Por Eliana Maria (Ir. Gabriela, Obl. OSB)
‘Também a Igreja coreana, em seu nascimento,
recebeu o batismo de sangue com o testemunho, dizem os coreanos, de cerca de 10
mil mártires, dos quais 103 canonizados por João Paulo II em Seul, em 6 de maio
de 1984, na ocorrência do bicentenário da evangelização da Coréia.
Uma igreja nascida dos leigos
A fé cristã chegou a esse país nos albores do
século XVIII, por iniciativa dos leigos do lugar. A cada ano uma delegação
coreana visitava Pequim, na China, para um intercâmbio cultural com essa nação
que era então muito estimada em todo o Extremo Oriente. Aí os coreanos entraram
em contato com a fé cristã e levaram para sua pátria o livro do Padre Mateus Ricci, A
verdadeira doutrina de Deus. Lee Byeok, um leigo, inspirando-se no livro do
famoso missionário jesuíta, fundou uma primeira comunidade cristã muito viva.
Ele pediu a um amigo seu, Lee-sunghoon, membro da
costumeira comissão em visita à China, para se fazer batizar e levar livros e
escritos religiosos para aprofundar a nova fé. O amigo voltou com o nome de
Pedro na primavera de 1784 e a comunidade cristã teve um novo impulso. Não
conhecendo bem a natureza da Igreja, a comunidade se organizou com uma hierarquia
própria e começou a celebrar não apenas o Sacramento do Batismo, mas também o
da Crisma e o da Eucaristia.
Quando souberam do bispo de Pequim que para ter uma
hierarquia válida era necessária a sucessão apostólica, suplicaram-lhe que lhes
enviasse sacerdotes o mais rapidamente possível. O bispo os satisfez enviando
um padre, Chu-mun-mo, e em poucos anos a comunidade coreana cresceu para
diversos milhares de fiéis.
Infelizmente, a perseguição, já posta em ação desde
1785, tornou-se cada vez mais cruel e em 1801 matou também o único sacerdote
residente na Coreia. A comunidade, porém, não se entregou; ao contrário,
continuou a crescer. Em 1802, o rei emanou um edito que se tornou lei do
Estado, no qual se ordenava, sem mais, o extermínio dos cristãos : ‘Não
encontrando meio algum para fazer que os cristãos mudem de ideia é preciso
absolutamente fazê-los morrer para destruir o germe da sua loucura’.
Tendo ficado sem sacerdote, os cristãos enviaram
apelos contínuos e aflitos ao bispo de Pequim e, por seu intermédio, ao Papa,
mas somente em 1837 um bispo e dois sacerdotes das Missões Estrangeiras de
Paris conseguiram penetrar às escondidas no país para serem martirizados dois
anos depois.
Uma segunda tentativa, com êxito mais feliz, foi
feita em 1845, por obra de André Kim, que conseguiu fazer entrar no país um
bispo e um sacerdote. A partir desse momento, a Santa Sé não deixaria faltar à
comunidade cristã a presença de um vigário apostólico.
Em 1866, teve-se a perseguição mais encarniçada,
mas finalmente em 1882 foi proclamada pelo governo a liberdade religiosa.
Os principais mártires coreanos
Os mártires coreanos canonizados até agora pela
Igreja são 103; destes, apenas dez são estrangeiros, três bispos e sete
sacerdotes. Não podendo falar de todos, damos informações de alguns deles.
André Kim Taegon nasceu em 1821, de uma nobre
família cristã. Para escapar da perseguição, o pai deixou sua aldeia e
transferiu-se para uma localidade escondida entre os montes com a mulher, os
filhos, a mãe e os irmãos, todos cristãos. Ali se dedicou à agricultura. Sua
casa tornou-se uma verdadeira ‘Igreja doméstica’, para onde convergiam em
grande número não só os cristãos, mas também aqueles que desejavam ser
instruídos por ele na nova fé, para depois receber o Batismo. Tinha apenas 44
anos quando foi descoberto pelas autoridades governamentais, que lhe impuseram
em vão renegar a fé. Ele preferiu o martírio. Esse era o ambiente em que André
havia crescido.
