Este artigo foi gentilmente cedido por Dom João Evangelista Kovas, OSB,
monge beneditino do Mosteiro de São Bento de São Paulo.
No dia 14 de setembro, a Igreja celebra na liturgia a festa da Exaltação da Santa Cruz. Eco dessa festa ressoa na solene celebração litúrgica da Sexta-feira Santa, por ocasião da celebração do Tríduo pascal, ou seja, dos três dias que se celebram de maneira mais intensa os mistérios que rondam a principal celebração litúrgica da Igreja, que é a Solenidade da Páscoa do Senhor. Na celebração da Sexta-feira Santa os fiéis são convidados a adorar a Santa Cruz, o objeto de suplício de Jesus Cristo, mas sinal eficaz de seu sacrifício salvífico em nosso favor. Após a assembléia aclamar solenemente por três vezes aquele é o sinal de nossa salvação, cada fiel é convidado a venerá-lo pessoalmente beijando-o.
A festa do mês de setembro retoma de maneira especial o sentido da cruz do Senhor. A morte de Jesus na cruz é um mistério importante da nossa fé. Desde muito cedo, os cristãos foram reconhecidos por portarem esse sinal sobre si e assim também identificaram os lugares sagrados, nos quais celebravam seu culto comunitário, desde o momento que o cristianismo deixou de ser oficialmente perseguido pelo Império Romano.
Ao escrever à comunidade dos Coríntios, São Paulo diz: “Aprouve a Deus, pela loucura da pregação, salvar aqueles que crêem. Os judeus pedem sinais, os gregos andam em busca da sabedoria, nós, porém, anunciamos Cristo crucificado, que, para os judeus, é escândalo, para os gregos, sabedoria, mas para aqueles que são chamados, tanto judeus como gregos, poder de Deus e sabedoria de Deus.” (ICor 1,21.23s). O mistério da visita de Deus à humanidade e da concretização do seu amor por nós está “escondido” no mistério da cruz. O mundo não pôde receber a pregação de um Deus crucificado. Isso atenta contra toda sensatez humana e mesmo depõe contra nós. Para a doutrina da filosofia, Deus só é concebido como um Deus perfeitíssimo, afastado do mundo e de toda preocupação humana. Deus é isolado em sua perfeição. Deus sequer pode ser entendido como criador, porque isso significaria que ele se ocuparia com algo que era inferior a sua perfeição sublime, seria algo indigno de Deus. De fato, filosoficamente falando, não podemos afirmar outra coisa de Deus. Porém os fatos não atestam isso, os fatos da Revelação. Aprouve a Deus manifestar seu grande amor por nós, suas criaturas, as quais Ele preferiu chamar de filhos e de amigos. Deus, que é amor, comunicou o seu amor criando suas criaturas, a fim de que cada qual, segundo o seu grau de perfeição, pudesse participa de algo da perfeição de Deus. E à sua criação ele presta assistência para que possa sempre manifestar a seu modo a glória de Deus.
Assim, desde o Antigo Testamento da Bíblia, encontramos o Deus criador que é também o Deus providente; a partir do Novo Testamente, encontramos o Deus salvador que convida o homem a participar de modo muito particular dessa glória. Estando o ser humano em situação indigna, Deus não se manteve afastado em sua perfeição sublime, mas se achegou a nós e assumiu a figura humilhante do crucificado. Com efeito, nunca mais os cristãos poderiam desdenhar de sinal tão premente do amor de Deus: a cruz.
Quando fazemos sobre nossos corpos o sinal da cruz, atestamos para o mundo que nosso Deus é o Deus salvador, e invocamos sobre nós a sua bênção. Atestamos que no mundo há injustiças, imoralidades, desamor; que o homem inescrupulosamente se presta a tão torpes atitudes. Mas, o testemunho de Jesus, de sacrifício e auto-oblação, é mais forte do que a morte e a injustiça, pois é o sinal eficaz de que Deus não nos abandonou e que nos quer eternamente junto de si.
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