1. Introdução
A partir da Idade Média, houve uma separação
descomunal entre teologia e liturgia, distanciando os fiéis da celebração e
restringindo-a ao clero.
Com o surgimento do Concílio Vaticano II, obtivemos
uma visão global da celebração litúrgica, deixando para trás as reformas que se
ocupavam apenas de revisões e alterações de rubricas. Essa mudança era
imprescindível mas, foi um processo lento, profundo e trabalhoso.
2. Antecedentes do Movimento Litúrgico
O Iluminismo
Conhecido movimento ideológico e cultural,
surgido no século XVIII, o Iluminismo corresponde à pré-história do movimento
litúrgico.
Propunha a derrubada do ‘antigo’ ou
do que estivesse alicerçado na autoridade, na hierarquia, na religião e na
disciplina para, em seguida, construir novas bases : 'uma política sem direito divino, uma religião sem mistério e uma moral sem dogmas'.
Havia no ar uma insatisfação generalizada
com a verdadeira situação da liturgia.
Desabrocharam, assim, tentativas de renovação litúrgica, que requeria :
ü
maior participação da
comunidade,
ü
preparação do fiel para
acompanhar e entender, por meio da
inteligência, o que se passava na liturgia e
ü
simplicidade em
contraposição ao supérfluo.
Provém daí a estima pelos sermões e pela
compreensão dos textos litúrgicos.
No entanto, essas tentativas não
triunfaram. E, mesmo que pareça contraditório, nem tudo foi em vão nesse
período. As intenções, em sua maioria, eram corretas e muitas delas encontram
hoje sua realização mais genuína e verdadeira. Porém, no contexto daquele
momento, inclusive o que era verdadeiro e válido estava intoxicado pelo
racionalismo excessivo e individualista.
De positivo,
no campo da liturgia, o Iluminismo prestou um grande serviço à Igreja :
ü
invocou
a simplificação dos ritos,
ü
lutou
bravamente contra a exuberância do Barroco e
ü
contra
os exageros da piedade popular, que se fartava da superstição e do fanatismo religioso,
tais como procissões, peregrinações, confrarias, o uso e abuso de relíquias,
bênçãos e exorcismos.
De negativo :
ü
permaneceu
excessivamente cativo da própria dimensão humanista,
ü
apoiava
uma prática religiosa iluminada pela inteligência e pela cultura e
ü
considerava
a liturgia um meio para o indivíduo progredir no sentido moral e pedagógico e
não como a ação salvífica de Cristo, celebrada e participada no culto.
O Sínodo de Pistóia (1786)
W a participação ativa dos fiéis no sacrifício
eucarístico
W a comunhão com as hóstias consagradas na própria
missa
W estímulo à missa comunitária, em detrimento das
missas privadas
W centralidade e unicidade do altar (um dos pontos
fortes deste evento)
W limitar a exposição de relíquias sobre o altar
W ênfase no significado da oração litúrgica
W a necessidade de reformas do breviário
W a leitura anual de toda a Escritura
W a língua nacional ao lado do latim nos livros
litúrgicos
Porém, o Sínodo foi
condenado por Pio VI ao considerar heréticos os primeiros quinze decretos que
se referiam à Igreja e à hierarquia. Tornou-se o exemplo clássico de algo justo
que, ao ser tratado com imprudência e erros doutrinais, foi prontamente
rejeitado e condenado, retardando por muito tempo (um século e meio) um
processo de reforma inevitável. Após o Concílio Vaticano II, quase todas essas
propostas se realizaram.
A
diferença entre o Sínodo e o Concílio Vaticano II é significativa:
W enquanto o Sínodo não previa nenhuma preparação
catequética nem teológica,
W o Concílio teve por trás dele um importante
movimento litúrgico que supôs um caminho e um preparo em todos os níveis : desde
o histórico até o bíblico, o patrístico, o teológico, o sacramental, o
doutrinal, o pastoral, o litúrgico e o catequético.
A
Restauração Católica e a Renovação Monástica
No âmbito católico, os erros do Iluminismo
provocaram uma sólida resistência que se manifestou na acolhida de antigos
valores, de dogmas e no respeito à hierarquia da Igreja, isto é, à Cúria Romana
(só para constar, a diversidade litúrgica na França esteve determinada pela infidelidade a Roma). A retomada da tradição
obviamente contemplou a liturgia : a predileção pelas orações em latim, as
rubricas, as solenidades e, principalmente, a restauração do canto gregoriano
autêntico. Durante o Barroco, a música sacra adquirira ares de espetáculo com a
introdução do concerto e do bel canto na missa.