No entanto, em 1836, chegavam da França os
primeiros missionários e André, crescido na escola do heroísmo em família,
entrou em contato com Padre Maubant, que o mandou a Macau, na esperança de
prepará-lo para o sacerdócio. Tinha 15 anos. Voltou à pátria em 1844 como
diácono, para preparar secretamente a entrada do novo vigário apostólico,
Monsenhor Ferréol. Ele armou uma embarcação, com marinheiros todos cristãos, e
dirigiu-se ao porto de Xangai para receber o bispo. Lá foi ordenado sacerdote e
com uma viagem muito arriscada conseguiu com muita astúcia introduzir o bispo
na Coreia, onde trabalharam juntos, sempre em clima de perseguição, recolhendo
muitos frutos.
Ele era particularmente estimado pelos cristãos não
só porque era coreano e compreendia muito bem a mentalidade do lugar, mas
também porque era nobre no trato, exemplar na prática do Evangelho e ótimo
pregador. Com efeito, sabia transmitir a fé com uma linguagem simples e
profunda.
Na primavera de 1846, o bispo encarregou-o de fazer
chegar cartas à Europa por intermédio do bispo de Pequim. Foi nessa missão que
foi descoberto casualmente, enquanto se encontrava com as barcas chinesas nos
rios da província de Hwanghai-do, e foi encarcerado.
Conduzido perante o mandarim, este lhe perguntou : ‘És
cristão?’. André respondeu : ‘Sim, eu o sou’. ‘Por que segue essa religião
contra a ordem do rei?’, perguntou o mandarim. ‘Porque é verdadeira, ensina-me
a honrar a Deus e me conduz à felicidade eterna’, respondeu André. ‘Se não a
renegares, farei que morras sob os golpes’, informou o nobre, ao que André
respondeu : ‘Como quiseres, mas eu não abandonarei nunca o meu Deus’.
Permaneceu cinco dias nessa primeira prisão, aonde
acorriam em quantidade generosíssima os curiosos que desejavam ver esse homem
extraordinário e nobre, disposto a morrer por uma nova religião. André
aproveitou a oportunidade, respondendo às suas perguntas, para catequizá-los.
Transferido para o cárcere de Kaitsu, capital da província, o seu caso foi
apresentado ao governador, que quis interrogá-lo na presença de toda a corte.
André expôs com sua costumeira limpidez as principais verdades da fé. O
governador declarou-lhe : ‘O que dizes é bom e razoável, mas o rei não permite
que sejam cristãos’. Em se tratando de um nobre, foi dada uma informação ao
rei, que o quis no cárcere de Seul. Aí fizeram de tudo para levá-lo a
apostatar, mas, não o conseguindo, muito embora se utilizassem das mais atrozes
torturas, foi decapitado aos 16 de setembro de 1846.
Do cárcere, havia escrito aos cristãos uma carta
que tem o sabor dos escritos apostólicos.
Paulo Chong Hasang : outro mártir ilustre da terra
coreana é o leigo Paulo. Havia nascido em Mahyan em 1795. Seu pai Agostinho e
seu irmão Carlos foram martirizados em 1801. Naquela ocasião, ele, a mãe
Cecília e a irmã Isabel foram antes aprisionados e depois provados de todos os
seus à pobreza, a mãe foi morar com um parente seu. No novo ambiente,
sentiram-se muito incomodados, não só por causa da pobreza, mas principalmente
porque ficaram sem contato com a comunidade cristã.
