em 1948, as intervenções que visavam limitá-los – por exemplo a
ab-rogação do direito de conversão a outra religião – ou ampliá-los
artificialmente com perspectivas econômico-sociais que pouco tinham a ver com o
projeto ideal originário, enfraqueceram fortemente o seu impacto ideal. A tudo
isso devemos acrescentar o fato de que alguns países desde o início os
assinaram com muitas reservas.
Mas, não obstante
estes limites, a proposta por algumas décadas pareceu ser válida, ou seja,
continuou a ser considerada digna de toda a atenção e respeito. Hoje,
infelizmente, a Declaração parece deixar vazar por todos os lados, sobretudo
por causa das condições de emergência que estamos a viver. E enquanto o direito
internacional produz formas cada vez mais requintadas, infelizmente só
abstratas, de garantia para os indivíduos inspiradas nos direitos, a realidade
atual induz a esquecê-los, a comportar-se como se ninguém os tivesse proclamado
e assinado.
O Papa Francisco,
regressando de um dos epicentros da crise, o campo de refugiados da ilha de
Lesbos, mesmo apelando-se a esta reconhecida garantia internacional, com os
seus gestos revela ao mundo que, superior ao direito e à utopia, é sempre a
misericórdia e que só ela pode salvar o ser humano.’
Fonte :
* Artigo na íntegra
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