Nesse meio tempo, despontou a renovação do
monacato beneditino pelas mãos de Dom Prósper Guéranger (1805-1875). Antes,
porém, ele teve que restaurar o mosteiro de Solesmes, nos arredores de Paris –
para se ter uma idéia do ambiente e do momento descrito, após a Revolução
Francesa, esta edificação tornara-se um estábulo.
Dom Guéranger publicou ‘Instituições
Litúrgicas’ (1840) criticando as liturgias particulares e ‘O ano Litúrgico’
(1841) para auxiliar a compreensão da liturgia durante o ano eclesiástico.
Inteiramente convicto
do valor inestimável da tradição cristã, contribuiu com uma fabulosa obra :
ü
estimulou a oração
comunitária,
ü
destacou para o povo a
presença do Espírito Santo na celebração litúrgica
ü
foi um infatigável e
ardente opositor de toda forma de heresia
ü
uniu os católicos em
torno do papado
ü
incitou o retorno à
liturgia romana
ü
acreditava que a chave
da inteligência da liturgia era a leitura do Antigo Testamento, bem como a do
Novo apoiada no Antigo
ü
restaurou a ordem beneditina
na França
ü
igualmente restaurou e
cultivou com esmero o canto gregoriano em sua forma original (até hoje,
Solesmes é referência em música sacra) e
ü
disseminou a reforma
monástica e espiritual pelos inúmeros mosteiros beneditinos
o Beuron, na Alemanha
o Maredsous, na Bélgica
o Maria Laach, na Alemanha, dentre outros
Entretanto, restaram duas lacunas: os livros litúrgicos não foram reorganizados e tudo permanecia calcado no latim.
A brilhante reforma perpetrada por Dom
Guéranger, para alguns estudiosos, foi considerada incompleta por ter se
baseado no período medieval,
sem regressar e se aprofundar na Igreja primitiva e na teologia dos Santos
Padres.
O Concílio Vaticano I
(1869-1870)
O papa Pio IX convocou o Concílio Vaticano
I para desanuviar a doutrina católica e referendar o poder papal no âmago da
Igreja e da sociedade. Em função da guerra franco-alemã, em 1870, ele foi
repentina e precocemente suspenso ( e não encerrado, como alguns imaginam ).
Todavia, deu tempo :
ü
De condenar os erros do
ateísmo, do racionalismo e do materialismo, dentro e fora da Igreja e
ü
De promulgar duas
Constituições Dogmáticas relevantes
o a ‘Dei Filius’, sobre a fé católica
da revelação de Deus por meio de Jesus Cristo e da criação, ou seja, o
reconhecimento da harmonia entre fé e razão e
o a ‘Pastor Aeternus’, pertinente à
Igreja, determinou a infalibilidade papal, quando o mesmo fala ex cathedra (oficialmente) sobre
assuntos de fé e moral.
Pio X e o Motu Proprio ‘Tra le sollecitudini’
O início do século XX foi sacudido pelo Motu
Proprio ‘Tra le sollecitudini’, ou, ‘Dentre as solicitudes’
(1903). Lançado pelo papa Pio X, frisava o canto e a música na Igreja, assinalando
um ponto de partida no quesito atividade litúrgica. O papa, ao se referir ao
verdadeiro espírito cristão e à ‘participação ativa nos sacrossantos
mistérios e na oração pública e solene da Igreja’, determinava uma trilha
de renovação que exerceria influência nas próximas décadas.
Porém, nesse momento, o tom enfático não refletia a
real situação da liturgia nem o cotidiano das comunidades cristãs que
permaneciam atreladas às leis e aos ritos externos.
Fontes :
Bettencourt, Estevão Tavares. Curso de Liturgia. Escola ‘Mater Ecclesiae’, Cursos por
Correspondência, Rio de Janeiro.
Flores, Juan Javier. Introdução à Teologia Litúrgica. São Paulo, Paulinas, 2006.
López Martín, Julián. A Liturgia da Igreja. São Paulo, Paulinas, 2006.
Castellano, Jesús. Liturgia e Vida Espiritual. São Paulo, Paulinas, 2008.
Marsili, Salvatore. Sinais do Mistério de Cristo. São Paulo, Paulinas, 2009.
Garcia Cordeiro, José Manuel. Movimento Litúrgico (Discurso do bispo de Bragança-Miranda na
tomada de posse como correspondente da Academia Internacional de Cultura
Portuguesa). Lisboa, 2012.
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