Tão logo lhe foi possível, Paulo tomou consigo a
mãe e a irmã e transferiu-se para Seul, onde, já com 20 anos, pôde dedicar-se à
comunidade cristã, sobretudo ao serviço dos mais pobres. Foi a Pequim pelo
menos quinze vezes, enfrentando a pé uma viagem dificílima, para receber os
sacramentos e para implorar pelo envio de sacerdotes. O bispo de Pequim, em
primeiro lugar, mandou o Padre Sim, o qual, todavia, morreu em viagem; depois,
sugeriu a Paulo e a seus companheiros que escrevessem ao Papa pedindo um
bispo.
A partir desse momento, Paulo dedicou todo o
restante de sua vida a garantir a presença de um bispo e de sacerdotes na
Coreia. Foi por seu mérito que veio da China o sacerdote Yan e depois foram
introduzidos os sacerdotes franceses, Padre Pedro Maubant, Padre Tiago Chastan
e o Bispo Lourenço Imbert.
O Bispo Imbert tomou-o em sua casa juntamente com a
mãe e a irmã para prepará-lo ao sacerdócio, porém, a perseguição reacendeu-se
violenta e o bispo e os missionários foram forçados a esconder-se. Paulo, a
velha mãe e a irmã – esta última, juntamente com o irmão, havia se consagrado a
Deus na virgindade – permaneceram na casa do bispo e continuaram a manter a
comunidade unida, mas, um apóstata os traiu e foram acabar na prisão.
Assim se desenvolveu o interrogatório diante do
juiz : ‘É verdade que abandonaste as tradições da Coreia para praticar uma
doutrina estrangeira e que arrastas para ela também outros?’. Paulo respondeu :
‘Se nós aceitamos do exterior objetos úteis para nosso uso, por que deveria eu
rejeitar a religião cristã, que é a verdadeira, pelo único fato que vem de
fora?’. E o juiz : ‘Se tu exaltas uma religião estrangeira, pretendes que o rei
e os mandarins estejam em culpa porque a proíbem!’. E Paulo : ‘A estas
palavras, nada tenho a objetar. Devo somente morrer’.
Depois de havê-lo submetido a torturas insuportáveis
sem obter a abjuração, os guardas o decapitaram em 22 de setembro de 1839,
juntamente com seu caríssimo amigo Agostin o Nyon, que com ele havia subscrito
a petição ao Papa para que enviasse um bispo para a Coreia.
Passados alguns meses, a mãe Cecília, de 79 anos,
foi encarcerada e morreu devido às privações, enquanto a irmã Isabel, de 43
anos, foi decapitada.
Os missionários mártires : não podemos omitir
um rápido aceno ao heroísmo e ao martírio do Bispo Imbert e dos dois padres,
Maubant e Chastan, todos os três franceses. Para atenuar as violências e os
vexames exercidos sobre os cristãos para que revelassem o esconderijo dos
missionários, o bispo apresentou-se espontaneamente às autoridades e sugeriu a
seus dois sacerdotes que fizessem o mesmo. Nessa ocasião, o Padre Chastan
escreveu uma belíssima carta, da qual transcrevemos apenas um trecho : ‘O nosso
bispo, em sua sabedoria, considera oportuno, nas circunstâncias atuais, que é
dever do bom pastor dar a vida pelas suas ovelhas. E disso deu o exemplo,
apresentando-se ele próprio espontaneamente. A ordem de ficarmos escondidos nos
havia mantido no segredo; a ordem de nos apresentarmos agradou-nos tanto quanto
a primeira’.
Os dois sacerdotes, tomados sob custódia pelos
guardas, foram conduzidos a Seul, tendo-se encontrado com seu bispo na prisão
e, depois das costumeiras torturas, todos os três foram decapitados às margens
do rio Han-kang, a cinco quilômetros da cidade.
Outros dois bispos e cinco missionários tiveram o
sangue derramado junto à fileira dos mártires coreanos para estabelecer as
bases dessa Igreja sempre fiel ao Evangelho e hoje particularmente florescente.’
Fonte : *Artigo na íntegra
https://revistaavemaria.com.br/santo-andre-kim-taegon-sacerdotes-e-martires-coreanos.html
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